É hora de começar a discutir a Moderna Teoria Monetária, por Luis Nassif

Tem-se, então, duas alternativas: emissão e venda de títulos públicos (pressionando a dívida pública) ou emissão de moeda. Esse é o ponto central. E tanto mídia quanto mercado quanto governo estão absolutamente ausentes das discussões que avançam em outras partes do mundo.

O país vive o paradoxo do ajuste fiscal.

Funciona assim:

  1. A Lei do Teto impede que os gastos públicos avancem além de limites pré-determinados.
  2. Em períodos recessivos, ajustes fiscais deprimem ainda mais a economia. O governo reduz seus gastos; a redução dos gastos derruba a atividade econômica; a queda da atividade econômica derruba a receita fiscal.
  3. Caindo a receita, para manter o superávit corta-se mais ainda a despesa derrubando mais ainda a atividade econômica e a receita fiscal.

O próprio FMI atribuiu a enorme crise que se abateu sobre a Itália, Irlanda, Grécia e Espanha ao Pacto de Estabilidade e Crescimento da União Europeia, que impôs um teto de 3% no déficit orçamentário e um limite de 60% na relação dívida/PIB

As pernas principais de qualquer plano de recuperação econômica passam pelos seguintes pontos:

  1. Manutenção da renda dos desempregados, para evitar uma depressão no mercado de consumo.
  2. Garanta de manutenção pelas empresas de seus funcionários, condição essencial para retomarem a produção quando a crise do Covid-19 passar.
  3. Garantia de capital de giro e outras formas de amparo econômico às empresas.
  4. Investimentos pesados em obras públicas, visando puxar a construção e a cadeia produtiva de máquinas e equipamentos.

Todos esses pontos exigem recursos públicos. Mantendo a Lei do Teto, não haverá recursos para nenhum plano de recuperação da economia. Portanto, quando o general Braga Netto, da Casa Civil, apresenta o tal plano Pró-Brasil e diz que vai manter a Lei do Teto, torna a proposta menos crível do que já é.

Como financiar

Tem-se, então, duas alternativas: emissão e venda de títulos públicos (pressionando a dívida pública) ou emissão de moeda. Esse é o ponto central. E tanto mídia quanto mercado quanto governo estão absolutamente ausentes das discussões que avançam em outras partes do mundo.

A principal delas é o MMT (Moderna Teoria Monetária), que propõe emissão de moeda para financiamento da economia, em períodos de crise aguda. É a única porta de saída da crise.

A lógica da MMT é a seguinte:

Se o governo controla sua própria moeda, ele pode emitir e gastar livremente, pois sempre poderá criar mais dinheiro para quitar dívidas em sua própria moeda.

Bem aplicados, os gastos do governo podem estimular a economia, recuperar setores, reduzir o desemprego. E, com isso, permitir a recuperação da atividade econômica, do emprego e da receita fiscal.

Se gera um déficit no governo – a moeda emitida é um passivo pelo qual o governo é responsável – não há problemas, pois significa superávit do setor privado.

Há alguns inconvenientes que podem ser enfrentados com planejamento e uma boa regulação.

Na crise de 2009, o FED (banco central americano) montou uma operação de US$ 1 trilhão em apoio ao sistema bancário, sem aumento da dívida pública. Na época, alegava-se que o excesso de emissão de moeda tornaria difícil a colocação de títulos da dívida. No entanto, as taxas de juros ficaram próxima de zero para combater a deflação americana,

O foco central da MMT é o emprego. Seus apóstolos propõem que, quando o setor privado não consegue atingir o pleno emprego, o governo deveria oferecer empregos financiados por ele próprio. Quando a economia voltar a atingir o pleno emprego, o programa é reduzido.

Foi o princípio utilizado por Franklin Delano Roosevelt em 1933. Garantia um salário aos desempregados para trabalhar na construção de escolas, hospitais, infraestrutura.

Evidentemente, há desafios de monta.

1.   Inflação

Os preços são definidos de uma maneira simples: bens disponíveis x moeda disponível. Quando há muita moeda para poucos bens, os preços explodem. Do mesmo modo, se uma empresa está produzindo no limite de sua capacidade, a demanda adicional a induz a aumentar seus preços; assim como aumentam os salários se a mão de obra está plenamente ocupada.

