Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
[email protected]

Déficit público brasileiro não acaba com a reforma da Previdência, por André Araujo

Ao mesmo tempo que custa 40% do PIB, o Estado brasileiro não oferece razoáveis serviços aos cidadãos e muito menos uma perspectiva de inclusão social

Déficit público brasileiro não acaba com a reforma da Previdência – Há duas saídas, inflação ou direitos adquiridos

Por André Araujo

O déficit público estrutural do Estado brasileiro nasce com o Plano Real. Ao estabilizar a moeda, o Plano extinguiu o instrumento que zerava o déficit público e manteve, no seu patamar mais alto, a folha do funcionalismo. Especialmente nos níveis mais elevados. A inflação ‘aguava’ a folha, o salário começava o ano em 100 e terminava o ano em 40, fazendo uma média que diluía o valor real da folha da ativa e dos inativos.

O Plano Real acabou com essa saída e com isso construiu a base de um déficit público permanente, porque os salários do alto funcionalismo brasileiro se tornaram os mais caros do mundo. 

Sem o mecanismo da inflação para pagar a conta, o Estado brasileiro procurou outra saída para o financiamento do seu déficit, a dívida pública, que não para de crescer tanto para pagar o déficit primário das despesas que continuam a superar a receita e pelo acúmulo dos próprios juros da dívida antiga.

O déficit estrutural federal primário vem se mantendo entre R$ 150 e 180 bilhões, a esse valor se agregam juros anuais hoje em torno de R$ 360 bilhões.

Há outras caixas-pretas de déficit que se jogam no Tesouro, como o custo dos swaps cambiais do Banco Central. Só em 2015 foram R$ 204 bilhões.

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA, que sairá do Congresso, vai cortar muito pouco do déficit primário atual, apenas aponta para uma redução futura insuficiente.

O déficit primário atual continuará em torno de R$ 150 a R$ 180 bilhões. Uma receita de privatizações super otimista de R$ 70 bilhões para 2019 mal pagará metade do déficit primário de um ano. A conta de juros continua intacta e agrega R$ 360 bilhões anuais, mas aumenta a todo ano pelos juros compostos, na hipótese mais otimista a uma dívida pública em títulos já de R$ 5,7 trilhões hoje.

Há ainda outros passivos do Estado federal, como condenações em ações judiciais que estima-se em R$ 850 bilhões, mais garantias dadas a outros entes públicos, mais R$ 200 bilhões.

A chamada REFORMA DA PREVIDÊNCIA é um pequeno refresco numa situação de déficit estrutural dentro de padrões convencionais de política econômica no ambiente dos cânones de mercado curtoprazista, a solução tem que ser extraordinária.

Há duas saídas potenciais. Pela inflação, o governo emite dinheiro para pagar o déficit e abandona a camisa de força da ‘meta de inflação’, que é a causa básica de uma economia que não cresce há cinco anos ou corta direitos adquiridos em aposentadorias, pensões e empregos públicos.

Um exemplo são CÂMARAS DE VEREADORES E ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS, que podem funcionar com um orçamento 90% menor. A Câmara dos Vereadores de São Paulo, só ela, custa R$ 700 milhões por ano e mais o Tribunal de Contas custa R$ 600 milhões por ano. Em 2017, a verba para manutenção de pontes e viadutos em São Paulo foi de R$ 5 milhões que, todavia, não foi gasta, a verba para novas creches foi de R$ 70 milhões, que tampouco foram gastos.

No Rio de Janeiro, todo o sistema de saúde, hospitais e ambulatórios, estão em colapso por falta de recursos. No entanto, a Alerj e a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro gastam dinheiro público sem atraso que pagariam duas ou três vezes tudo o que falta no sistema de saúde. Só a Câmara de Vereadores tem 400 aposentados com altos salários. Câmaras de Vereadores em cidades pequenas pagam salários de executivos para vereadores, quando, por séculos, servir à Câmara era uma honra e não se pagava salário algum a vereadores.

Não só salário, um Vereador em São Paulo tem direito a 30 assessores e foi aprovado projeto para elevar o número a 50 assessores por Vereador, além do que que contam com carro e motorista pagos com dinheiro público, em São Paulo e demais capitais do País, algo que não existe em nenhum País do planeta. O desperdício se reproduz por todos os Poderes e regiões do País.

