Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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A quem interessa a nova lei do gás?

Por Marcelo Colomer, do Blog Infopetro

Em 2009 foi aprovada pelo governo federal a lei 11.909 com o objetivo de definir o marco regulatório para as atividades de importação, regaseificação/liquefação, transporte e comercialização de gás natural. O desenvolvimento da nova estrutura regulatória foi motivado pelo reconhecimento da incapacidade da lei 9.478 em estimular a competição após o processo de reforma da indústria.

A importância do segmento de transporte na promoção da concorrência no setor de gás natural como um todo, o colocou como tema central da lei 11.909. A atividade de transporte de gás natural, assim como as demais atividades de rede, possui características que diferenciam e condicionam a dinâmica dos investimentos nesse segmento. Em termos econômicos, a elevada especificidade[1] dos ativos associada à racionalidade limitada e ao comportamento oportunista dos agentes condicionam elevados custos de transação (MAKHOLM [2006, 2007, 2009], CODOGNET [2006] e COLOMER [2010]), que na ausência de garantias regulatórias, impõem elevados riscos aos investimentos. São Esses elevados custos de transação, traduzidos em elevados riscos, é que explicam a tendência da indústria de gás natural em integrar-se verticalmente.

Nesse contexto de especificidade da indústria de gás, a lei 11.909 buscou definir uma estrutura regulatória que incentivasse a entrada de novos agentes privados no segmento de transporte a partir da redução dos custos de transação (riscos) associados aos contratos de capacidade. De fato, a lei supracitada traz inovações regulatórias que reduzem grande parte dos riscos associados aos novos investimentos em ativos de transporte. Contudo, a incompletude da reforma, que manteve a estrutura industrial (market design) do setor de gás natural inalterada, impede que a redução dos custos de transação (riscos) se transmita de forma simétrica e homogênea para todos os agentes. Em outros termos, a estrutura industrial herdada do monopólio estatal cria uma grande assimetria de custos de transação entre a empresa estabelecida (Petrobras) e as empresas entrantes, de forma que as mudanças regulatórias trazidas pela nova lei mostram-se incapaz de estimular a entrada de novos agentes.

Inovações Regulatórias e Seus Impactos Sobre os Custos de Transação

Segundo Colomer [2010], as principais inovações regulatórias, trazidas pela lei 11.909, que contribuem para a redução de parte dos custos de transação são o estabelecimento da concessão como regime jurídico da atividade de transporte, a adoção de mecanismos de concurso aberto (chamada pública) com a assinatura de termos de compromisso, a regulação do livre acesso, a definição e limitação do escopo de atuação de cada agente do poder público e a consolidação jurídica do arcabouço regulatório.

O regime de concessão[2] desfruta de uma segurança jurídica maior do que o regime de autorização, o que faz dele um instrumento jurídico mais adequado para as atividades que exigem elevados investimentos em ativos específicos. Nesse sentido, a garantia do equilíbrio econômico e financeiro, o estabelecimento de contratos padronizados e a definição em lei dos direitos e deveres das empresas de transporte de gás natural reduzem os espaços para comportamentos oportunistas tanto por parte dos carregadores quanto por parte dos órgãos do governo. Nesse sentido, a mudança de regime jurídico trazido pela lei 11.909 tem o potencial de reduzir os custos de transação associados aos investimentos em ativos de transporte, estabelecendo maiores garantias[3] sobre o retorno do capital investido.

No que se refere ao novo mecanismo de alocação primária de capacidade, o dimensionamento prévio da demanda por capacidade e a exigência de assinatura de um termo de comprometimento pelos carregadores interessados na nova capacidade reduz os riscos de comportamentos oportunistas por parte dos carregadores. Isto é, o comprometimento prévio evita que, em condições de livre acesso, haja uma migração de carregadores dos gasodutos pioneiros, que naturalmente apresentam custos mais elevados [Colomer [2010] p. 48] para os gasodutos entrantes, comprometendo a recuperação do investimento realizado pela empresa pioneira.

Outros dois fatores de redução dos custos de transação trazidos pelo mecanismo de alocação primária da capacidade de transporte são a definição da tarifa máxima que poderá ser cobrada pelo transportador e a redução dos custos de negociação dos contratos de capacidade. O dimensionamento prévio da demanda permite que os potenciais investidores tenham o conhecimento ex ante das condições tarifárias enquanto que o processo de chamada pública elimina a necessidade de negociação da capacidade primária de transporte de forma bilateral com cada carregador.

Por fim, a contratação prévia da capacidade em bases firmes facilita o processo de financiamento através de mecanismos de securitização que permitam utilizar os contratos de recebíveis como garantias de contratos de financiamento.

No caso da regulação do livre acesso, o estabelecimento de regras e diretrizes, dos tipos de serviços que poderão ser ofertados pelo transportador e da tarifa a ser cobrada por cada serviço, estimula não só a competição no mercado de capacidade como também fornece as garantias necessárias ao investimento em novos gasodutos.

Em relação à definição dos espaços de atuação dos órgãos públicos, a delimitação do escopo de atuação dos diferentes agentes responsáveis pela regulação, planejamento e fiscalização da indústria de gás natural tem o potencial de reduzir o risco regulatório[4]. Em outras palavras, a definição do espaço de atuação de cada entidade pública reduz as chances das forças do Estado de atuarem de forma oportunista.

No que se refere à consolidação jurídica do arcabouço regulatório da indústria de gás, a lei 11.909, ao substituir as portarias e resoluções da ANP (instrumentos jurídicos precários e de fácil revogação) permite que o arcabouço regulatório da indústria de gás natural desfrute de uma maior estabilidade jurídica.

A análise da lei 11.909 mostra que o novo arcabouço regulatório da indústria de gás natural possui elementos capazes de reduzir os custos de transação associados aos contratos de capacidade de transporte. Contudo, como será visto a seguir, a transmissão dos efeitos da redução desses custos de transação não se dão de forma homogênea para todos os potenciais investidores em novos gasodutos. (…) continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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