Como financiamos os super-ricos brasileiros, por André Forastieri

Do blog do André Forastieri, no R7

Conheça os super-ricos brasileiros – e saiba como você financia a fortuna deles (Como diminuir a desigualdade, parte 1)

Os ricos do Brasil são muito mais ricos do que você imagina. São super-ricos. E ficam mais e mais ricos a cada dia que passa. Existem duas razões principais para isso. Os impostos da classe média e dos pobres vão para o bolso dos ricos. E os ricos pagam menos imposto que a classe média e os pobres.

Só agora a gente está entendendo quem são os super-ricos do Brasil. A análise tradicional, feita com as pesquisas do IBGE, não dão conta da realidade. Um novo estudo realizado pelos economistas Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), chega mais perto. Eles  analisaram os dados das declarações de imposto de renda das pessoas físicas. As conclusões são chocantes.

Segundo o IBGE, a renda média do 1% mais rico do país foi de R$ 214 mil em 2012. Mas segundo o estudo do IPEA, a renda anual do 1% mais rico é aproximadamente R$ 575 mil. Explicação: o IBGE não capta toda a renda das pessoas mais ricas, que tem muitas rendas provenientes do capital (como aplicações financeiras, aluguéis, lucros e dividendos).

R$ 575 mil já é uma boa grana: mais de R$ 40 mil por mês. Mas esses 1% ainda não são a elite. Os super-ricos do Brasil ganham acima de 160 salários mínimos por mês. São 0,05% da população economicamente ativa.

Os super-ricos brasileiros possuem um patrimônio de R$ 1,2 trilhão. Isso é 22,7% de toda a riqueza declarada por todos os contribuintes do Brasil. Essas 71.440 pessoas têm renda anual média de R$ 4.17 milhões, uns R$ 350 mil por mês. Tiveram em 2013, ano analisado pela pesquisa, um rendimento conjunto de R$ 298 bilhões.

E em 2015? Não sabemos, mas é seguro dizer que estão bem mais ricos que em 2015. Quem tem muito capital investe e recebe rendimentos financeiros enormes. Os juros no Brasil são sempre muito altos, mas agora estão estratosféricos. Trabalhar não tem nada a ver com a fortuna crescente dessa turma. Neste nível de renda, trabalha quem quer, não porque precisa.

Qual o negócio mais lucrativo e seguro do Brasil? Emprestar dinheiro para o governo. No Brasil, como na maioria dos países, as contas públicas não fecham no final do ano. Se você tem muita grana, não precisa de criatividade para enriquecer mais e mais. Basta comprar títulos públicos do governo, que paga juros altíssimos para financiar sua dívida. E de onde vem esse dinheiro para pagar os juros? Do Tesouro Nacional, dos impostos que todos os brasileiros pagam.

Mas alguns pagam mais que outros. O detalhe mais cruel sobre a desigualdade brasileira está aí. Os super-ricos brasileiros, esses que ganham mais de 160 salários mínimos por mês, pagam só 6,51% de sua renda de imposto de renda. Você leu certo. Um assalariado que ganhe R$ 5 mil por mês paga 27,5% de imposto de renda. A elite paga 6,51%, como demonstra o estudo do IPEA.

Como isso é possível? É que 65,8% da renda total desses super-ricos são rendimentos considerados isentos e não-tributáveis pela legislação brasileira. É o caso dos dividendos e lucros. Na prática, o imposto de renda aqui só é progressivo do pobre até a classe média, que é justamente a fatia da população que mais paga imposto de renda. É uma receita perfeita para aumentar cada vez mais a desigualdade social no Brasil. É garantia de injustiça, ignorância, violência. E até de atraso em outros campos. Se fala muito que o Brasil tem pouca inovação tecnológica, mas quem vai arriscar capital investindo em inovação, se você pode faturar com juros altos e não pagar quase nada de imposto?

Essa bizarria cruel é criação brasileira. Todos os países decentes, sejam ricos ou emergentes, tributam todos os rendimentos das pessoas físicas. Não interessa se a renda do salário, de aluguel ou de dividendos. É o justo. É o mais eficiente para o bom funcionamento dos países.

