Coluna Econômica: a indústria do disco e o ocaso da música brasileira

Para muitos artistas, o novo modelo dependerá da capacidade das novas empresas de streaming montarem seus próprios casts, a exemplo da Netflix, Amazon e outros.

Um dos setores mais afetados pelas novas tecnologias foi a indústria da música.

O modelo anterior tinha como eixo central as grandes gravadoras, as majors, dominando mercados em várias partes do mundo. E como fontes de receita a venda de CDs, vídeos e os direitos autorais.

A gravadora fazia a seleção dos artistas, garantia os arranjos e a gravação. E, especialmente, os estúdios, que demandavam equipamento caro.

Depois, respondia pela divulgação graças aos laços que mantinha com o jornalismo cultural e também com emissoras de rádio e televisão. Valiam-se, então, dos jabás para conseguir que os CDs fossem tocados nas rádios mais ouvidas.

Sempre foi um mercado de baixa criatividade, na qual os produtores não tinham espaço para ousadias. Esperava-se um determinado gênero dar certo, para as outras gravadores seguirem a rota aberta. Em poucos momentos houve o desbravamento de outros gêneros. Também havia um modelo de lançamento de artistas globais, com circuito de teatros e casas de show em várias capitais e, especialmente, grandes festivais internacionais.

Esse modelo foi desmontado pelo avanço da Internet e das redes sociais.

Inicialmente, as novas tecnologias ajudaram no aumento da produção, pelo barateamento dos equipamentos, na divulgação e nos contatos internacionais. Com a boa imagem internacional do país, e a visibilidade proporcionada pelo Youtube, houve a possibilidade de um enorme estoque de artistas arriscando turnês pela Europa, aproximando-se de produtores de outros países.

Gradativamente, porém, o novo modelo passou a destruir os pilares do modelo anterior, de venda de CD e pagamento de direitos autorais, especialmente quando as empresas de streamers – como Spotify, Apple Music entre outros – tornaram-se dominantes.

A enorme oferta de novas produções não encontrou, na outra ponta, canais próprios de visibilidade. O fenômeno das bolhas ocorreu também no campo musical gerando uma superoferta que escondeu talentos individuais na multidão que se formou.

Ao mesmo tempo, a música brasileira passou a perder relevância internacional, conforme depoimento que me deu, domingo passado, o músico Swami Jr, com larga experiência em festivais internacionais acompanhando grandes artistas brasileiros.

O Brasil teve duas fases esplendorosas, a bossa nova e, depois, uma brilhante geração de popstars, com Milton, Chico, Caetano, Gil, Ivan Lins, João Bosco, Djavan. Internamente, foram sucedidos por outras gerações, bastante talentosas, como a música do centro-oeste e do sul, as cantigas nordestinas, o rock de Brasilia, a música dançante de Salvador, a riqueza inigualável de Pernambuco.

Hoje em dia, as majors vivem de seus catálogos disponibilzados no Youtube e sites de streamings.

Até alguns anos atrás, a boa imagem do Brasil – consolidada nos períodos FHC, Lula e início de governo Dilma – permitia que o histórico musical alavancasse outros artistas. Gradativamente, a imagem da música brasileira foi perdendo brilho, à medida em que o lado selvagem do Brasil aparecia no impeachment de Dilma, no interregno Temer até desembocar no pavoroso cenário Bolsonaro. Hoje em dia, há pouco espaço para a música brasileira no exterior.

Para muitos artistas, o novo modelo dependerá da capacidade das novas empresas de streaming montarem seus próprios casts, a exemplo da Netflix, Amazon e outros. E, no caso do Brasil, a melhoria da imagem para abrir caminho, novamente, para a disseminação daquela que, ainda hoje, é a melhor música do planeta.

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Muito suspeito alguém dizer que a internet e “novas tecnologias”(tsk) ajudaram em alguma coisa a produção musical e a criatividade. Queria que este digníssimo autor do artigo citasse pelo um (somente um) artista musical que alcançou sucesso através de redes sociais e sites de streaming. No Brasil não existe um caso sequer e agora este articulista vem dizer a música brasileira “dependerá da capacidade das novas empresas de streaming montarem seus próprios casts”.
    Estas empresas NUNCA MONTARAM “casts” de artistas, não promovem ninguém que não pague altos jabás, e atacam e menosprezam tudo que não faça parte da cultura anglo saxonica. Quanta asneira falam as pessoas que não vivem da arte!

    1. “…Amazon, Netflix e outros…” Ontem, neste mesmo Veículo, o ocaso do Jornalismo Brasileiro. Culpa de Facebook e Google. A Elite de uma Nação submissa e subordinada a interesses de Empresas Privadas NorteAmericanas. O mais inacreditável. Uma Elite que diz não ter enxergado que levava esta Nação ao abismo. Um ‘Novo Abismo’ que nem existia até os anos de 1990 e esplendor de uma tal Redemocracia. Cada país tem a Elite que merece !!!! 90 anos de NecroPolítica da Indústria do Fatalismo, do Coitadismo, da Pobreza, da Seca, da Burocracia, da Bandidolatria,…9 décadas neste caminho poderia ter dado em outro destino? Já viu laranja cair de abacateiro? Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  2. Eu acho que depender de grandes provedores de streaming é querer voltar ao modelo anterior com o agravante de que agora o processo executivo de “escolha dos melhores hits” será mundialmente centralizado, o que é um problema para as regiões de periferia e sua “música nativa” . Os algoritmos que indicam as músicas parecem se importar apenas com a maximização das visualizações/audições e não exatamente com o possível gosto do espectador. Acho que uma boa saída seria apostar numa verdadeira decentralização dos servidores com pequenos distribuidores, talvez até por selo(cada um poderia ter seu servidor de streaming), e utilização de protocolos abertos de transmissão para não ficarmos escravos dos grandes players. Poderíamos pagar pelos serviços de “fornecimento de música” e utilizar o app(bastaria um) que mais nos agradasse, poderíamos assinar o serviço de um grande provedor e/ou de pequenos selos de distribuição.

  3. Só com políticas públicas bem desenhadas que a MPB poderá ressurgir. Se depender do mercado, dominado pelas majors, agora atravessado pelas gigantes do streaming, não há esperança. A bossa nova e a MPB dos festivais emergiram em contextos históricos bem demarcados. O talento inovador da nossa música está ao nosso redor, mas poucos tem acesso e conhecem a sua existência. Depende de investimentos e produtores antenados, o que não temos mais. Só uma política pública bem orientada poderia mudar esse quadro.

  4. É importante lembrar, uma pena o artigo nao o fazer (achei-o pouco generoso com a música “em si”), que a música brasileira passa por um período de grande criatividade. Artistas como Metá Metá, Macaco Bong, Onça Combo, Linn da Quebrada, Juçara Marçal, Carne Doce, MC Carol, Boogarins, Negro Léo, Curumim, Rincón Sapiência, Passo Torto, Anelis Assumpção, Russo Passapusso e longo etc. devem pouco para a geraçao da Bossa Nova e a do Chico e Caetano. Cavaram pelo Youtube por outras mídias um público mediano (que pode ser chamado de bolha)… como sobreviverão de agora em diante é difícil saber, mas é preciso reconhecer que essa geracao da década de 2010 é a maior desde a Tropicália, superior por diversidade inclusive aos mais concisos Mangue Beat e a primeira geracao do rap.

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