O único limite à emissão de dinheiro é a inflação, que só aparecerá quando a capacidade instalada estiver ocupada e não houver mais desemprego. Nesse caso, bastará reduzir os gastos ou tirar dinheiro da economia através dos impostos. Mas há um conjunto de variáveis políticas complexas.

2.   Setores a serem atendidos

Trata-se de tema sensível e que exige muito discernimento. O ideal são políticas gerais para atender empresas em dificuldades. E investimentos em setores pouco atraentes à iniciativa privada – no caso, obras públicas.

Para evitar competição no mercado de trabalho, o desemprego seria mantido com uma renda mínima universal. Para conseguir empregados, o setor privado ofereceria mais.

3.   A dinâmica da emissão da moeda

No começo, a emissão ajuda a recuperar a economia, a atividade econômica e o emprego. À medida que a capacidade instalada vai sendo ocupada, surgem as pressões para manutenção da política. A contrapartida anti-inflacionária – política fiscal para enxugar o excedente – esbarra nas pressões políticas internas de cada país. Não é impeditivo do MMT. Apenas exige uma regulação forte para não dar espaço para farras de despesa.

4.   Fuga de capitais

Outro risco é o da fuga de capitais, provocando desvalorizações cambiais. Há que se ter cautela na manutenção de reservas cambiais robustas.

Em suma, é o tema que, nos próximos meses, vai dominar o debate econômico, sabendo-se que, sem resolver o dilema da falta de financiamento público, não haverá saída para a profunda recessão que se avizinha.

 

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. Nassif, Bresser Pereira em sua página no Face escreveu vários artigos bem simples e diretos defendendo vigorosamente a emissão de moedas como a melhor e mais prática solução para enfrentarmos a crise do Corona Vírus. Inclusive ele diz abertamente, que bem utilizada, ela não causaria aumento da inflação.

  2. O problema não está em discutir a teoria monetária. Está em com quem discutir e,com essa gente que está encastelada no governo não tem discussão.
    Não é só porque eles não sabem o que discutir. É porque isso faz parte da doutrina do chiqueiro de onde essa gente é natural.

  3. Keynes, cujas ideias salvaram (de salvar mesmo) o capitalismo pelo menos duas vezes nos últimos cem anos, seria mandado pra Cuba hoje em dia.

    Não adianta torcer, os integrantes da coalizão de fascistas e neoliberais são completamente tapados pra qualquer coisa que ameace a preservação do tesouro financeiro e da renda variável. Já era. O Brasil teve tempo pra se preparar para a pandemia mas desperdiçou com besteirol ideológico, com ataque aa esquerda, ao Lula, ao PT, PT, PT, aa China, ao STF, ao Congresso… É o Triunfo da Boçalidade. O Brasil vai entrar e sair dessa crise pior do que qualquer outro pais do mundo. Quem viver verá.

  4. Eu lendo isto só me lembro dos anos 1980 e sua inflação.
    Mas minha formação econômica é parca e porca.
    Mas que isto me dá medo , dá.
    Todas estas teorias me parecem os planos do Cebolinha , nada pode dar errado ou ‘elado’ …

  5. Não vamos voltar novamente à situação da década de 1980 ?
    Até quando o mercado vai topar financiar o endividamento crescente do governo? Qual o limite ?
    A emissão de moeda para pagar a divida nos joga no overnight do governo Sarney .
    No caso dos EUA, eles têm o privilégio de o mundo inteiro demandar sua moeda, nós não.

  6. O que vejo de errado nestes planos é que sempre falam em injetar dinheiro em empresas ou bancos que são o meio e topo da pirâmide.
    Vejo que deveria ser injetado na base da pirâmide e estimulado o consumo e depois a ciranda financeira faz a sua parte