A derrogação de direitos adquiridos é outra porta de saída para o déficit público, mas não para o futuro, é corte no presente.

A MÍDIA E SUA MÁ INFORMAÇÃO

Na grande imprensa escrita e eletrônica não há um contraponto à crença de que a solução do déficit público está na REFORMA DA PREVIDÊNCIA.

Os comentaristas aceitam esse ‘mantra’, que é irreal, e vendem ao público que um problema financeiro muito maior tem uma solução tópica, quando o problema estrutural só tem solução estrutural, é um problema macro superior a um item de despesa, não se cura câncer com aspirina.

O Estado brasileiro custa, com a despesa da dívida pública, 40% do PIB. Nos EUA é 22% do PIB. Na maioria dos países o custo do Estado fica entre 20 e 25% do PIB. O Brasil tem um problema estrutural muito mais grave do que um problema de Previdência. Ao mesmo tempo que custa 40% do PIB, o Estado brasileiro não oferece razoáveis serviços aos cidadãos e muito menos uma perspectiva de inclusão social aos mais pobres, que são 85% da população.

Um quadro dessa dimensão exige uma outra perspectiva de solução. A consciência do problema é o caminho da solução.

A SOLUÇÃO

Não há solução fácil para o déficit público em nenhum País. É talvez o maior problema político de todos os Estados, abstraindo as guerras.

A solução exige um governo com uma força excepcional, que nem está à vista. Mas é um problema que existe, não adianta colocar a cabeça na areia.

 

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A concentração de renda se dá em todas as esferas, federal, estadual, municipal, executivo, legislativo, sistema financeiro, rentistas e por aí vai. André aponta o foco da grande mídia exclusivamente na reforma da previdência, mas deve acrescentar que se trata de interesse do sistema financeiro. Reforma da previdência é necessária, mas não em cima da classe trabalhadora. Outra questão não mencionada é a espoliação praticada pelos bancos, sugando o sangue de quem produz e trabalha. Desse jeito, o sistema comportará, talvez, 30 milhões de pessoas; os outros 180 milhões serão enquadrados pela “lei anticrime”

  2. Excelente artigo do André Araújo, tomara que seja lido por alguns deputados e ministros do novo governo. O que o Brasil gasta com seus políticos é uma coisa impressionante, acho que merece uma profunda reforma a começar pelas câmaras de vereadores dos municípios. Em cidades com população inferior a 50.000 habitantes os vereadores só deveriam receber uma ajuda de custos, digamos de um salário mínimo para custear o combustível que esses edis usam para se locomover e fazer contatos com os eleitores. A partir desse início a reforma deveria se estender para a câmara de deputados estadual e federal, reduzindo os salários, ganhos indiretos e assessores. Mas será que nossos congressistas votariam a favor dessas reformas?

  3. O artigo considera o custo do estado brasileiro como 40% do PIB. A carga tributária atual é de 32% e nela está incluída justamente a previdência. Isso significa que de 20% a 25% desses 32% são contribuições previdenciárias pagas saída dos bolsos das novas gerações num mês e que entram no bolso dos aposentados no próprio mês, portanto são recursos para que a população custeie a si mesma. Esses recursos não vão para prestação de serviços públicos ou para investimentos. Isso significa que o Brasil tem os cerca de 25% do PIB para sustentar o gasto público, que foi o patamar que o artigo apontou como razoável para a tributação/gasto público.

    1. Exatamente. Rigorosamente, despesas com previdência não são gastos do governo. São transferências; o governo é apenas um intermediário entre duas parcelas da população. Quando há deficit, o governo o cobre com recursos oriundos de impostos, aumento de dívida, etc. Nem por isso deixam de ser transferências, mas poderíamos dizer que o deficit representa um custo de oportunidade, visto que os impostos em princípio deveriam ser utilizados para outros fins (gastos do governo, etc.). Ou seja, o “sacrifício” pode, no máximo, corresponder ao deficit (se ele existir) e não ao total da despesa com previdência. Usei aspas porque não acho que seja sacrifício algum, é uma decisão que deve ser tomada pela sociedade democraticamente organizada e não por economistas neoliberais.
      Infelizmente, mesmo no campo democrático comprou-se a ideia de que o governo gasta muito com a previdência.

