As discussões sobre políticas fiscal e monetária, por Francisco Ebeling

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

As discussões seculares sobre políticas fiscal e monetária

por Francisco Ebeling

Especial para o Jornal GGN

A macroeconomia moderna tem no trabalho de John Maynard Keynes seu marco fundador. No contexto da crise de 1929, as suas ideias sobre como uma economia em crise poderia ser estabilizada através de uma combinação de políticas fiscais e monetárias anticíclicas ganharam com força avassaladora em aceitação e notoriedade  

Rapidamente, no entanto, essas teses foram incorporadas por Paul Samuelson ao mainstream marginalista-neoclássico que predominava antes da contribuição seminal de Keynes. A chamada escola neoclássica tinha como foco essencialmente a análise microeconômica. Destacavam-se nessa escola dois tipos de análises/projetos. De um lado, a análise walrasiana do equilíbrio general, cujo objetivo era demonstrar que a interação de indivíduos racionais maximizadores poderia ser compatível com o máximo de bem estar econômico, com mínima intervenção estatal. De outro, a avenida proposta pelo economista Alfred Marshall, para o qual o método adequado era fazer análises parciais, em que apenas poucas relações entre atores econômicos ou mercados seriam consideradas. Como seu pupilo, Keynes se aferra ao método marshalliano para demonstrar que a política fiscal era um instrumento poderoso, mas se desfaz da ideia neoclassica de que o pleno emprego era atingível apenas com os mecanismos de mercado.   

Paul Samuelson aglutina os métodos marshallianos de Keynes com a análise neoclássica do tipo walrasiano os dispõe na chamada “síntese neoclássica”, alternativamente conhecida como modelo “IS-LM” a partir da contribuição de John Hicks.

Grosso modo, neste modelo permite-se que interajam no curto prazo uma curva negativamente inclinada “IS” – que expressa as possíveis combinações da renda “Y” e da taxa de juros “r”, as quais equilibram o mercado de bens e serviços -, com uma curva positivamente inclinada “LM”, que expressa os possíveis equilíbrios no mercado por dinheiro.

Dessa forma, uma política fiscal expansionista deslocaria a curva IS para cima, aumentando a renda através do chamado efeito multiplicador. Posteriormente, a contribuição do economista neozelandes William Phillips (1956) permitiria ainda considerar a relação inversa entre a taxa de desemprego e a inflação. Dessa forma, uma política fiscal que tivesse como objetivo diminuir o desemprego teria como efeito indesejado um aumento dessa última.

Nesse consenso que se forma entre economistas keynesianos e neoclássicos o curto prazo pertenceria a Keynes; ja no longo prazo a análise seria neoclassica. Neste sentido, o modelo de crescimento da economia em longo prazo mais influente deste período é proposto por Robert Solow, em bases essencialmente neoclássicas.

É nesse espaço intelectual delimitado por Samuelson que acontecem as grandes disputas teóricas entre economistas no período entre as décadas de 1940 e 1970.

Um exemplo é o desafio de Milton Friedman, para o qual a escolha entre desemprego e inflação somente seria possível em curto prazo, ja que em longo prazo os empregados ajustariam sucessivamente as suas expectativas salariais, o que levaria a uma espiral inflacionária. Friedman usaria essa tese para argumentar que não caberia ao Estado conduzir políticas fiscais expansionistas – cujo resultado fiscal  sabidamente seria apenas mais inflação-, mas estabelecer uma regra para a expansão do estoque de dinheiro.