  7. Tudo bem, se querem discutir a MMT, discutimos, mas não simplesmente com monólogos.
    Primeira coisa é tirar o mito que a MMT é a Teoria Monetária MODERNA, de moderna só tem o nome.
    Quem criou a MMT foi um economista alemão Georg Friedrich Knapp que foi publicada em alemão em 1905 (Staatliche Theorie des Geldes) e traduzida para o inglês em 1922 com o título The State Theory of Money (inclusive tem na Internet a edição inglesa de 1924 – https://socialsciences.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/knapp/StateTheoryMoney.pdf), ele cunhou a expressão para este tipo de política como Chartalismo (derivado do latim Charta = símbolo ou bilhete).
    A base teórica do Chartalismo é que a moeda foi criada pelo estado para poder cobrar impostos e não como uma necessidade de resolver trocas ou um meio para simbolizar uma dívida.
    O Chartalismo nega que para que um camponês qualquer num determinado período da história, para conseguir ter alguns sacos de cereais ele tinha que entregar 1/5 de seu boi, ou seja, teria que cortar o quarto traseiro do boi e entregar ao plantador de cereais, ou seja, se o boi continuaria vivo para trocar outra de sua parte com o ferreiro seria somente um detalhe.
    O Chartalismo assim como a MMT nega o valor do dinheiro como um meio de troca, para eles é um meio meramente simbólico que o governo obriga as pessoas aceitarem. Como um mero símbolo o dinheiro para a MMT pode ser controlado esse valor pelo Estado e para quem viveu décadas numa economia inflacionária sabe que isso é uma balela. Podem os mais apressados dizer que o Real foi uma moeda meramente com valor de face e por uma mágica o governo estancou a inflação, porém esquecem que o que trancou a inflação foi a âncora cambial associada a entrada da China no mercado internacional segurando os preços do produtos industrializados (para quem tem é velho e tem memória lembrem das lojinhas de tudo por 1,99.
    Outros apressadinhos dizem que a noção do dinheiro dos marxistas é um fruto da mesma ideia do Chartalismo, porém eles até na datação de enganam, pois a teoria do valor de Marx é anterior no mínimo 70 anos ao Chartalismo, a única semelhança entre os economistas Marxistas e o Chartalismo é que as duas teorias são teorias endógenas do dinheiro e não a teoria quantitativa da moeda dos economistas capitalistas.
    O que significa uma teoria endógena do dinheiro, é a negação que a inflação ou deflação são o mero produto de maior ou menor injeção de dinheiro pelos bancos centrais, ou seja, da teoria quantitativa do dinheiro típica da escola de Chicago. Porém nos últimos anos essa teoria quantitativa foi simplesmente enterrada a medida que com aporte maior ou menor de dinheiro os bancos centrais não conseguiram tirar países de recessões ou frear a economia. Nos anos pós 2008, maior quantidade de dinheiro simplesmente melhorou o balaço dos bancos e não produziu crescimento, pois o que impulsiona a necessidade de crédito é a demanda por esse não a oferta.
    O que impulsiona o capitalismo é o lucro real retirado da mais valia dos trabalhadores, onde o trabalho coloca mais valor ao produto, revertendo esse ao capital monetário e essa é a principal diferença do MMT a teoria marxista do dinheiro. No MMT a demanda por dinheiro é função de valores individuais do capital, enquanto para os marxistas a demanda por dinheiro é função da capacidade de acumulação do capital através do lucro obtido.
    (É uma primeira parte, seguiremos em outra oportunidade).

    1. Aprendo muito com um comentário de enorme qualidade como o de Maestri. Parabens mestre. Nao o conheço, mas gostei demais do seu artigo. Para mim, que sou leigo, foi uma aula de Economia, gratúita. Muito agradecido. Bom é quando entramos num grupo em que as discussoes tem um nivel minimamente bom, onde podemos aprender a criticar, positiva ou negativamente. Gostaria de sugerir, se me permite caro Maestri, o seu artigo para todos os participantes que aqui se manifestam, como fonte de pesquisa, de animosidade para que todos, os leigos como eu, possam aprender um pouquinho sobre temas tao importantes e sobre os quais, a exemplo deste, sentimos tanta falta e nos sentimos tao fora do eixo, por nao termo-nos preparado para discutir, em momentos assim. Resta-nos entao, apreciar e tentar nos motivar a ler mais, tendo bons artigos como referencia.
      Grato

  8. “Quando há muita moeda para poucos bens, os preços explodem.”
    Depende na mão de quantos estiver essa moeda.
    Se estiver empoçada nos bancos e corretoras, acho que os preços não explodiriam.

    Na minha modesta opinião, o problema atual é que a moeda (dinheiro) está concentrada na mão de poucos, principalmente bancos e corretoras.

