Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A indústria de gás natural no Brasil: os desafios para o novo Governo

Do Blog Infopetro

O desenvolvimento recente da indústria de gás natural no Brasil ocorreu num contexto de relativa escassez de gás nacional. As reservas e a produção brasileira eram modestas, e em sua grande maioria proveniente de campos gás associado pertencentes à Petrobras. Por isto mesmo, a difusão do gás natural no país só se alavancou com o contrato de importação da Bolívia que viabilizou a construção do gasoduto Bolívia-Brasil.

Esse contexto de escassez teve seu auge entre 2006 e 2008, quando a instabilidade política na Bolívia inviabilizou o aumento do volume importado daquele país. A escassez de gás nesse período levou a Petrobras a elevar os preços do gás doméstico e importado e a se lançar em um enorme esforço para aumentar a produção doméstica e diversificar as importações via GNL. Esse contexto de escassez e preços elevados do gás foi uma premissa importante do planejamento e regulação da indústria de gás no Brasil.

Nos últimos dois anos o país vem colecionando boas notícias com relação a descobertas de gás natural. As descobertas do Pré-sal apresentam um grande potencial para produção de gás. Em média, os campos de óleo descobertos na área do pré-sal da Bacia de Santos contêm 20% de gás natural. Estimativas da Petrobrás dão conta de um potencial produtivo de cerca de 40 milhões de metros cúbicos por dia (Mm³/dia), apenas no cluster de Santos.

 Além das descobertas no Pré-sal, a exploração nas Bacias de São Francisco (Minas Gerais), Solimões (Amazonas) e Parnaíba (Maranhão) vem apontando um grande potencial produtivo para o gás natural. No caso destas três bacias, o potencial produtivo é de gás não associado. Portanto, a produção somente se viabilizará caso haja mercado capaz de pagar um preço que possa cobrir os custos de produção e transporte do gás natural.

Se por um lado essas descobertas de gás natural representam um grande potencial econômico para o país, por outro lado não será fácil viabilizar o aproveitamento das mesmas. O próximo Governo terá como um dos principais desafios no planejamento energético viabilizar o aproveitamento dos recursos e reservas de gás recentemente identificados na Amazônia, no Maranhão e no Pré-sal.

O aproveitamento do potencial de produção de gás no Brasil irá requerer um grande volume de investimentos em Exploração & Produção (E&P) e no transporte de gás. Na indústria de gás natural, os investimentos no upstream e transporte só se viabilizam se houver mercado garantido para este gás. Ou seja, os investidores primeiro tentam assinar contratos de venda da produção futura do gás para depois injetar recursos na produção e transporte. Isto é necessário porque o gás natural não é uma commodity que pode ser transportada e comercializada para qualquer mercado, como é o caso do petróleo. No caso do gás natural, os investimentos em transporte já definem onde e quem irá comprar o gás natural.

Em algumas regiões, como na Amazônia e possivelmente no Maranhão, não existe um mercado de gás significativo a não ser o uso do gás para produção de eletricidade. Ou seja, dado os grandes volumes descobertos, somente novas termelétricas poderiam criar um mercado com volume suficiente para justificar os investimentos em produção e transporte. Atualmente, o arcabouço regulatório do setor elétrico não viabiliza o aproveitamento de reservas de gás natural com uso exclusivo no setor elétrico. Isto ocorre porque as termelétricas operam de forma complementar à geração hidráulica. Ou seja, caso haja água nos reservatórios das hidrelétricas as termelétricas ficam desligadas, configurando uma situação na qual elas acabam operando menos de 30% do tempo.

Em função disso, o contrato de venda de gás para as térmicas que entram no leilão da ANEEL pressupõe uma operação de apenas 25% do tempo. Nestas condições, as térmicas não podem dar garantias de compra de gás e, portanto, não podem ancorar projetos para desenvolvimento das reservas de gás natural. No caso da Amazônia, o governo brasileiro terá que optar entre deixar as reservas no chão, desperdiçando este potencial energético e econômico ou mudar as regras do setor elétrico para permitir que as térmicas que usem este gás operem de forma ininterrupta. O custo de mudar a regra seria mais emissões de CO2, já que eventualmente estas térmicas operariam inclusive em momentos em que as hidrelétricas tivessem capacidade de produção – ou seja, água nos reservatórios. Esta será uma decisão de política energética muito difícil, cujo debate certamente irá envolver vários segmentos da sociedade nacional. (…)continua no Blog Infopetro

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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