Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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A trajetória da Fazenda Tozan e a venda de terras a estrangeiros, por Rui Daher

​A trajetória da Fazenda Tozan e a venda de terras a estrangeiros

por Rui Daher

em CartaCapital

Há que se saber distinguir entre a venda de terras a estrangeiros que serve aos interesses produtivos do País ou às especulação imobiliária e lavagem de dinheiro.

Muitos leitores identificaram a propriedade, próxima a Campinas/SP, visitada e mencionada na última coluna. De fato, é a Fazenda Tozan do Brasil ou Monte d’Este.

Desde 1798, quando a Fazenda Ponte Alta, sesmaria de 6.400 hectares, foi cedida à família Camargo Penteado para plantio de cana-de-açúcar, essas terras passaram por várias etapas até chegarem à conformação atual. A principal, em 1927, quando seus descendentes venderam a fazenda para Hisaya Iwasaki, fundador do Grupo Mitsubishi.

Daí em diante, desenvolveu-se com diversificação de plantios, inauguração da fase manufatureira (Indústria Agrícola Tozan, 1934), criação do Instituto de Treinamento Agrícola junto ao Centro de Pesquisa Agrícola de Campinas, até chegar aos 830 hectares atuais, ocupados com café, soja, milho e bosques de árvores frutíferas.

Tem história e muita. Durante a Revolução de 1932, acolheu tropas paulistas. Até hoje, fazem de uma marca de bala de fuzil no Mirante construído em arquitetura nipônica, atração turística.

O exemplo da Tozan é frequente em todo o país e para o que sempre peço atenção. Ao longo de séculos, houve uma repartição geracional e mercantil de terras, a partir da região sul, que seguiu como tendência a amenizar a gravidade de nossa concentração fundiária. Continuará e é um tema para ser visto do alto, com a lupa, e sem preconceito ideológico.

Das altitudes, para entender nosso mundo rural, há que se considerar extensão territorial, diversidade de biomas, forma de colonização, noviciado e, sobretudo, a exploração econômica nos séculos seguintes ao do descobrimento. Nada a ver, pois, comparar tal evolução com as formações rurais de países mundo afora, de idade e histórico diferentes.

O mesmo ao tropeçarmos em pedras do caminho industrialista e tecnológico no bojo de um capitalismo trôpego e tardio, que esperou, oportunidades perdeu, e hoje se vê, usando modelos já condenados, a correr atrás de um sistema econômico em declínio e de transição incerta em todo o planeta.

E com a lupa? Serezinhos quase microscópicos aparecerão mostrando-nos como se deram as relações sociais no campo, o capital com o trabalho, a casa-grande com a senzala, situações específicas, desreguladas, malvistas no passado e criminosas em sua inércia de hoje. Assim se fez a agropecuária expandir em contraposição a homens, mulheres e recursos naturais próprios do meio rural.

Faço um parêntesis. Há farta e preciosa bibliografia sobre o tema. Curioso é a maior e mais profunda parte dela ter sido pesquisada, estudada e publicada até as décadas 1960/1970. De lá para cá, o setor rural passou por um longo período de relativização da parte de pesquisadores sociais na academia, dos governos pós-militares e, principalmente, das folhas e telas cotidianas. Foco, o frenesi globalizante e volumétrico.

Ô IBGE! Cadê o novo Censo Agropecuário?

Gigantismo e concentração

Durante pelo menos três décadas da segunda metade do século passado, fizeram sucesso executivos com ampla visão das intercorrências dos atores econômicos, políticos e sociais, que soubessem transformar tais percepções em estratégia das empresas.

Com a globalização, a chegada da internet e a predominância do ativismo financeiro sobre os setores produtivos, o mérito (?) foi transferido para quem se mimetizou em calculadoras. Robótica acoplada às baias dos escritórios.

Nos 40 anos trabalhando na cadeia dos agronegócios e 15 de colunismo sobre o tema, indução generalista trazida pela proximidade com as ciências sociais, faz-me esforçar para antecipar as tendências que acabarão por modificar as relações econômicas dentro do setor. Sempre a partir do que ouço e vejo em Andanças Capitais.

Para não me alongar, deixo que pensem como se deu a distribuição de insumos, a partir da potencialização da agricultura brasileira nos anos 1970. Os mais idosos na lida lembrarão; os jovens técnicos e agrônomos poderão pesquisar.

E hoje? Dou o informe e peço-lhes a reflexão. Conta o jornal Valor Econômico (18/02): “Para sobreviver nos disputados mercados agrícolas de Mato Grosso e Goiás, distribuidoras de insumos da região se organizam numa associação a AgriRede (…) o objetivo é ampliar os volumes movimentados e ganhar peso na disputa de preços com vendas diretas de multinacionais e cooperativas”.

E o futuro? Melhor não bobear, mas creio poderem tirar o “cavalo da chuva”. Mais um elo da cadeia que se vai na pergunta: “e o almoço, quem paga”?

Como ocorreu com os vendedores autônomos de adubos, as imensas redes de depósitos dos fabricantes nas regiões agrícolas para pronto atendimento ao plantio, assistentes técnicos e laboratórios para prestar serviços nas fazendas, financiamentos “no fio do bigode” com as exigências em casas bancárias, ao cabo e ao rabo, poucos sobrarão.

Tristes? Nem todos.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

10 Comentários

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  1. http://www.redebrasilatual.co

    http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2017/02/agroecologia-ve-com-preocupacao-novo-pacote-do-banco-do-brasil-para-o-agronegocio

     

    Agroecologia vê com preocupação mais um pacote do governo para o agronegócio

    Acordo entre o Banco do Brasil e as Ematers, que prevê criação de correspondentes bancários nessas entidades, deve atrair médios e grandes produtores e deixar de fora os pequenos, já excluídos A Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) manifestou hoje (25) preocupação com o projeto do Banco do Brasil de facilitar ainda mais a concessão de crédito aos grandes produtores rurais. Na última quinta-feira, já às vésperas do carnaval, diretores do setor de agronegócio do banco se reuniram com o presidente da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer), Argileu Martins da Silva, para discutir a criação de correspondentes bancários nessas entidades. De acordo com a Asbraer, o objetivo é facilitar o crédito rural e serviços para os produtores de médio porte, além de padronizar a concessão de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

    “Embora a notícia pareça rala, o fato de ser divulgada perto do carnaval justamente para dificultar esclarecimentos sugere motivos para preocupação”, afirma o coordenador do grupo de trabalho sobre agrotóxicos e transgênicos da Associação Brasileira de Aí A diferença agora, conforme explica, é que nesse modelo em estudo as Ematers serão remuneradas para prestar um serviço que será exclusivo para agricultores com renda e capacidade de endividamento. “Os serviços públicos devem estar exatamente a serviço dos outros, dos pequenos, excluídos dos sistemas de credito. Trata-se de mais um pacote de maldades para a agricultura, como o ‘pacote do veneno’ e tantos outros”. 

    Melgarejo teme que novos pacotes, inclusive tecnológicos, venham a ser estimulados por meio desse canal de crédito, operado pelo Banco do Brasil, que está sendo criado. “Tudo indica que poderemos estar voltando à estratégia difusionista usada durante a revolução verde, que provocou tantos danos sócio-ambientais. E uma Emater, no caso do Distrito Federal, não deveria poder ‘falar’ por todas as demais. Alem disso, qual o papel dos agricultores e suas organizações nesta construção? Foram ouvidos e não tem nada a dizer? Ou aceitam o papel de receptáculos passivos?”, questiona.

     

    1. Prezado,

      não foi outro o motivo que tanto critiquei no governo do golpe de acabar com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mais importante do que o próprio Ministério da Agricultura Pacuária e Abastecimento. Quem precisa do estado são os pequenos e médios agricultores, mas agora manda a bancada ruralista, meu caro.

      Abraços

  2. a….

    A venda de terras para estrangeiros só aumentará a concentração agrária no país. O exemplo é fácil: por que a GM não vende a fábrica ao invés de vender carros? (Dinheiro público não é para salvar empresários incompetentes, Dona Miriam Leitão? Nós vimos com a GM e outras americanas), O dinheiro entra fácil onde o lucro e o mercado é expressivo. Somos o país das maiores filiais das maiores empresas do planeta. Entregar ainda mais por conta de uma miseria financeira e intelectual persistente não adiantará de nada. Entregar sem exigir contrapartidas poderosas e significativas nos manterá no 5.o Mundo. As gigantescas fazendas de café que se expandiram até os anos de 1960 (1960 ainda se abria territórios para a expansão do café e outras culturas que surgiam com grande mercado). Não é história de livros e de Barões do Café. Entenderemos o gigantesco significado quando abandonarmos esta “Gestapo Ideológica”. É só mostrarem o interior do PI ou MA, de malárias, febres amarelas, leschmaniose e Chagas no início de 1990, revertidos em prosperidade em menos de 2 décadas com a chegada da agropecuária extensiva e intensiva. Nosso anticapitalismo tupiniquim se esbalda em achincalhar Marcelo Odebrecht enquanto entregamos de bandeja a Petrobras a Total, Shell ou Exxon….Como nação, somos ainda crianças que não tiveram oportunidade de ler as fabulas de Esopo. Aprenderíamos muito com o gato e o macaco. Nossos objetivos precisam ter prazo, estratégia e controle. Caso contrário nos tornaremos  periferia das propriedades estrangeiras dentro do nosso próprio país. abs. 

    1. Oi Zé Sérgio,

      você acerta quando escreve “Entregar sem exigir contrapartidas poderosas e significativas nos manterá no 5.o Mundo”.

      Há uma série de estudos do que você chama de “Gestapo Ideológica” indicando quais deveriam ser essas contrapartidas. Simples assim.

      Abraços

      1. oi…..

        Sobre abertura de novas áreas para café até 1960, extensas plantações que vinham desde os Barões do Café, no interior de SP, queria dizer que se tranformaram em poucas décadas na mais rica e diversificada agropecuária mundial. Naturalmente, com novas culturas, novos mercados, divisão de terras entre herdeiros e aumento das condições sociais e financeiras da população. Em muito financiadas por esta diversificação da agropecuária. Muito trabalho, muito resultado, pouca ideologia. Quanto ao sr. Victor Suarez, pode ficar com o Lula, se quiser. Em 30 anos de nova Constituição, a tal Cidadã, não permitiu que o povo soberanamente decidisse seu próprio futuro. O resultado foi um segundo golpe em menos de 2 décadas. Uma pseudo-democracia de 110 milhões de votos, onde quem governa não foi eleito. Os benefícios, estratégia e resultados da mais pujante agropecuária mundial não está exclusivamente em estudos ideológicos, nem socialistas nem capitalistas. Está em milhares de estudos elaborados pela fantástica capacidade brasileira desenvolvida e divulgada em trabalhos de Emater’s, Embrapa, Viçosa, Esalq, centenas de outros centros de pesquisa e universidades espalhados pelo país. abs.    

        1. Zé Sérgio,

          desculpe-me desapontar o seu ufanismo. Mas dois anos seguidos de d[olar baixo, como já está, e queda drástica nas cotações das commodities em NYC e Chicado acaba com toda essa pujança. Na maioria, os tantos trabalhos por você citados não passam de “papers” para engordar currículo dos pesquisadores, sem qualquer resultado prático para os agricultores. E ideologia, Zé Sérgio, acho que está na hora de você “encontrar uma para viver”. Não faz mal, engorda e faz crescer intelectualmente. abs

  3. O Brasil não anda pelas

    O Brasil não anda pelas próprias pernas. Parte pela total incompetência das elites, pela dependência das ex-sedes coloniais, da voracidade do capital financeiro monopolista e pelo subdesenvolvimento da América Latina. A ideia de Lula era usar a agricultura para financiar a integração e o desenvolvimento regional, diminuir as desigualdades setoriais e espaciais e inovar criando novas universidades e institutos. Mas Lula só em 2018.

    Com Temer o Brasil volta no tempo e abdica de qualquer projeto NACIONAL. O Brasil tem muito conhecimento na área agrícola, mas a maioria apenas para confirmar o modelo de subdesenvolvimento. Pesquisas em novos modelos de desenvolvimento fora da Revolução Verde não são ensinados ou pesquisados nos VELHOS centros formadores de recursos humanos.

  4. Antes do Centenário, lá por 2003, estive lá, Rui.

    Estive na Fazenda Tozan, integrando uma comitiva com  Acal (Clube Lojista da Liberdade), políticos da colonia japonesa,,técnicos da Prefeitura de Campinas e da Emplasa e o consul do Japão em SP,, num domingão churrasqueando picanha com misso (pasta de soja fermentada), sake e chopp.

    Motivo. Iwasaki-san dispos-se a doar 100 hectares para a construção de uma cidade japonesa com (desde ) pré-escola, universidade, hospital. O prócer da comuindade japonesa da Liberdade queria que as Associações de Províncias do Japão, sediadas no bairro, vendessem suas sedes e construíssem na futura cidade, as margens do Rio Atibaia, dentro da fazenda doada pelo fabricante de shoyu, sake e misso Tozan.

    O consul do Japão jogou chá frio na picanha, ao declarar que o Nihon < ajudaria com verbas desde que uma parcela significativa já estivesse edificada> a tempo para os festejos do Centenário da Imigração Japonesa em 2008.

    Na volta, nos micro-onibus, muito karaoke.Eu canto Itsuki Hiroshi, My Way em nihingo é meu forte, com play-back de Sinatra.

    Mas, no resto de lucidez, deu para indagar a um dos <por dentro das tratativas>.

    O japones vai doar100 hectares, a troco de que? retribuição de que? Pq é bonzinho?

    < Ele tem mais 1000 hectares para lotear a quem quiser construir e morar lá> 

    Em Sampa, incorporadores da colonia, especializados em condomínios alto padrão , desaconselharam o empreendimento e a cidade japonesa não saiu do papel.

    Até hoje lembro das sombras da árvore secular onde bebericavamos sake com chopp.Ah, e picanha com misso!

     

     

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