    Imagine um agricultor que colheu sua roça de feijão e quer vender. Mas, a maioria da população que precisa comer não tem dinheiro para comprar.
    Se o agricultor deixar de vender seu feijão, ele não vai plantar uma nova safra e não terá recurso para comprar novos insumos e equipamentos. As fábricas e lojas vão parar de produzir e demitir, por falta de demanda. E o governo não vai arrecadar imposto pela falta de bens e serviços em circulação (com o dinheiro dos impostos o governo compra, direta e indiretamente, bens e serviços das empresas para manter sua máquina funcionando).

    Partindo do pressuposto que há um equilíbrio entre moeda emitidas e bens, qual é o problema dessa economia travada, embora com um equilíbrio de moedas e bens?

    A moeda (dinheiro) não está na mão da maioria da população, mas, no caso do Brasil, está nos bancos e corretoras.

    Então, se o governo emite moeda e coloca na mão da população ela vai comprar o feijão do agricultor, que vai comprar os insumos e equipamentos, que vai fazer as fábricas e lojas produzirem e venderem.

    Nesse caso, haverá um desequilíbrio entre: moedas emitidas e bens em circulação (supõe-se que no curto prazo não haja aumento de produtividade/produção de bens).

    Quem perde e ganhou com esse aumento de moeda em circulação, que o governo colocou na maioria da população?

    Quem ficou com moeda empoçada no caixa, isto é, os bancos e corretoras.
    Por que?
    Porque eles queriam emprestar essa moeda a juros altos para concentrar mais moeda – ganhando poder sobre o Estado/Governo emissor.

    E aí vem a pergunta. Mas se os bancos e corretoras resolverem colocar suas moedas em circulação a um juros mais baixo, não haverá um desequilíbrio inflacionário (mais moedas do que bens)? E isso não causará inflação?
    Sim, haverá inflação.

    A menos que o governo recolha o excedente de moeda nos bancos e corretoras através de impostos, como se fosse uma espécie imposto progressivo sobre a terra ociosa (que está em especulação sem cumprir sua função socioeconômica). Assim, a moeda excedente poderia ser enxugada até que a relação voltasse a um ponto de equilíbrio.

    MOEDA X CIRCULAÇÃO X DESENVOLVIMENTO = RELAÇÕES DE PODER

  9. Pô, qual motivo de se usar um slogan gringo para algo tão comum? A emissão crédito passa pelo estabelecimento de um Banco Nacional sobernano (não BC) capaz de emitir crédito para a produção física. O único meio antinflacionário sólido é o aumento da produção. Por outro lado, a “emissão” tem que ser repartida, porque gera custos em cenário futuro de aumento de juros. Repatriar parte das reservas cambiais, taxar grandes fortunas e criar crédito público. MMT isoladamente serve para debates acadêmicos ou, se implementada só, sobrecarregar o Tesouro no futuro.

  10. Aprendo muito com um comentário de enorme qualidade como o de Maestri. Parabens mestre. Nao o conheço, mas gostei demais do seu artigo. Para mim, que sou leigo, foi uma aula de Economia, gratúita. Muito agradecido. Bom é quando entramos num grupo em que as discussoes tem um nivel minimamente bom, onde podemos aprender a criticar, positiva ou negativamente. Gostaria de sugerir, se me permite caro Maestri, o seu artigo para todos os participantes que aqui se manifestam, como fonte de pesquisa, de animosidade para que todos, os leigos como eu, possam aprender um pouquinho sobre temas tao importantes e sobre os quais, a exemplo deste, sentimos tanta falta e nos sentimos tao fora do eixo, por nao termo-nos preparado para discutir, em momentos assim. Resta-nos entao, apreciar e tentar nos motivar a ler mais, tendo bons artigos como referencia.
    Grato

  11. Caro Nassif, se “Em geral concordam que o único inconveniente da emissão seria provocar a desvalorização da moeda. A desvalorização é medida ou pela inflação (desvalorização em relação aos produtos internos) ou pela taxa cambial (desvalorização em relação a outras moedas)” então a MMT não funciona. Em resumo, provoca inflação monetária. O que penso como economista é da criação de uma moeda lastreada paralela ao R$. A moeda/ação com valor lastreado no valor líquido patrimonial de bens estatais como empresas estais, reservas minerais, etc. Como moeda teria circulação como meio de troca e como ação como moeda produto em que valor de face seja variável com cotação do valor de cota apurado no conjunto do patrimônio lastro na bolsa de valores. Em resumo. O leit motiv da dinâmica monetária do papel moeda/moeda papel seguiria a lei monetária “moeda forte mata a fraca”. Enfim.

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