Com a crise do arroz, Guedes é a versão da anti-vacina da economia

Só em relação ao comércio exterior, houve uma redução de 575 mil toneladas de arroz de janeiro a agosto de 2020 -

Para entender a crise do arroz devem ser somados dois interesses que, juntos, criam um desastre.

O primeiro, o fiscalismo desvairado da política econômica desde o governo Temer, ampliada pelo governo Bolsonaro, que praticamente acabou com a política de estoques reguladores; O segundo, os interesses do agronegócios, parceiro de ambos os governos, e contra qualquer forma de regulação de preços.

Foram engolfados pela burrice coletiva que tomou conta da política econômica desde Joaquim Levy.

Políticas de abastecimento não são intervenções socialistas, anti mercadistas ou quetais. Usam-se estoques reguladores em dois sentidos. Quando as cotações do produtos estão muito baixas, compram-se estoques dos agricultores para sustentar os preços e impedir uma crise no setor. Quando as cotações começam a se elevar, vendem-se os estoques para segurar o preço.

Simples assim. Os estoques são fundamentais para impedir crises de abastecimento e para quebrar expectativas inflacionárias.

De um lado, devido ao compromisso que cada governo tem que ter com seus cidadãos. De outro, pelos impactos da alta de alimentos na inflação e, por rebote, na política monetária e nas próprias expectativas econômicas.

Mas desde Temer, a lógica de Henrique Meirelles e, agora, de Paulo Guedes, é comer da mão para a boca. Não são capazes de entender o mundo real, os sistemas de preços, as correlações econômicas. Se não tem incêndio no momento, para que gastar com bombeiros? Ambos são de um terraplanismo ideológico atroz. Não usam o conhecimento econômico de especialistas para resolver problemas, que sempre vão se acumulando resultando, desde 2015, em frustração do crescimento, aumento do desemprego e, agora, crise de abastecimento.

Confira os números.

  1. A safra de 2019/2020 foi de 10,7 milhões de tonelada, contra 10,4 milhões do ano anterior – portanto um aumento de 300 mil toneladas.
  2. Só em relação ao comércio exterior, houve uma redução de 575 mil toneladas de arroz de janeiro a agosto de 2020 – 182.008,04 toneladas devido ao aumento das exportações de arroz sem casca, 306.564,68 de aumento das exportações de arroz com casca; 77.460,39 toneladas de redução das importações de arroz sem casca e 9.366,02 toneladas de importações de arroz com casca.

A oferta interna, então, experimentou uma redução de 275 mil toneladas.

  1. Por outro lado, o financismo desvairado de Guedes reduziu substancialmente os estoques de arroz da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a empresa pública incumbida de administrar os estoques reguladores. No período Levy-Meirelles-Guedes houve uma queda vertiginosa na média mensal de estoques de arroz mantidos pela Conab, conforme mostrei ontem.

Aí vem o efeito renda básica. O gráfico abaixo foi produzido pelo Departamento Econômico do Banco Fator.

A curva cinza mostra a renda das famílias sem as transferências do programa emergencial (IBGE), enquanto a laranja as inclui (BCB). A curva preta é a venda dos supermercados. Tudo na variação interanual. O que ocorreu entre abril e julho mostra que a renda extra das famílias foi gasta em parte nos supermercados. Em fevereiro e março, com a renda caindo, as compras aumentaram por cautela.

Aliás, o fato da maior parte da renda básica se destinar a alimentos é um capítulo clamoroso da vergonhosa miséria nacional. Em qualquer país civilizado acenderia um enorme sinal amarelo, que jogaria para segundo plano os dogmas da Lei do Teto e do temor supersticioso de utilizar ferramentas clássicas de governo, tão supersticiosa quanto a campanha contra a vacina.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. Em país com uma elite minimamente decente, a questão elementar é a preocupação número 1, 2 e 3. A elite chinesa é guiada por esse mantra todo o dia = como manter a alimentação diária de 1,4 de pessoas. E por um motivo simples: quase todas os grandes abalos políticos tem na origem o aumento e-ou falta de alimento pra população. O ronco da barriga não é aplacada com arminha, armona, piada escrota, ameaça, palhaçadas, etc. A elite chinesa deve estar rindo por dentro = enquanto os boçais daqui pensavam que a retaliação chinesa às escrotices ditas sobre o povo chinês viria na forma de comprar menos produtos do país, ela se deu ao contrário= estão fazendo a rapa.