O estudo do IPEA não captura com precisão absoluta a pirâmidade social brasileira. Não dá conta de dinheiro escamoteado, de caixa 2 ou remessas enviadas ao exterior. Mas já dá uma noção do tamanho do escândalo. Agora, como é focado no Imposto de Renda, não leva em consideração outra grande injustiça do nosso sistema tributário, que são os impostos indiretos.

Os super-ricos pagam o mesmo imposto sobre produtos que você, eu ou a vovó que recebe Bolsa Família. Pagam o mesmo imposto pelo arroz, o café, o remédio, o fogão. Isso significa que proporcionalmente o pobre paga muito mais imposto a classe média. E infinitamente mais que a elite.

Os super-ricos não são os vilões dessa história. As regras estão aí para beneficiá-los. Não é ilegal. Certamente há na elite gente que topa abrir mão de suas vantagens, em benefício de quem mais precisa… Mas, como era de se esperar, existem super-ricos que atuam diretamente para que esse estado de coisas continue exatamente assim: juros altíssimos e taxação mínima. Basta isso para os donos do capital ficarem mais e mais ricos a cada ano que passa, sem trabalho, sem esforço, sem contribuir para o país.

Os super-ricos têm muito poder. Influenciam muito no debate político e econômico. Abundam na imprensa argumentos a favor de que as coisas se mantenham como são. E são super-ricos os financiadores das campanhas da maioria dos políticos, claro.

A recessão radicaliza a injustiça. Penaliza o trabalhador e o empreendedor, o importador e o exportador, o estudante e o aposentado. Esta recessão não veio do espaço sideral. Foram tomadas decisões erradas no passado? Claro, muitas, desde 1500. Mas não dá para mudar o passado. O futuro felizmente está ao nosso alcance.

Esse ano e os próximos serão muito difíceis. O cenário internacional é hostil. O cobertor está curto. É imoral e improdutivo continuar enriquecendo 0,5% com o dinheiro dos impostos dos 99,5%. Enfrentar os privilégios dos super-ricos é a pauta política e econômica fundamental de 2015 e dos próximos anos. O resto é resto.

Redação

16 Comentários

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  1. Muito  bacana a análise e

    Muito  bacana a análise e fico feliz que o Forastieri fale sobre o assunto.

    Apenas podia evitar o cpmplexo de vira-lata em um ponto: Nos países ricos, Europa incluída, também se usam estratégias para evitar pagar os impostos devidos. É incorreto dizer que os países decentes tributam todos os rendimentos das pessoas físicas. Nos EUA e na inglateraa essa discussão é recorrente. Acredito que nem na Suécia seja verdade absoluta.

     

    Mas, como  disse, é uma boa discussão. Claro que ela nunca vai chegar ao inconsciente coletivo da classe média, refém do jogo ideológico desses mesmos super-ricos.

     

  2. Quando Dilma reduziu os juros

    Quando Dilma reduziu os juros descobriu-se que parte de nossa INDÚSTRIA E COMÉRCIO  TINHAM NO JUROS parte de seus lucros!

    Então não é somente o setor financeiro que esta lucrando mais, nem só de produção vive nossas industrias e empresas ficam mais confortáveis no aconchego dos juros!

    Dai vieram os paneleiros que querem mais juros na panela…

    E os mais pobres devolvem os bolsa família com juros e correção monetária para os mais ricos!

    Estamos LONGE de podermos fazer uma reforma econômica de VERDADE!

    1. É isso.

      É isso.

      É isso que dá coesão e torna difícil distinguir o tal “setor produtivo” do “improdutivo”. É isso que faz os setores não financeiros serem tão dóceis com essa maluquice de juros. Mesmo as empresas não financeiras têm boa parte dos seus ativos na forma financeira. Até elas reclamam quando os juros caem. Chegam, inclusive, a aumentar os preços por causa disso: porque a receita financeira diminuiu. O resto é “manuel” de economia.

      Estamos há quarenta anos trabalhando pra pagar juros. Metade dos Orçamentos da União todo ano é destinada pra isso.

      … E as crianças grandes achando que os serviços públicos não são melhores por causa da corrupção…. “Ui, ui, ui, meus impóóóstos…”

      Tããão “conscientes”… Tããão chiques….

      São os pilares da nova república que estão com seus vergalhões expostos a céu aberto.

      … E esses “cavalheiros” do PT perdendo a comunicação por W. O…..