    2. Agradeço o comentario mas o orçamento da PREVIDENCIA não faz parte da carga fiscal, é outro orçamento. A carga fiscal brasileira, de acordo com o Centro de Contas Nacionais da FGV é 22%
      de impostos federais, 8% de impostos estaduais e 2% de impostos municipais. Embora não seja de técnica contabil, economicamente o DEFICIT PRIMARIO e a CONTA DE JUROS DA DIVIDA PUBLICA são tambem extração de riqueza que o Estado pratica contra o Produto Nacional, se somarmos esses dois itens chegamos aos 40% do PIB.

      1. O artigo é bastante esclarecedor. Por isso mesmo essas distinções entre orçamento geral da união, orçamento da previdência e orçamento das estatais é importante.

  4. A solução: achatar os salários dos funcionários públicos.
    Baixa os salários dos funcionários públicos ao nível dos salários dos trabalhadores da iniciativa privada e o déficit será zerado.
    Nem se toque na parte (de leão) do orçamento destinado ao pagamento de juros da dívida. Essa parte do leão é sagradérrima.

  5. O André Araújo não responsabiliza os devedores da previdência nem o próprio governo pelo déficit da previdência. Ele culpa apenas o funcionalismo pelo déficit público. Entretanto o buraco é mais embaixo, conforme mostrou Roberto Kurz:

    “Por um período de mais de cem anos, os sectores do serviço público e da infra-estrutura social foram reconhecidos em toda parte como o necessário suporte, amortecimento e superação de crises do processo do mercado. Nas últimas duas décadas, porém, impôs-se no mundo inteiro uma política que, exactamente às avessas, resulta na privatização de todos os recursos administrados pelo Estado e dos serviços públicos. De modo algum essa política de privatização é defendida apenas por partidos e governos explicitamente neoliberais; há muito ela prepondera em todos os partidos. Isso indica que não se trata aqui só de ideologia, mas de um problema de crise real. Seguramente, desempenha um papel nisso o facto de A ARRECADAÇÃO PÚBLICA DE IMPOSTOS RETROCEDER COM RAPIDEZ POR CONTA DA GLOBALIZAÇÃO DO CAPITAL. Os Estados, as Províncias e as comunas super-endividadas em todo o mundo tornaram-se factores de crise económica, ao invés de poderem ser activos como factores de superação da crise. Uma vez delapidadas as “pratas” dos sistemas socialmente administrados, as “mãos públicas” acabam por assemelhar-se fatalmente às massas de vítimas da velhice indigente, que nas regiões críticas do globo vendem nos mercados de segunda mão a mobília e até a roupa para poderem sobreviver. Porém o problema reside ainda mais no fundo. No âmago, trata-se de uma crise do próprio capital, que, sob as condições da terceira revolução industrial, esbarra nos limites absolutos do processo real de valorização. Embora ele deva expandir-se eternamente, pela sua própria lógica, ele encontra cada vez menos condições para tal, nas suas próprias bases. Daí resulta um duplo acto de desespero, uma fuga para a frente: por um lado, surge uma pressão assustadora para ocupar ainda os últimos recursos gratuitos da natureza, por fazer até mesmo da “natureza interna” do ser humano, da sua alma, da sua sexualidade, do seu sono o terreno directo da valorização do capital e, com isso, da propriedade privada. Por outro, as infraestruturas públicas de propriedade do Estado devem ser geridas, também, por sectores do capitalismo privado”.

    1. Meu caro, de modo algum eu culpo funcionario publico pelo deficit e muito menos sou a favor de privatizações, tenho aqui dezenas de artigos demonstrando que os EUA tem muito mais estatais que o Brasil, só que lá tem outro nome são “AUTHORITY’ que cuidam de aeroportos, portos, aguas e esgoto, transporte coletivo, seguro agricola, seguro de hipotecas, credito à agricultura, financiamento à construção de navios, credito à exportação. Eu me refiro a DESPESAS INJUSTIFICAVEIS como 80 assessores POR SENADOR, 4.000 funcionarios para o STF, a Camara de Vereadores de São Paulo que custa 700 milhões por ano, engraxate funcionario da Camara
      o Tribunal de Contas do Municipio de SP tem tapeceiros e marceneirios na folha, motoristas de autoridades são milhares, nos EUA só o Presidente tem carro oficial, juiz da Suprema Corte anda de onibus ou a esposa o leva para o trabalho, não me refiro a funcionario publico medico, enfermeiro, professor, engenheiro, coveiro.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador