Ao contrário do senso comum, feriados fazem bem à economia, por Luis Nassif

No Japão, estudos comprovam que reduzindo em um dia a semana de trabalho, a produtividade aumentava pela maior disposição e menor estresse dos trabalhadores.

Na cobertura econômica, uma das grandes tolices reiteradas consiste na síndrome dos dados numéricos. Qualquer tolice, se acompanhada de uma estimativa numérica, passa facilmente pelo filtro do jornalismo econômico, como demonstrou a pesquisa-fantasma da Alshop (Associação dos Lohistas de Shoppings), que tirou um número da cartola, aceito imediatamente pela mídia, sem que nenhum veículo tivesse a curiosidade de analisar a metodologia e os dados. Pior, nem se deram conta de que a Alshop sequer apresentou os dados da pesquisa.

Repete-se a mesma bobagem com os cálculos de supostos prejuízos do comércio e indústria com os feriados prolongados. Essa prática vem dos anos 90, quando Antonio Ermírio de Morais resolveu levantar a bandeira do fim dos feriados prolongados.

O Globo entra na história com a matéria “Comércio e Indústria estimam prejuízos bilionários com os feriados prolongados de 2020”.

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Os chutes sobre as perdas vêm de diversos lados e em cima da mesma falácia:

  1. Pegam o volume estimado de faturamento do comércio e dividem pelo número de dias úteis.
  2. Depois descontam desse valor o faturamento-dia correspondente a cada feriado prolongado, como se as perdas com as vendas não efetuadas nunca mais fossem recuperadas.

Por que é um besteirol? Simplesmente porque se a loja estiver fechada no feriado, grande parte dos consumidores vai comprar antes ou depois do feriado. É óbvio. Preciso de uma geladeira nova, mas como a loja estava fechada no dia em que resolvi comprar, nunca mais vou comprar uma geladeira nova…

Vamos a um exercício simples de lógica, começando pelo comércio.

As vendas do comércio

Há dois tipos de gastos dos consumidores:

  • Parcela A – Os recorrentes, que integram os orçamentos familiares.
  • Parcela B – Os extraordinários, que ocorrem em circunstâncias especiais.

Os feriados não afetam os gastos recorrentes, mas estimulam um gasto extraordinário em toda uma cadeia produtiva que gira em torno dos feriados: viagens, hotéis, restaurantes, compras de brindes, cinemas, eventos, shows, etc.  

Segundo o Ministério do Turismo – mencionado na reportagem -, no ano passado, feriados prolongados resultaram em 13,9 milhões de viagens domésticas, injeção de R$ 28,84 bilhões na economia.

Voltemos à velha lógica. Se a Parcela A permanece a mesma e a Parcela B aumenta, obviamente o resultado final será maior. E esses gastos beneficiam especialmente os centros turísticos, dos quais um dos maiores continua sendo o Rio de Janeiro.

No entanto, veja como as associações de classe do Rio de Janeiro embarcam nessas falácias.

  • A Federação do Comércio do Rio de Janeiro estima perdas de R$ 4,8 bilhões em 2002.
  • O presidente da Federação do Comércio vai além e estima perdas de R$ 3 bilhões por dia parado.
  • O Centro de Estudos do Clube de Diretores Lojistas do município (CDL-Rio), diz que cada dia parado representa perda média de R$ 405 milhões.

As vendas da indústria

No caso da Indústria, repete-se a mesma falácia. E o mesmo vício do economista brasileiro de não conseguir ir além das estatísticas básicas, de não buscar uma análise sistêmica dos feriados.

É o caso do economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, com uma conta sem nuances.  Sua lógica é pegar a produção do ano e dividir pelo número de empregados e, depois, pelo número de dias úteis. Se há menos dias úteis, supõe ele, há uma queda da produtividade.

Vamos pegar um exemplo bem simples para demonstrar a falácia do argumento:

  1. Uma linha de montagem produz 2.000 equipamentos por mês, contando com 50 funcionários. Se o mês tiver 22 dias úteis, a produtividade de cada trabalhador será de (2.000 / 50) / 22 = 1,82 equipamentos dia.
  2. Como, por hipótese, se tem 22 dias úteis, a produção do mês será de 40,04 equipamentos por trabalhador.
  3. Se o número de dias úteis cair para 20, a produção do mês cairá para 36,40 por trabalhador. Logo, houver uma redução da produtividade.

Onde estão os sofismas

Os feriados reduzem o número de dias para 20 no mês. Mas a demanda continua sendo de 2.000 equipamentos. Se a indústria estivesse operando em plena capacidade, haveria a necessidade de alguns turnos extras para compensar o feriado. Quando não se trabalha a plena capacidade, significa simplesmente que os mesmos 2.000 equipamentos serão produzidos em 20 dias, e não mais em 22. E se há capacidade ociosa, há espaço para aumento da produção.

A visão sistêmica

Um dos grandes problemas desse tipo de análise econômica é a ausência de análise sistêmica, por falta de dados e de metodologia. Por exemplo, todos os trabalhadores de folga são consumidores dessa grande economia dos feriados.

No Japão, estudos comprovam que reduzindo em um dia a semana de trabalho, a produtividade aumentava pela maior disposição e menor estresse dos trabalhadores. Mais ainda, devido ao fato de que a produção aumentou na semana, para compensar o dia parado a mais 

Mas ainda não surgiu um indicador de bem estar para a indústria em geral, menos ainda os reflexos sobre a produtividade do trabalho.

Mesmo sem dados mais apurados, feriados ajudam a aquecer a economia.

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. Parabéns!
    Por incrível que pareça, essa é uma abordagem original.
    Seria possível, ainda, acrescentar o movimento gerado em outros setores: turismo, lazer, restaurantes, bares, etc. Note-se, intensivos em mão de obra e , vis-a-vis com outro setores, sustentáveis e preservadores da natureza.
    Outro “judas” que mereceria um contraponto é o 13o Salário.

    1. a classe dominante no Brasil não sabe o que é Capitalismo, tampouco quer saber. por isto não compreende suas próprias tragédias enquanto dependente e subordinada.

      qual a relação de trabalho ideal para um setor exportador de commodities? a escravidão, é claro! sem custos com mão de obra.

      e por que os pequenos empresários defendem o mesmo modelo? porque são balizados pelos interesses dos grandes, do grande Capital.

      indague-se a respeito a um pequeno empresário, ele repetirá automaticamente toda a ladinha dos economistas de mercado, justo aqueles o levando à bancarrota.

      os oligopólios voltados ao mercado externo e a financeirização impõe seus interesses, e seus valores e visão do mundo, aqueles que dependem do mercado interno, portanto da existência de renda para gerar demanda.

      a pequena-burguesia não quer compreender que jamais fará parte da burguesia, enquanto classe dominante, pois pela inexorável oligopolização imposta pelo Capitalismo está fadada a se proletarizar.

      vivemos a era da abundância, tanto produtiva quanto da miséria e da destruição do meio ambiente. poderíamos aumentar a quantidade de feriados e diminuir as horas de trabalho, mas isto é impossível sem enfrentar as contradições intrínsecas ao Capitalismo.

      para a classe dominante global a solução final já foi tomada: exterminar no mínimo 4/5 da população planetária.
      .

  2. Brilhante Nassif. Seu argumento está de acordo com as experiências adquiridas nas democracias avançadas do planeta, guiadas pela ideia de bem estar social. Creio que é possível incluir também, pelo menos até um certo limite, a diminuição da jornada de trabalho. Nos países socialmente mais atrasados, a extração da mais valia é a mais tosca possível. A ideia predominante é que o trabalhador não passa de carvão, a ser queimado em seu tempo de vida. Daí a necessidade de eliminar feriados e tudo mais que signifique descanso.

  3. A cultura brasileira ainda é a dos senhores de escravos onde, se estes últimos param um dia, eles teriam “prejuízo”. Conforme abordado, para eles, não existe possibilidade de antecipação ou recuperação por um dia parado, pois será (para eles) eternamente uma “perda”.
    A crença da igreja universal do reino neoliberal serve para os outros:
    O trabalho (dos outros) enobrece e “liberta” … para que os senhores possam usufruir seu desperdício, daquilo que é mais do que podem usufruir, do lazer, mesmo como trabalho (ou vice-versa).
    Nada como trabalhar prazeirosa e motivadamente,exercendo conhecimento e relacionamentos que poucos têm, negociando em luxuosos restaurantes, confortáveis escritórios ou mesmo em resorts, viagens, eventos, onde o “trabalho meritocrático” pode render milhões em conchavos e privilégiadas oportunidades.
    Para os humanos comuns o que resta é o contínuo esforço desmotivado e abaixo das necessidades.
    Ou mesmo o sem trabalho.
    Neste tipo de mundo “residual” há um famoso portão onde (ainda) se lê:
    “Arbeit Macht Frei”.

    1. Nosso (raro) “lema”, na nossa (bela) bandeira, se desaparecesse a deixaria ainda mais bela.
      Insinua:
      Ordem (entre os escravos).
      Progresso (para os senhores).

  4. Concordo plenamente com o Nassif, aliás sempre defendi esse argumento. Mas os senhores feudais e os donos das “casa grande” não concordam que as pessoas trabalhem para viver, e não vivam para trabalhar.

  5. Discordo em parte, prezado Nassif. No comércio pode haver tendência a se manter o consumo como um todo, mas muda a distribuição de consumo. Alguém que almoçaria em lanchonete no horário de almoço não o fará, portanto para a citada lanchonete o faturamento cai. Pode aumentar eventualmente em outro restaurante ou no supermercado.
    Já para o setor industrial, é óbvio que menos dias trabalhados significam menor produção. Onde está o sofisma:
    “Se há capacidade ociosa, há espaço para aumento de produção”. A capacidade ociosa na indústria geralmente é de equipamentos, não de mão de obra, que já foi dispensada. Não se contrata gente porque há mais ou menos feriados em determinado mês. Se se aumentam horas extras, aumenta o custo da empresa, o que reduz a produtividade. Não se aumenta um turno de serviço por causa de feriados, e sim para aproveitamento total dos equipamentos de produção.

  6. Não se importam de passar por bestas, mas precisam defender o contrário do que é bom pro povo ou que o povo simplesmente gosta. Essa posição marcada de distinção em relaçao ao povo é característica da doutrinação meritocrática; vai muito além de mera incompetência jornalística.

  7. Sim. Sou chefe de cozinha e trabalho justamente nos feriados. Parabéns Nassif por contribuir pelo fim da cegueira. Aliás nos feriados as empresas fazem suas convenções para justamente aumentar a produtividade e ampliar as vendas.

  8. Multiplicar o número de trabalhadores pelo número de dias trabalhados é apenas uma forma de estimar o número de horas trabalhadas. Não há nada de errado nisso.

    Dividir o produto pelo número de horas trabalhadas é um modo de medir a produtividade média do trabalho. Não há nada de errado nisso.

    Afirmar que a redução das horas trabalhadas leva a uma diminuição (ou aumento) da produtividade é uma tese que necessita de uma explicação lógica e uma aferição empírica. Como destacado no texto do Nassif, há estudos que sustentam a tese de aumento da produtividade.

    Quais são os efeitos da redução do número de horas trabalhadas (devido aos feriados)?

    O produto é igual à produtividade média do trabalho vezes o número de horas trabalhadas. Isso é uma simples identidade. Se cai o número de horas trabalhadas, o efeito no produto depende do que possa ocorrer com a produtividade. A hipótese usual é que não afeta a produtividade. Logo, a redução das horas trabalhadas levaria à redução do produto.

    O produto, pela ótica da renda, divide-se entre massa salarial e o resto (tudo em termos reais), que podemos chamar de lucro. Em outros termos, o lucro é igual ao produto menos a massa salarial. Uma nova identidade.

    A massa salarial em geral não depende do número de feriados: o trabalhador recebe o salário mensal independente de mais ou menos feriados. Logo, a redução do produto implica queda dos lucros. Compreende-se o empenho dos capitalistas em reduzir o número de feriados.

    Se o salário fosse pago por hora trabalhada (como, no fundo, as reformas pretendem impor), parte da redução do produto corresponderia à redução da massa salarial, mas, mesmo assim, os lucros diminuiriam (embora menos do que no caso anterior). Omito a explicação desse segundo caso.

    1. -> Se o salário fosse pago por hora trabalhada (como, no fundo, as reformas pretendem impor), parte da redução do produto corresponderia à redução da massa salarial, mas, mesmo assim, os lucros diminuiriam (embora menos do que no caso anterior). Omito a explicação desse segundo caso.

      graças a um jovem cabeludo, com barba bem aparada e iconoclasta sabemos desde os meados do séc. XIX das contradições intrínsecas ao Capitalismo: lucro é trabalho não pago.

      portanto, sem trabalho não há lucro. isto do ponto de vista de sua produção.

      da perspectiva da demanda, sem renda não há consumo, portanto o lucro não se realiza.

      cada empresário, em especial os pequenos, não enxerga além do umbigo de seus interesses imediatistas, sem qualquer de visão sistêmica.

      ainda pior: vivemos a época da autonomização do Capital e de sua extrema financeirização. o sistema funciona por si e para si, numa espiral nos arrastando à extinção.
      .

  9. O povo brasileiro está habituado à escravidão. Para ele e para a nova presidenta do TST a exploração imperiosa do trabalhador são dados “mágicos”, imutáveis da realidade. Com a pregação igualmente mágica dos pastores evangélicos a coisa entra definitivamente no campo do sagrado. O fato concreto debque o trabalho mata mais do que o cigarro e o álcool juntos é “esquecido” pelo espírito pragmático de nossos “intelectuais” do progresso. TRABALHO QUANDO NÃO MATA ALEIJA.

    ABAIXO AO TRABALHO!

  10. É muito fácil saber se os feriados ajudam ou não a economia: faça as contas quanto vc gasta nos feriados comparado aos dias úteis de trabalho. De minha parte, garanto que gasto muito mais nos feriados.

    1. No meu caso, em dia útil, passo o dia no trabalho, sem tempo e sem onde consumir. No feriado, é exatamente o contrário. Além disso, acho que essa condição é muito comum.

  11. A atividade turística, movimenta toda a economia, pois e á única que se interliga com pelo menos 50 setores da economia.
    A economia do prazer. A economia do lazer. A economia do ócio, é mais importante do que a economia formale escravagista.
    Há que se mudar o padrão economico sanguessuga e se implantar
    um sistema de bem estar e satisfação pessoal e coletivo.
    O PIB precisa ser medido pela satisfação de viver, não oprimido, enforcado, submetido a sistema de exaustão, mas por valores de prazer e satisfação de viver.
    A economia precisa ser para todos e não para bancos. As estatísticas precisam medir a satisfação e não números. O luceo tem que ser socializado.
    Coletivizar a economia, onde todos ganham e onde todos e todas sintam prazer e harmonia em viver.
    O resto é espoliação da vida humana.

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