Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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O futuro dos biocombustíveis V: as estratégias de Shell e BP

Por José Vitor Bomtempo, do Blog Infopetro

Na postagem anterior, discutimos a natureza da competição e da inovação em biocombustíveis. Na classificação que propusemos, o ponto fundamental era a distinção entre a competição dentro da estrutura industrial existente – etanol e biodiesel – e a competição no que denominamos indústria de biocombustíveis e bioprodutos do futuro – novos biocombustíveis e bioprodutos. No primeiro caso, temos tipicamente uma competição baseada no posicionamento à la Porter. Um competidor se torna competitivo ao encontrar uma posição favorável dentro da estrutura industrial vigente.  No segundo, a estrutura industrial ainda não está estabelecida e a base da competição é a construção de capacitações (capabilities building à la Teece) que buscam viabilizar as oportunidades de inovação e moldar a nova estrutura industrial.

 

É importante ainda notar que na indústria de biocombustíveis de primeira geração as tecnologias de conversão estão disponíveis para os investidores a partir de fontes externas acessíveis como as empresas de engenharia/tecnologia e fabricantes de equipamento. Na indústria de biocombustíveis do futuro – baseada em inovação em novas matérias primas, novos processos, novos produtos – uma mudança fundamental é o deslocamento da fonte de tecnologia para dentro das empresas, isto, a tecnologia tende a ser muito mais sofisticada nos combustíveis do futuro e conseqüentemente proprietária.

Começamos a examinar na postagem de hoje como as estratégias das empresas têm lidado com esses desafios. Existem focos estratégicos claros? Na indústria atual ou na indústria do futuro? Observa-se uma diversidade de estratégias? Ou são elas convergentes?

Começamos pelas empresas de petróleo e gás. Três empresas se destacam pelo envolvimento com os biocombustíveis, pelo volume de recursos aplicados e pela forma como abordam a indústria: BP, Shell e Petrobras. Discutimos hoje os casos da BP e Shell.

As manifestações de interesse da Shell pelos biocombustíveis situam-se por volta de 2005. Nessa época, os biocombustíveis de segunda geração aparecem como alvo da empresa, em particular biocombustíveis derivados de resíduos agrícolas (etanol celulósico) e biocombustíveis pela rota da gaseificação de biomassa (BTL). Numa apresentação divulgada pela empresa, essas duas tecnologias são apresentadas como “aspired technology positions” (Rob Routs, Executive Director Downstream, Oil Products and Chemicals, setembro 2005). No Technology Report de 2007, a tecnologia BTL e a participação da Shell no projeto da empresa alemã Choren são destacadas como inovações em biocombustíveis. Sublinha-se ainda o empenho em não utilizar matérias primas que pudessem competir com alimentos e mais uma vez o foco na chamada segunda geração de biocombustíveis.

Coerente com essa visão, explicitada a partir 2005, Shell se lançou nos últimos anos numa série de projetos voltados para o desenvolvimento de biocombustíveis avançados tanto em termos de novos processos de conversão como de novos produtos. Assim, foram lançadas cinco plataformas diferentes, todas exploradas na forma de associação ou participação em empresas de base tecnológica.

O primeiro desses projetos foi o da Iogen, em 2002. Iogen é uma empresa canadense de biotecnologia com experiência em enzimas. A associação Shell/Iogen tem como objetivo a produção de etanol a partir de material lignocelulósico, no caso resíduos agrícolas. Em 2008, Shell aumentou suas participação para 50% do capital da empresa. Uma unidade de deomstração está em funcionamento e existe o projeto de uma unidade em escala comercial.

Em 2005, Shell se associou a Choren, uma empresa alemã, também apoiada por Volkswagen e Daimler, para produzir biodiesel, a partir de restos de madeira, pela tecnologia BTL (a chamada rota termoquímica: gaseificação seguida de síntese de FT).

Em 2006, Shell começou a trabalhar com Codexis, uma empresa americana de biotecnologia na busca de novas rotas de fermentação para a produção de novos biocombustíveis.  Contrariamente aos dois projetos anteriores, buscam-se no projeto Codexis novos produtos e não apenas novas tecnologias de conversão para a produção de combustíveis já conhecidos como o etanol e o diesel.

Em 2007, Shell se associou à empresa HR Biopetroleum, estabelecida no Havaí, numa joint-venture denominada Cellana,  para a produção de algas visando à produção de biodiesel.

Ainda em 2007, Shell passou a apoiar a Virent, start up americana, que, baseando-se na rota química, desenvolve a produção de biocombustíveis a partir de açúcares. O projeto Virent tem merecido destaque nas publicações especializadas pelo seu caráter inovador e perspectivas comerciais.

A abordagem da Shell enfatiza com clareza a aposta na inovação tecnológica como base da competição em biocombustíveis, toma como foco os biocombustíveis avançados e orienta essa aposta para a exploração de diversas plataformas diferentes. Na estratégia da empresa, uma ou mais plataformas poderiam se relevar vencedoras da competição tecnológica, serem escolhidas no processo de seleção e desenvolvidas como negócios em escala comercial. As demais seriam deixadas de lado.

Em 2009, entretanto, uma certa correção de rumos parece ter sido efetuada pela Shell. A empresa abandonou o projeto Choren que explorava a rota BTL. E, além disso, movimentou-se de forma forte em nova direção ao se associar numa joint-venture à Cosan, maior produtor brasileiro de etanol. Shell se torna assim produtor de etanol de primeira geração. Note-se que a joint-venture Shell/Cosan envolve, além da produção de etanol, a atividade comercial em distribuição de combustíveis.

O caso da BP mostra uma abordagem estratégica diferente. A empresa, que informa ter investido cerca de US$ 1,5 bi desde 2006 em biocombustíveis e bioprodutos, evidenciou mais claramente sua estratégia com movimentos realizados nos últimos três anos. A BP tem como objetivo atuar de forma ativa na expansão do mercado dos biocombustíveis partindo dos combustíveis de primeira geração e caminhando, na medida do amadurecimento dos projetos, para a produção de biocombustíveis avançados e bioprodutos. A empresa atua hoje em 7 projetos diferentes que vão da produção de etanol de primeira geração à pesquisa avançada em biotecnologia: produção de etanol no Brasil (Tropical, uma joint venture BP, Santelisa e Maeda), produção de etanol a partir de trigo no Reino Unido (Vivergo, uma joint venture BP, DuPont e British Sugar), desenvolvimento de tecnologia e produção de butanol (Butamax, uma joint venture BP e DuPont), produção de etanol a partir de materiais lignocelulósicos (Vercipia, uma joint venture BP e Verenium, que recentemente passou ao controle integral da BP), produção de diesel a partir de açúcares (projeto desenvolvido por Martek, a partir de algas com apoio da BP), biotecnologia de sementes para culturas energéticas de alta produtividade (Mendel com apoio da BP) e finalmente a aplicação de US$ 500 milhões, em 10 anos, para a estruturação e desenvolvimento do Energy Biosciences Institute (EBI), com a participação de University of California Berkeley, Lawrence Berkeley National Laboratory e University of Illinois.

 

Como as duas estratégias podem ser comparadas? Que pontos em comum? Que diferenças marcantes? (…) continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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