No final da década de 1970 o economista norte-americano Robert Lucas Jr. faria um ataque ao então consenso dominante. A chamada “crítica de Lucas” foca-se na tese de que estimações de relações pregressas entre grandezas econômicas como consumo e investimento seriam inadequadas para prever os resultados futuros de políticas econômicas presentes, uma vez que não haveria razão para crer que essas relações seriam invariáveis. De acordo com ele, a análise macroeconômica deveria ser rigorosamente “microfundada”, o que o levou a radicalizar em seus modelos o postulado de que os indivíduos são racionais-maximizadores. Volta à cena o método walrasiano de equilíbrio geral, uma vez que é assumido que as ações dos indivíduos sao idênticas e, portanto, “somáveis” em um ponto ótimo. Com o ataque de Lucas, ganha em força o argumento de que não só a política fiscal como a política monetária sao ineficazes, exceto quando totalmente inesperadas por indivíduos dotados de informações completas e, portanto, capazes de fazerem previsões fiéis sobre estados futuros da economia 

Com a baixa capacidade de explicar os acontecimentos do mundo real dos modelos inspirados no trabalho de Lucas – uma vez que crises de demanda e outras oscilações negativas e positivas são fatos cotidianos – rapidamente os economistas da “Real Business Cycle Theory” (RBC), desenvolvida pela escola de Chicago, tomam o leme da fronteira da ciência macroeconômica. Desenvolvendo modelos macroeconométricos que passaram a ser conhecidos como DSGE (Dynamic Stochastic General Equilibrium Models), estes economistas buscam descrever como choques exógenos ao modelo – sobretudo avanços tecnológicos – seriam capazes de ocasionar flutuações no ambiente econômico, produzindo ciclos de negócios.

Em paralelo a esses desenvolvimentos, economistas “novo keynesianos”, em especial Joseph Stiglitz, George Akerlof e Gregory Mankiw, se dedicavam a estudar como certas imperfeições da economia poderiam ser explicadas em um contexto de uma teoria econômica mais moderna.

Por exemplo Akerlof desenvolve um modelo (“the market for lemons”) sobre os efeitos da informação assimétrica na economia. Já Stiglitz, em associação com Carl Shapiro, propõe um modelo para explicar as razões pelas quais os salários não tendem a cair indefinidamente, sugerindo a noção de “salários eficientes”, através dos quais os empregadores buscariam reter seus melhores funcionários. Com essas adições à teoria, os economistas novos keynesianos reduzem a rica análise de Keynes à tese de que se os preços não fossem inflexíveis (sticky prices), seria possível alcançar um equilíbrio geral. Por essa razão, sua análise, ao contrário da contribuição marshalliana original de Keynes, é rigorosamente micro fundada, ancorando-se também em cada vez mais sofisticados, rigorosos e elegantes modelos DSGE. Com o poder de convencimento das contribuições dos economistas novo keynesianos surge então uma “nova síntese”, que passa a delimitar o espaço de análise para os economistas do mainstream. A crise econômica de 2008 dá ainda mais força às teses novo keynesianos frente aos demais integrantes do novo consenso.

Chegamos aqui ao xadrez do dia 14/11 do Jornal GGN, de Luis Nassif. Neste, Nassif cita três estudos para demonstrar a fragilidade teórica da PEC, mas também o fracasso da política de austeridade proposta durante o ciclo Joaquim Levy. São eles: Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro (2010), Romer (2012), e De Long e Summers (2012). Com o breve excurso histórico que fizemos, foi possível demonstrar que esses estudos –  que destacam a importância da política fiscal no contexto atual – encontram-se atualmente na “fronteira” da ciência macroeconômica. Sugerimos então que a defesa da PEC e de mais austeridade não só é anacrônica, como é pouco defensável dentro dos termos “científicos” atuais.

Nota-se que, contudo, como essas análises as quais defendem a política fiscal no atual contexto fazem parte do “novo consenso”, elas têm “pontos cegos” ou “amarras teóricas” que autores mais ortodoxos podem explorar para defender as suas teses.

