Alto custo do turismo interno faz brasileiro transferir recursos para exterior

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Enviado por Pedro Penido

Do El País

“Colonialismo tributário” brasileiro subsidia passagens aéreas para o exterior

Nunca os brasileiros gastaram tanto no exterior como no ano passado. Foram desembolsados 25,3 bilhões de dólares, quase 15% a mais que em 2012. A renda e o emprego ajudam a explicar esse fenômeno. Mas também os preços mais atraentes de produtos e serviços fora do país, e que fazem com que a Flórida, nos Estados Unidos, siga entre os destinos mais procurados, mesmo com a alta recente do dólar. Essa disparidade nos valores já começa, inclusive, na hora de comprar as passagens aéreas, graças a uma carga tributária regional e única no Brasil que acaba subsidiando os voos internacionais. Trata-se de um “colonialismo tributário”.

A expressão foi cunhada pelo próprio ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil da Presidência, Moreira Franco. Em entrevista por telefone ao EL PAÍS, ele afirma que o alto custo do turismo interno, que passa substancialmente pelo setor aéreo, faz com que o Brasil acabe subsidiando a transferência de recursos para o exterior. “É uma postura colonial para a transferência de renda para a metrópole. Nós temos infelizmente uma estrutura tributária que penaliza muito os negócios e, sobretudo, o contribuinte”, completa.

O alvo principal do ministro é a taxação do maior insumo do setor aéreo, o querosene de aviação (QVA). Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o combustível responde por cerca de 40% dos custos de uma companhia no país, ficando entre os mais caros do mundo. Sobre ele incidem tributos federais, como o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), e estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

“Essa tributação regional é única no mundo”, afirma o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz. “O ICMS não pode ser cobrado para voos internacionais porque isso está definido em acordos comerciais dos quais o Brasil é signatário. As taxas federais existem em outros países e não violam conceitos de reciprocidade que permeiam esses tratados. Já as estaduais, como não existem no exterior, não podem incidir sobre voos internacionais no país”, explica.

Ainda de acordo com a Abear, o ICMS sobre o combustível varia de 4% a 25% nos principais aeroportos brasileiros. Esses 4% seriam cobrados em voos dentro do mesmo estado, e em quatro ou cinco deles apenas. Entre estados diferentes, essa variação fica entre 12% e 25%. Como resultado das diferentes alíquotas, é prática comum nas empresas planejar a malha para abastecer no ponto de menor ICMS.

“Se você somar, no final do dia, os pagamentos de tributos, o custo derivado de enquadramentos regulatórios, o preço do QAV em si e um déficit em infraestrutura, a aviação doméstica brasileira acaba saindo 27% mais cara que na Europa”, acrescenta Sanovicz. “Enfrentar essa questão é vital para a economia, para o ingresso de divisas e para movimentar centros mais afastados do eixo Sudeste, como Natal e Belém, entre outras cidades”, emenda.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o ICMS cobrado é de 25%, ou seja, um quarto do metro cúbico do QAV. Quase 40% do tráfego nacional passa pelos aeroportos paulistas, com destaque para dois dos que apresentam maior movimentação de passageiros no Brasil, Congonhas e Guarulhos. Na prática, basta imaginar um mesmo caminhão-tanque abastecendo dois aviões de uma mesma companhia na pista, um com destino a Recife e outro a Buenos Aires. O combustível é o mesmo, mas o preço dele para o voo doméstico sai mais caro, em uma diferença que acaba repassada no preço das tarifas dos usuários.

Uma simples busca em um site que relaciona os preços mais vantajosos na internet pode evidenciar essa disparidade no exemplo citado por Moreira Franco. Uma viagem direta de um adulto de São Paulo a Recife, distantes pouco mais de 2.000 quilômetros em linha reta, é estimada entre 753 reais (318 dólares) e 818 reais (346 dólares) nas duas principais companhias aéreas do país, Gol e TAM.

O período pesquisado para a ida foi 1o de agosto deste ano, com retorno previsto para uma semana depois, no dia 8. Nas mesmas condições de busca, ida e volta para Buenos Aires, distante 1.677 quilômetros da capital paulista, sai entre 604 reais (256 dólares) e 621 reais (263 dólares).

“É por isso que se diz brincando que a classe média brasileira vai para Miami nas férias, enquanto a classe média alta vai para a Europa e os ricos brasileiros seguem para o Nordeste. É uma coisa bárbara, o imposto é muito alto. Não é à toa que o (presidente) Obama, durante a sua campanha à reeleição, fez questão de anunciar medidas que facilitassem a entrada de brasileiros nos Estados Unidos”, acrescenta o ministro Moreira Franco.

Mesmo tendo a maior parte de seu volume produzido no Brasil, o QAV é precificado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) levando em conta parâmetros do mercado internacional, a fim de manter o seu custo compatível com outras alternativas de importação no setor. Segundo representantes das companhias aéreas, essa lógica está ultrapassada e remonta à década de 1980, quando a maior parte não era produzida aqui, e sim comprada do exterior.

De 2002 a 2012, o presidente da Abear estima que houve aumento de 30 para 100 milhões de passageiros por ano no Brasil. O preço médio das passagens, por sua vez, caiu de 500 reais (210 dólares, na cotação desta quinta-feira) para 270 reais (113,4 dólares) no mesmo período. O crescimento no fluxo de viajantes pode ajudar a diluir o impacto das tarifas. “Mas o setor poderia ser muito mais competitivo”, rebate Sanovicz.

A “exportação” de turistas para o exterior contribui para elevar o déficit do Brasil nas contas externas, além de estimular o comércio e os serviços apenas em outros países. Segundo o Banco Central brasileiro, mesmo com o aumento do fluxo de turistas previsto para a Copa do Mundo, as despesas dos brasileiros fora do país vão superar novamente os gastos dos estrangeiros no país neste ano. Em 2013, esse déficit ficou em 18,6 bilhões de dólares, também um novo recorde.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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  1. Em outras palavras, enquanto

    Em outras palavras, enquanto o altissimo custo de “turismo” brasileiro so incomodava brasileiros -como os brasileiros estao reclamando ha decadas- ninguem falava nada.

    Foi so o turismo brasileiro incomodar estrangeiros “turistas” que Alguma Coisa Tem Que Ser Feita.

    1. Ivan, não acho que seja por

      Ivan, não acho que seja por aí. O Turista entrangeiro não se incomoda com os preços Brasileiros: ele simplesmente muda seu destino para outro País, da mesma forma que nós trocamos de bar, restaurante, supermercado, etc, quando achamos que estamos sendo explorados…com o agravante que o mundo é bem grande para quem quer viajar.

  2. Pensei que finalmente eu ia

    Pensei que finalmente eu ia ler uma reportagem falando dos preços abusivos de hoteis no Brasil. Para quem viajam em família de mais de 3 pessoas é mais barato hospedagem no exterior com serviço melhor.

    Parece que esqueceram que os gastos vão além das passagens.

     

  3. Reportagem simplista…

    Não são as passagens que alimentam o balanço negativo da conta turismo em nosso saldo comercial, mesmo pq os bilhetes são comprados em Reais.

    Tem outras questões nesta seara… O viajante brasileiro é, histórica e estatisticamente, o maior gastador em viagens internacionais. Este deveria ser o debate, de comportamento do viajante.

    O balanço da conta de doláres que entram (visitantes estrangeiros) e saem (brasileiros viajantes) é histórica e absurdamente negativa. Isto se deve a vários fatores, mas especialmente são as compras no exterior de eletro-eletrônicos e outros itens não essenciais (cosméticos, roupas) que, em teoria, são mais baratos lá fora.

    Mas também há muita breguice por parte dos brasucas no exterior nas suas opções de compras e nas escolhas de hotéis, por conta do status que dá em suas redes de amigos e familiares. Tem a ver também com o complexo de vira-lata, claro, porque viajar pelo Brasil é muito mais barato e mais legal.

     

    1. Neu Hobbie é fotografia da

      Neu Hobbie é fotografia da natureza. Pelo preço de um equipamento razoável aqui, mesmo comprado no Mercado Livre, (provavelmente contrabando), eu vou para os Estados Unidos, compro o equipamento, e a viagem sai de graça.

      Não vejo nada de brega ou complexo de vira lata nisso. É simplesmente o fato de usar uma calculadora.

      1. Eu trabalho com turismo e sei

        Eu trabalho com turismo e sei o que estou falando. Se quiser debater a psicosociologia dos viajantes, vamos nessa. E como vc pode ver, eu afirmei que tais equipamentos são mais baratos.

        Vc vestiu desnecessariamente a carapuça, pois obviamente seu comportamento não é extravagante. A não ser que vc vá duas ou três vezes ao ano para Miami ou Paris comprar equipamemtpos, vai?

        Só quis dizer que o brasileiro é o maior gastador per capita mundial de dólares em viagens ao exterior. Não sou eu quem falo, são os números. Pq os argentinos não são, ou australianos, ou outros países amergentes que tem situação parecida com a nossa??

        É breguice sim, exibição de status, compras inúteis… vai por mim…rs.

        1. Certamente entre os turistas

          Certamente entre os turistas consumidores existem compras inúteis por consumismo, mas também tem muita compra de equipamentos profissionais para empresas e trabalhadores que dependem desses equipamentos. Conheço empresas que se valem de compras no exterior de computadores, câmeras fotográficas, filmadoras e muito mais para poder se adaptar à demanda crescente dos clientes por novidades e sobreviver. Entendo a posição do governo em sustentar um imposto alto por questões de emprego no país e de balança comercial. Porém estamos em um círculo vicioso que fica difícil de romper e no qual o país se afunda cada vez mais: altos impostos encarecem a aquisição de equipamentos, que encarece a produção, que por sua vez diminui a competitividade do país e por fim prejudica a balança comercial. Em algum ponto este círculo vicioso tem de começar a ser rompido. Apenas incentivo para trazer a produção para o país não funciona. Basta vermos a respeito da famosa fábrica da Apple e Foxconn no Brasil. O máximo que se conseguiu até o momento foi trazer a fabricação de um modelo de celular já fora de linha em muitos outros países. Falta tanto para o governo, quanto para a oposição apontarem um norte para política industrial brasileira, propostas que sigam uma linha, uma diretriz, ainda que paulatina.

        2. Entendo o que vc quer dizer,

          Entendo o que vc quer dizer, mas com regime tributário adequado que levasse a preços menores, essa situação seria diferente. Criar condições para que a viagem doméstica seja vantajosa ou competitiva não vai fazer o indivídio deixar de ser brega ou consumista, com a única diferença que ele o será aqui, gerando empregos, renda e girando a economia com sua breguice e consumismo, a qual se mantém dentro ou além das nossas fronteiras.

  4. Não há como discutir esse

    Não há como discutir esse tipo de questão sem discutir o regime tributário, baseado em consumo, não no patrimônio e renda.

    Bastaria colocar uma alíquota de imposto de renda de 37% para quem ganha 500 mil por mes, 50% para quem ganha um milhão por mês, como é nos países desenvolvidos CAPITALISTAS e talvez  se pudesse abrir mão estes impostos nos combustíveis e etc…muitos ganhariam, (toda  a cadeia de turismo, os próprios brasileiros turistas, etc etc etc)  mas os poucos que dominam a mídia começariam a chamar tal atitude de bolivariana/comunista/castrista ou algo assim, e a classe média iria atrás. O país ficariam ingovernável…aí, quem consegue encarar essas “forças nem tão ocultas”?

  5. Bobagem

    A diferença de custo de combustivel não justifica, no início do mês fiz uma viagem de Amsterdam para Roma, 1600 km de distância por € 30,00 e olhe que se consegue preços ainda menores em trajetos equivalentes. A choradeira de impostos é uma grande bobagem, em várias partes do mundo passagens áereas são muito mais baratas que no Brasil, pouca concorrência, elevadas margens de lucro são os reais problemas do custo da aviação no nosso país.

  6. viajar no brasil é

    viajar no brasil é impossivel. ainda mais sozinho. a diaria sai quase o dobro do preço para que viaja só. . e o serviço prestado  é muito ruim…

  7. Ao invés de se preocuparem

    Ao invés de se preocuparem com os impostos que incidem apenas nos vôos domésticos, já não passou da hora de governos, congresso e senado destravarem uma reforma tributária decente para o país? Um IVA resolveria boa parte desses problemas.

  8. É bom notar que o Moreira

    É bom notar que o Moreira Franco, sendo quem é, em nenhum momento coloca as empresas aéreas como parte do problema. Mas, suas demais colocações são procedentes.

  9. resumo da ópera Tristes Trópicos

    resumo da ópera Tristes Trópicos – uma Odeàbrecht opus 13, comemorativa do Ano da Copa 2014, do governo (…sonhado no plano de metas 20 anos no poder…) Dilma JK 50.5

    Silvio Meira, autor de Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil fiado na Casa da Palavra Dada em Garantia no Fio do Bigode foi taxativo, conclusivo, reflexivo em recente entrevista numa revista do Sistema S:

    “E as dificuldades de empreender (e competir) no Brasil são conhecidas: somos um dos países mais confusos, complicados e arriscados do planeta, para qualquer tipo de negócio, novo ou velho. O Brasil está em 116º lugar no índice global (do Banco Mundial) de facilidade de fazer negócios, 40 posições atrás da Mongólia, e atrás do Paquistão e da Guiana.

    […]

    O que atrapalha, mesmo, no Brasil, é o que se poderia chamar da “grande complicação brasileira”. Não só nossos impostos estão entre os mais altos do mundo, mas a burocracia para estar em dia com eles é a mais complicada do planeta. É quase impossível andar na linha com a carga tributária brasileira, tamanha a dificuldade de fazê-lo. Quer ver? Na África Subsaariana, uma empresa gasta 314 horas/ano para pagar impostos; na América Latina, são 369 horas/ano (incluindo o Brasil na média). No Brasil? Pasme: nada menos que 2600 horas/ano! (Os dados são do Banco Mundial). Se a gente simplificasse os processos, mantendo a mesma – e quase impossível – carga tributária, já seria uma grande mudança para melhor.

    […]

    Empreendedorismo como escola, ao invés de escola de empreendedorismo, pode ser o meio pelo qual um país, região ou empresa capacitará, de maneira bem mais eficaz, seus futuros empreendedores.”

    http://www.sescsp.org.br/online/artigo/7337_SILVIO+MEIRA#/tagcloud=lista

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