  2. Chineses sabem muito bem que na saída de qualquer moinho do mercado só podemos colher o que foi colocado para moer…
    no Brasil colocam arroz e esperam colher dinheiro
    na China colocam arroz e esperam colher alimento

    Preparem-se para vermos nossos pobres entrarem numa fase de subnutrição mórbida que os bolsonaristas desumanos vão considerar novamente como sendo apenas “passar mal por não comer bem” (visão fascista ou ignorante da fome), porque seguirão especulando com o que tiraram da boca do povo. E vão tirar muito mais. Votem neles novamente e confirmem.

  3. “Oportunidade” na crise, por Monica de Bolle, em 10.09.2020:

    Minuto 12:45 – “…então a alta no preço dos alimentos está ocorrendo no mundo inteiro, além disso há outros problemas, porque certos países estão restringindo a exportação de alimentos , as compras externas de alimentos estão indo para aqueles países que não estão restringindo a venda externa, as exportações, o Brasil é um país que não está restringindo as exportações. O Brasil deveria restringir as exportações? EU ACHO QUE NÃO, COM TODA SINCERIDADE, podem me atacar se quiserem POR EU ACHAR QUE NÃO, mas EU ACHO QUE NÃO, é uma RECEITA IMPORTANTE PRO PAÍS ESSA.”

    https://www.youtube.com/watch?v=TzqfXNDeIOk

    1. Problema principal é que o Brasil não está guardando, ou estocando, o que dá lucro…
      não sei como andam as relações comerciais e as regras de hoje em dia, mas antigamente era muito comum se guardar o café, por exemplo, quanto o preço internacional não era atrativo.

      nada a ver com estoque regulador, mas, quando os preços no exterior não melhoravam e o dinheiro começava a diminuir ou faltar para quem guardou, ele eram obrigado a descarregar no mercado interno

      faça com que aconteça com todos os produtores e poderemos ficar com o que aconteceu recentemente com o frango, cujo preço interno despencou de 4 para 1 real

      Nem sei se o segredo do bom negócio é esse mesmo, pois não sou da área, mas sei que é recomendável não se exportar hoje o que amanhã poderá faltar para o povo. Ficar rico e se alimentar bem sozinho, é coisa de país que não tem futuro. Cheios de grana, mas em plena decadência de merda ou terceiro-mundista

      1. Peregrino,

        A expressão “oportunidade” na crise é minha, foi para sinalizar ironia diante do descalabro e abominação que é exportar arroz numa baita crise mundial porque “é uma receita importante”. É o fim da picada, grandes produtores trancam suas exportações visando proteger o mercado interno e o Brasil priorizando a “receita importante”. Abominável.

  4. ” (…) O que ocorreu entre abril e julho mostra que a renda extra das famílias foi gasta em parte nos supermercados. Em fevereiro e março, com a renda caindo, as compras aumentaram por cautela.”

    Fonte:
    Revista Piauí – Podcast Foro de Teresina, episódio de 04.09.2020
    https://www.youtube.com/watch?v=MDyVqVu7mhM&t=2144s

    Minuto 27:20 – 67 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial de R$ 600,00 durante 4 meses, quase 50% da população adulta;
    Minuto 36:30 – “…Para dar uma dimensão do que foi esse auxílio emergencial, arredondando, praticamente 4 ANOS DE BOLSA FAMÍLIA, em termos de valores (…) imagina vc pegar 4 anos de BF e condensar em 4 meses…”

  5. Aos acreditadores, contra fato não há argumentos! O preço já está a R$ 22,00, R$ 30,00 ou R$ 40,00. E ainda ficam criticando gráficos e que a exportação deve continuar, claro, para beneficiar o AGROPOP. Como se não bastasse a enfiada de mais de CEM BILHÕES com a securitização feita em passado próximo.

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