    2. Veja o Ricardo Eletro

      Não se o Ricardo da Ricardo Eletro está nesta lista dos super ricos mas o exemplo dele ( assim como Casa Bahia e outras grandes lojas varejistas) dá ideia de como é a coisa. As pessoas pensam que a Ricardo Eletro vende eletro-domésticos. Mas é um engano. Na verdade todas as grandes lojas varejistas que vendem a prazo para classe baixa e média estão vendendo planos de financiamento a juros extorsivos!! O eletro-doméstico é somente a garantia do pagamento que, caso não seja feito rigorosamente, pode ser resgatado pela loja, mesmo que ela já tenha recebido até o momento mais do que o valor do eletro-doméstico. Essa é só uma das formas de manter a riqueza e o ócio dos super-ricos.

  3. Um tal de Nalini,

    Um tal de Nalini, desembargador, ganhou quase 100 mil reais em um mês – soma de vários penduricalhos. O presidente Obama ganha 400 mil dólares ano. Dá uns 120 mil reis por mês. Um presidente de Tj de SP quase ganhou em junho o que o homem mais poderoso do mundo ganha. E isso não é um caso isolado. É o padrão da casta da mafiocracia que vive no topo – enquanto o grosso do funcionalismo público (professor e médico em regiões periféricas ) ganha mal. Não há país que possa ficar decente com uma aberração desta. 

  4. O pobrema é que no Brasil,

    O pobrema é que no Brasil, quando se fala de taxar as grandes fortunas, querem fazer alíquotas progressivas começando em 100 mil reais de patrimônio, e isso não é nem fortuna, e muito menos grande.

    Mas o governo Dilma quer taxar essa classe privilegiada de 70 mil brasileiros em 0,38%.

     

  5. Excelente artigo.
    A resolução

    Excelente artigo.

    A resolução do problema fiscal passa (ou deveria passar) necessariamente pela questão da remuneração do capital pelos títulos públicos e a sua taxação. É inconcebível que a renda oriunda do capital tenha tratamento diferenciado da renda proveniente do trabalho. Afinal renda é renda, venha de onde vier.  E lamentavelmente voltamos à discussão (pequena) sobre o aumento ou (re)criação de tributos. É dose pra leão.

  6. O(s) causador(es) da crise

    Quem cria a crise é o rico. Quem faz o mundo parar é o rico. E isto por diversos motivos, mas sempre visando manter seus benefícios, sem se importar com o que acontece com o resto das pessoas. É a tal nova ordem mundial.

  7. Riqueza e produção

    Não tem nada de mais em existirem pessoas super ricas. O problema é a riqueza improdutiva. Aquela que não gera empregos nem nada. Como muitos ricos tem centenas de imoveis parados “esperando valorizar” enquanto que muitos não tem imoveis e desejam comprar um para montar sua empresa.

    Acho que o que resolveria isto seria o imposto por herança, com isenção total para  empresas que geram empregos. Aí ou o dinheiro estaria gerando empregos ou seria tributado na hora de passar de pai para filho.

  8. Acabei de ler no UOL que o
    Acabei de ler no UOL que o Paulo Lemann ganha 3,86 milhões de reais POR HORA!!!
    Enriqueceu 33 bilhões em 12 meses!
    Com imposto baixo quem não enriquece assim. Não é justo.

  9. Em tempos de aumentos de

    Em tempos de aumentos de impostos para continuarmos bancando o governo, a sociedade com o apoio da imprensa deveria começar a pressionar pela regulamentação do IGF. O Imposto sobre Grandes Fortunas é previsto na Constituição Federal mas até hoje os afortunados que nos governam não tiveram interesse em regulamentá-lo, afinal, atingiria exatamente a eles mesmos e seus amigos grandes empresários. Continuam empurrando a conta para os menos favorecidos.

  10. Parece que o livro Manual do

    Parece que o livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano ainda é atual. João é pobre porque Pedro é rico.

    O texto inverte causa e efeito.

    A causa: o governo gasta mais que arrecada.

    Efeito: pela necessidade de cobrir os deficits o governo capta recursos da poupança privada.

    O texto culpa o efeito como causa da desigualdade.

    Juros representam a preferência temporal do consumo, ou seja o nivel de poupança interna determina a remuneração destes recursos, o governo é um gande consumidor e a sua preferência temporal é a eleição..

     

     

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