Tomemos como exemplo o trabalho dos novos keynesianos Carlin e Soskice (2014), que nos permite concluir que um aumento dos gastos públicos – recomendável em um momento negativo do ciclo – levaria a um deslocamento para a direita da curva IS. Isso resultaria em um deslocamento para acima da curva de Phillips – com um aumento da inflação – o que requer um novo ajuste monetário futuro. Dentro desse arcabouço teórico, pode-se interpretar que a atual posição da “curva MR” (“monetary rule”), a qual expressa a magnitude do ajuste monetário, seria excessivamente elevada em função da alta taxa de juros vigente no país, o que levaria provavelmente a ajustes futuros ainda mais fortes. 

Dessa forma, seria necessário primeiro reduzir a taxa de juros para depois implementar uma política fiscal expansionista. Essa tese, no entanto, tem alguns problemas. Em primeiro lugar, é pouco plausível que os juros caiam na velocidade e proporção desejadas no atual arranjo institucional de determinação da política monetária. Em segundo lugar, se com essa fórmula fosse possível de fato reduzir juros, o grau de liberdade conquistado para a condução de uma política fiscal seria pequeno, insuficiente diante do atual quadro recessivo. Aposta-se que se fosse possível reduzir juros seria possível restaurar o espírito animal e, por conseguinte, aumentar o “I” da equaçao Y = C + I + G + (X – M). O problema dessa aposta é que, na maioria das vezes, ela nao se materializou. 

Por seu turno, outras escolas macroeconômicas, como por exemplo a “pós keynesiana”, nos ensinam que a política fiscal deve ser implementada de acordo com metas e objetivos específicas. Referimo-nos em particular à doutrina das finanças funcionais de Abba Lerner, para o qual o tamanho da política fiscal e o eventual endividamento no qual o Estado incorre para financiá-la devem ser analisados em conjunto com os efeitos desejados. Isto é, uma política fiscal não é per se boa ou ruim e não  necessariamente precisa ser implementada de forma anticíclica. No caso brasileiro, identifica-se graves déficits habitacionais, em termos de saneamento básico, infraestrutura, problemas educacionais, ou o desafio ambiental-climático como motivos para que a política fiscal seja permanentemente considerada como instrumento válido. Esses economistas (ver, por exemplo, Lavoie 2014) nos ensinam também que a política fiscal é o meio mais eficiente para atingir um patamar sustentável de endividamento publico, por que é a expansão da atividade que aumenta a arrecadação governamental, da qual se pode extrair mais poupança para o pagamento de juros da dívida.

Francisco Ebeling é economista e mestre pela UFRJ

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Interessante ponto de vista da economia

    Num filme ontem, em uma das falas, a personagem diz que todos os artistas compõe suas obras de arte como uma corte ao sexo desejado, assim as pinturas de Michelangelo, os sonetos de Shakespeare, o Empire State Building, são somente representações elaboradas de uma cantada. Na minha opinião isto é verdade, pois o dinheiro nasce desta pulsão sexual economicisada reprimida e obras de arte são em última análise, bens valiosos com forte expressão monetária.

    As teorias acima partem do dinhero já pronto e em ação na sociedade civilizada, mas, na minha humilde opinião, deixam de considerar o objetivo principal dele, que é comprar o sexo e como enumerado acima, nas obras e autores, se apresentam de forma muito diversificada e elaborada, mesmo “sui generis”, o que torna toda tentativa homogeinizadora de modelos analíticos extremamente simplórios e falhos.

    Não vejo como superar isto, a não ser é claro com uma modelagem analítica que tomasse como base cada indivíduo em seu tempo presente, algo que nos atuais níveis de desenvolvimento tecnológico podem ser sonhados, mas que permanecem no campo do irrealizado, infelizmente.

    Logo, mesmo teorias limitrófes do estado de arte atual ainda não são capazes de substituir os esquemas simplificadores clássicos que trouxeram os humanos, em sua miríade de formas e expressões, até os dias atuais. Prestam-se a biombos, meras distrações que entretem o povo, enquanto os profissionais na manipulação trabalham sem serem incomodados, isto justifica a linguagem hermética e as fórmulas esotéricas por eles usadas, já que na prática não funcionam.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador