Alta dos juros pode gerar gasto inútil de quase R$ 46,2 bilhões, por Lauro Veiga Filho

“Receita única” do BC contra a inflação, despesa causada pelo aumento da taxa básica pode superar o valor que a equipe econômica se dispôs a gastar com o auxílio emergencial

Alta dos juros pode gerar gasto inútil de quase R$ 46,2 bilhões

por Lauro Veiga Filho

A equipe econômica, representada neste caso pela alta direção do Banco Central (BC), tomou na quarta-feira, 17, a única medida a que sempre recorreu para enfrentar processos de elevação nos preços em geral: arrochar a economia por meio da elevação das taxas básicas de juros. Ainda que, conforme argumenta a própria nota do Comitê de Política Monetária (Copom), as altas recentes nos preços guardem relação nula com o nível atual da atividade econômica no País.

A inversão na política monetária, que registra a primeira elevação da taxa básica em seis anos, deverá se alongar no mínimo até maio, quando o Copom realiza sua próxima reunião, estimando-se um aumento acumulado até lá de 1,5 ponto de porcentagem, com os juros básicos batendo em 3,50% ao ano. Claro, não estão descartadas novas correções mais adiante. Até aqui, no entanto, são essas as indicações deixadas claras no comunicado distribuído pelo comitê no dia 17 passado.

O que o comunicado do Copom jamais deixa transparente é que medidas de política monetária (no caso, o aumento dos juros) sempre embutem custos a serem cobertos por toda a população. Não apenas porque o crédito tenderá a ficar mais caro. Mas também porque o governo terá que pagar juros mais altos para renovar sua dívida no mercado e ao vender novos títulos, o que tem efeito sobre as contas do setor público ao gerar despesas crescentes e mais déficits.

Em janeiro deste ano, a chamada “taxa Selic” corrigia perto de 46,2% da dívida bruta do governo geral (conceito que inclui as administrações federal, estaduais e municipais, assim como os regimes de Previdência administrados por eles). Ou seja, toda essa parcela da dívida estava sujeita às variações dos juros básicos definidos pelo BC. Diante de um saldo total de R$ 6,670 trilhões, valor da dívida bruta, perto de R$ 3,079 trilhões estavam representados por títulos remunerados pela taxa básica de juros. Uma alta de 1,5 ponto de porcentagem naqueles juros representaria, numa estimativa preliminar, um gasto adicional de pelo menos R$ 46,2 bilhões ao ano, um pouco mais do que os R$ 44,0 bilhões que a equipe econômica se dispôs a gastar com o auxílio emergencial. Essa despesa extra, gerada pela elevação dos juros, mas nunca levada em conta nas escolhas de política econômica feitas pelo governo, todos os demais indicadores constantes (como gostam de dizer os economistas), produziria uma elevação de 4,5% no déficit nominal (diferença entre receitas e despesas do governo geral, incluindo gastos com juros). Para registro, o rombo nominal acumulado em 12 meses até janeiro deste ano já somava R$ 1,017 trilhão, algo como 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Entre janeiro de 2020 e o primeiro mês deste ano, o saldo da dívida bruta do governo geral cresceu 20,2% aproximadamente, saindo de R$ 5,550 trilhões para R$ 6,670 trilhões (89,7% do PIB), o que significou um acréscimo de quase R$ 1,120 trilhão no período. O estoque da dívida amarrado aos juros básicos, por sua vez, cresceu bem menos, variando 12,9% e avançando de R$ 2,727 trilhões para R$ 3,079 trilhões (R$ 352,8 bilhões a mais, numa contribuição de 31,5% para o crescimento da dívida total).

Mesmo diante de todo esse aumento em sua dívida, o setor público brasileiro havia gasto muito menos com os juros, porque a taxa básica encontrava-se em níveis muito baixos. Considerando períodos de 12 meses, os gastos acumulados com juros baixaram 14,9% no total, saindo de R$ 407,73 bilhões até janeiro do ano passado para R$ 347,02 bilhões nos 12 meses terminados em janeiro deste ano (R$ 60,705 bilhões a menos). Os gastos com juros gerados pela dívida amarrada à Selic caíram pela metade naquele mesmo período, de R$ 150,821 bilhões para R$ 75,284 bilhões, ou seja, 50,1% a menos (redução de R$ 75,537 bilhões). Isso mostra que toda a queda nesse tipo de gasto veio da dívida corrigida pelos juros básicos, que agora voltam a subir, gerando novas pressões sobre as contas públicas.

Equívocos, no começo e no fim

A inflação vem flertando com níveis mais elevados desde setembro do ano passado, sob pressão da alta nos preços internacionais das principais commodities, incluindo soja, milho, algodão, petróleo e minério de ferro, entre outros produtos, e por conta da forte desvalorização do real diante do dólar. Quer dizer, nenhum desses fatores está relacionado ao comportamento da demanda doméstica. Na cabeça dos diretores do BC, ainda assim, seria “inevitável” aumentar os juros para determinar um esfriamento ainda mais severo na economia para derrubar os preços aqui dentro de forma a compensar as pressões de alta vindas de fora do País, levando a taxa inflacionária de volta para o centro da meta (fixada em 3,75% para este ano).

Para comparar, os preços dos produtos influenciados pelo dólar, nos 12 meses terminados em fevereiro deste ano, subiram 9,90% de acordo com estimativa do Banco Fator. Os produtos que não são exportados e que não sofrem influência direta do câmbio subiram 2,79% em igual período diante de uma inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 5,20%. O aumento dos combustíveis respondeu por metade da inflação registrada no acumulado dos primeiros dois meses deste ano (1,11%).

O avanço da inflação poderia ter sido enfrentado, desde o seu início, com a adoção de medidas menos duras do que o aumento dos juros, receituário único concebido pela equipe econômica. Medidas para moderar as exportações de alimentos, num exemplo, poderiam ter sido adotadas ainda no ano passado, assim como providências para estimular a entrada momentânea de bens importados, entre outros mecanismos disponíveis, mas desprezados por arrogância, desconhecimento ou interesses outros.

Para justificar sua decisão, o Copom argumenta que os indicadores disponíveis apontam uma “recuperação consistente da economia”, mesmo com a “redução dos programas de recomposição de renda”. Reconhece que “essas leituras”, que pintam um cenário um tanto irrealista, “ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente aumento no número de casos de Covid-19”.

Mas acha que já estava na hora de “iniciar um processo de normalização parcial, reduzindo o grau extraordinário do estímulo monetário”. O linguajar empoado, num momento em que famílias esfaimadas fazem filas nos grandes centros para conseguir algum alimento, soa como uma agressão. Traduzindo: os diretores do BC acreditam que o momento recomenda a volta da política de alta dos juros – o que vai aumentar os riscos de agravar a crise na economia, ampliando o desemprego, a perda de rendas e a fome, literalmente. E argumentam, contraditoriamente, que o “risco fiscal” mantém-se elevado (quer dizer, o risco de novos aumentos nos déficits do governo). Por que contraditório? Porque o aumento da taxa básica causará elevação nas despesas do governo com os juros de sua dívida, como visto, levando a novos aumentos da mesma dívida, com mais incertezas adiante.

O forte aquecimento mencionado pelo Copom, referindo-se ao comportamento mais recente do Produto Interno Bruto (PIB), não parece assim tão vigoroso. Na comparação com o trimestre imediatamente anterior, o PIB chegou a saltar 7,7% no terceiro trimestre, mas foi um salto enganoso, porque veio na sequência de quedas de 2,1% e de 9,2% no primeiro e segundo trimestres. No último trimestre, comparado ao terceiro, o produto avançou 3,2% (o que já antecipava algum desaquecimento). Comparado ao mesmo trimestre de 2019, o PIB caiu 3,9% e 1,1% no terceiro e quatro trimestres do ano passado. Apenas com alguma condescendência, podem-se considerar esses indicadores como um sinal de retomada.

Trilhões na ciranda

A alta dos juros certamente ganhará o amplo apoio dos mercados, com os festejos de sempre. A indústria de fundos já acumulava, até o dia 12 de março, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), patrimônio líquido de R$ 6,221 trilhões, algo como 83,5% do PIB. Desde dezembro de 2011, quando somava R$ 4,069 trilhões, o patrimônio consolidado dos fundos de investimento aumentaram 52,9% em termos reais, descontada a variação do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Desde janeiro até 12 de março último, os fundos registraram uma captação líquida de recursos (aplicações menos retiradas) de R$ 83,598 bilhões, num salto de 119,3% frente ao acumulado nos primeiros três meses do ano passado (R$ 38,128 bilhões). O valor, acumulado em apenas dois meses e meio, já corresponde a 47,6% de toda a captação líquida realizada nos 12 meses de 2020 (R$ 175,6 bilhões).

Redação

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