Xadrez das dúvidas em relação às vacinas do Butantan, por Luis Nassif

Qual a saída? Simples. O Instituto Butantan não colocar mais em risco sua credibilidade, prestando-se às jogadas de marketing de João Dória Jr.

Fato 1 – a importância das estatísticas

Estatísticas corretas são fundamentais para qualquer planejamento, especialmente em períodos de guerra, como o momento atual. 

Se a previsão for de um período mais longo de pandemia, haverá maior pressão para ampliar a renda emergencial, o apoio a pequenas e micro empresas, as políticas econômicas defensivas. Não se desmancharão os hospitais de campanha e haverá um planejamento com sentido de urgência para conseguir insumos básicos.

Pelo contrário, uma subestimação da doença poderá deixar o país desarmado, como ocorreu da primeira para a segunda onda, relaxando o uso de máscaras, os cuidados em público. O Ministro da Economia terá argumentos para cortar recursos para a saúde e para a renda básica.

Daí a importância das informações científicas exatas.

A grande questão do momento é a seguinte.

Aqui e no resto do mundo, houve a primeira onda da pandemia. Ela foi enfrentada com o aparecimento rápido de vacinas.

Na sequência surgiram outras cepas, de disseminação mais rápida e mais mortal que a Covid-19 inicial, gerando uma segunda onda e, agora, uma terceira onda em muitos países.

Há dúvidas sobre a eficácia das vacinas sobre as novas cepas. E uma montanha de informações desencontradas, com riscos óbvios para o planejamento.

A grande indagação, portanto, é sobre as novas cepas, sobre os riscos de terceira onda e os cenários pela frente, para a normalização da vida.

Por isso tudo, a melhor estratégia a ser adotada é aquela baseada em informações científicas e transparentes. Mesmo que a verdade seja dura, ela ajuda a preparar os espíritos para enfrentar os problemas.

Fato 2 – montando o quebra cabeças

A luz amarela sobre a Coronavac foi levantada pelo microbiologista Fernando Reinach, em artigo no Estadão. Nele, lança dúvidas sobre as razões do Butantan em dispersar esforços com uma nova vacina. Segundo ele, a explicação mais óbvia seria a desconfiança em relação à a eficácia da Coronavac em relação às novas cepas do Covid-19. 

Vamos montar nossa quebra-cabeças em cima das características atuais da guerra contra a pandemia.

Peça A – A convicção clara de que a única forma de vencer a pandemia é a vacina.

Peça B  – A constatação científica de que, antes que a pandemia seja definitivamente vencida, há que se adotar o isolamento parcial ou total para impedir a lotação dos hospitais. E o lockdown impõe desgaste político a quem adota.

Peça C – A informação de que a maior parte das novas infecções provem das novas cepas desenvolvidas. Por isso, já se fala em terceira onda na Europa.

Peça D –  Dúvidas consistentes sobre a eficácia das atuais vacinas em relação às novas cepas.

Peça E – Uma enorme disputa política entre Jair Bolsonaro e João Dória Jr para ver o campeão que devolverá o país à normalidade.

Peça F – O negacionismo contra as vacinas,  estimulado por Bolsonaro. E a guerra santa em favor das vacinas, para enfrentar o negacionismo de Bolsonaro.

Peça G – os interesses econômicos envolvidos nessa disputa.

Fato 3 – a verdade científica e as jogadas políticas

A partir desses peças, há um conjunto de variantes que dificulta a análise racional da pandemia.

Variante 1 – o marketing político envolvido

Tanto Bolsonaro quanto Dória apostam tudo no marketing da Covid, e na normalização da economia.  É a Peça E do nosso quebra cabeça.  Bolsonaro faz a aposta furada no tal tratamento alternativo, Dória nas vacinas do Butantan.  Cada morte a mais desgasta Bolsonaro; cada dia a mais de lockdown, desgasta Dória. É a Peça B.

Abandonado até o início da pandemia por sucessivos governos de Estado, o Instituto Butantan tornou-se uma das cidadelas da guerra contra o Covid. E, por isso mesmo, sujeito a manobras de marketing do governador Dória. 

Dois episódios recentes expuseram essa vulnerabilidade do Butantan, devido à subordinação da direção ao marketing de Dória. Um, a tentativa de apresentar resultados parciais da Coronavac para uma campanha acerca de supostos 100% de eficácia da vacina. O segundo, o anúncio da vacina totalmente desenvolvida no Brasil, escondendo que o desenvolvimento científico foi feito em um hospital de Nova York.

Em ambos os casos, omitiram-se desnecessariamente fatos. A eficácia da Coronavac é de 50,38%, considerada boa. E a parceria com consórcios internacionais é comum para o desenvolvimento de vacinas. 

Ainda assim, essa tentativa canhestra de edulcorar os resultados lançou uma sombra de dúvidas sobre a subordinação do Instituto ao marketing de João Dória Jr. Enfraquece a Peça A.

Variante 2 – a polarização política do isolamento.

A guerra contra o terraplanismo de Bolsonaro, e a necessidade de alimentar esperanças, torna difícil qualquer movimento que coloque em dúvida as vacinas, mesmo que fundado em dúvidas emanadas da comunidade científica. O que torna a discussão mais penosa. É nossa Peça F.

Variante 3 – os interesses econômicos.

Desde o início, Reinach revelou-se um crítico do Instituto Butantan, com demonstrações claras de ligação de amizade com um empresário baiano que trabalha no desenvolvimento de outra parceria de vacina. Disputas econômicas explicam, também, ataques de especialistas americanos contra a Astra Zeneca. É a Peça G.

Variante 4 – as informações desencontradas.

Está em andamento uma terceira onda na Europa, reforçando as suspeitas sobre a eficácia das vacinas em combater as novas cepas. E muita informação desencontrada sobre a maior ou menor eficácia das vacinas em relação às novas cepas. É a Peça C.

Fato 4 – como deslindar o nó

Chega-se, então, ao impasse. Se a Coronavac for eficaz contra as novas cepas, os alertas servirão apenas para lançar dúvidas infundadas, fortalecendo o terraplanismo.

Por outro lado, se não for eficaz, significa que poderá vir uma terceira onda pela frente, também fortalecendo o terraplanismo. Nesse caso, a não divulgação de informações corretas atrasará as novas estratégias, exporá pessoas, especialmente as vacinadas, às novas cepas

Qual a saída?

Simples. 

1. O Instituto Butantan não colocar mais em risco sua credibilidade, prestando-se  às jogadas de marketing de João Dória Jr.

2. Retomar o discurso científico, colocando claramente as cartas na mesa, inclusive apontando eventuais vulnerabilidades da vacina.

3. Trazer os resultados das pesquisas feitas em cidade do interior, sem esconder informações.

Em suma, voltando a ser um referencial de verdade científica, ao lado da Fiocruz.

Luis Nassif

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