A produção de leite do Projeto Balde Cheio

Do Terra Magazine

Chore, sim, pelo leite derramado

Rui Daher
De São Paulo 

No mundo atual, onde você mexer se arriscará a cruzar com a fatalidade da fome e da pobreza.

Segundo a FAO, em 2007, o mundo produziu 571,4 milhões de toneladas de leite de vaca fresco e em pó. Suficientes para um consumo médio de 230 g/dia/habitante ou de 260 g, se aí incluirmos o leite de búfala.

Razoável. Se todos tivessem acesso a essa ração diária.

Desse total, 75% foram produzidos em 20 países desenvolvidos e emergentes, que representam menos de 60% da população do planeta. Se tirarmos do grupo os populosos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), fica pior. Metade da produção de leite se concentraria em 18% de homens, mulheres e crianças dos países ricos.

Não é tudo. Se o leitor sentar-se ao lado da estátua de Carlos Drummond de Andrade, na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, esteja o poeta ou não com os óculos que lhe são roubados com frequência, não verá do outro lado a África, mas poderá imaginar um bilhão de africanos lá sobrevivendo apesar de o continente produzir apenas 5% do que faz o mundo, o que lhes daria acesso a 80 g diários de leite.

OEUAOs EUA são o maior produtor mundial. Depois vêm Índia, China, Rússia, Alemanha e o Brasil, que produziu 27 milhões de toneladas, em 2007. Um volume respeitável, que, a exemplo de outros setores da agropecuária, sofre invariavelmente com preços baixos e falta de renda.

Aqui, saúda-se com entusiasmo o Projeto Balde Cheio, que se utiliza de tecnologia desenvolvida pela Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos (SP), e que passou a ser adotado por várias secretarias de Agricultura e Pecuária do país.

A essência do método está na transferência de conhecimento. Levar as técnicas da Embrapa de organização e obtenção de produtividade até o produtor de leite.

Determinados os municípios de uma bacia leiteira pequena ou média, técnicos dos serviços da extensão rural pública e privada são treinados pela Embrapa e, através de reuniões com produtores e visitas às suas propriedades, servem como multiplicadores das novas formas de trabalho.

Ensina-se o básico: plantio de pasto e cana, seleção do plantel com apartação das vacas de baixa produção e utilização mais racional e barata de insumos. Não raro há crescimento da produção diária de cinco a oito vezes.

Boa notícia, certo? Pena que incompleta, pois se encerra na esfera da produção.

Levantamento da ESALQ/USP dava conta de uma queda de 3,3% nos preços pagos aos produtores em junho em relação ao mês anterior, apesar da entressafra. Na média nacional, pagava-se pelo leite R$ 0,77 por litro, cotação que permanece até hoje. Motivo: “uma pequena elevação da oferta”.

Graças a Embrapa vamos produzir mais, mas a comercialização se daria de que forma? Continuaríamos a perceber com o nascer do sol os mesmos latões de leite nas portas dos sítios esperando passar o caminhãozinho da cooperativa ou da indústria para pagar ao produtor R$ 0,60 por litro?

Talvez, a técnica permitisse dobrar a produção até os 50 bilhões de litros, sermos o segundo maior produtor mundial, e mandar todo o nosso excedente para os países pobres da África. Caber-nos-ia o céu?

Mais uma vez a coluna insiste. Projetos, programas, até mesmo insinuações, com origem na produção agropecuária, precisam ir além dela. Necessitam estar apoiados em bases técnicas, e nisto vai bem o Balde Cheio, mas também em bases comerciais e financeiras. Não apenas de cessão de crédito que, mais tarde, se transformará em dívida impagável, mas de garantia de comercialização a preços remuneradores.

Só quando chegarmos lá a coluna não chorará o leite derramado.

Luis Nassif

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