Entrevista: Luciano Coutinho Presidente do BNDES fala à Revista da Indústria sobre crescimento sustentável

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Crescimento sustentável
 
por Maria Luiza de Araujo*

Luciano Coutinho, presidente do BNDES, aposta na confiança dos empresários na política macroeconômica e no potencial brasileiro

Foto: Getty Images
Luciano Coutinho: “Sem dúvida, o setor de petróleo e gás será responsável pelo maior volume de investimentos para os próximos anos”

Especialista em economia industrial e internacional, doutor em economia pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e professor convidado da Universidade de Campinas (Unicamp), Luciano Coutinho está na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desde abril de 2007. Até assumir o posto, era sócio da LCA Consultores, atuando como consultor em defesa da concorrência, comércio internacional e perícias econômicas.

Seu interesse pela questão industrial vem desde os tempos acadêmicos e, em 1994, coordenou o Estudo de Competitividade da Indústria Brasileira, desenvolvido por vários estudiosos, que traçou o mapa do setor no País. Entre 1985 e 1988 foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, participando de sua estruturação e da concepção de políticas voltadas a áreas como biotecnologia, informática, química fina, mecânica de precisão e novos materiais. É essa bagagem que o deixa à vontade para analisar com otimismo a situação atual e as perspectivas para a economia brasileira.

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Revista da Indústria – Quais são as projeções para os investimentos no País?
Luciano Coutinho –
Há uma recuperação muito firme das decisões de investimento do setor privado, fruto da confiança dos empresários na consistência da política macroeconômica e no potencial de crescimento da economia brasileira. Os números do IBGE e os do BNDES mostram uma robusta aceleração em ritmo superior a 20% ao ano. O mapeamento dos projetos de investimentos do BNDES realizado nos setores da indústria, infraestrutura e construção civil para o período de 2010 a 2013, confirma uma perspectiva de forte expansão.

RI – É possível dar a medida dessa expansão?
LC –
Esse mapeamento, que engloba 14 setores, aponta para um total de investimentos de R$ 859 bilhões para o período analisado, uma perspectiva recorde, tanto para a indústria quanto para a infraestrutura. É importante destacar que essas projeções são superiores ao levantamento realizado antes da crise internacional e representam uma expansão de 54,6% dos investimentos em relação ao período de 2005 a 2008. Em resumo, espera-se um aumento real médio de 9,1% ao ano até 2013. Condição imprescindível para a sustentação do crescimento com estabilidade de preços é ampliar o esforço de investimento do país para aumentar a oferta simultaneamente à expansão da demanda. Devemos terminar 2010 com uma taxa agregada de investimento de 19% do PIB. Essa taxa tende a subir nos próximos anos para algo em torno de 22% a 23% do PIB. Atingir esse patamar é o nosso desafio e, para isso, o governo tem procurado incentivar a concretização dos investimentos por meio do apoio do BNDES e de projetos como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

RI – Quais os principais setores que deverão investir?
LC – A economia brasileira tem propensão a investir de modo firme em seis grandes cadeias: petróleo e gás, energia elétrica, logística, construção habitacional, mineração e o agronegócio competitivo. Estes dois últimos têm na Ásia um grande mercado em forte expansão. São oportunidades espontâneas de investimento, mas precisam ser complementadas por políticas de desenvolvimento das cadeias produtivas da manufatura e de serviços, necessárias a uma economia diversificada como a brasileira. Quero destacar a retomada dos investimentos em siderurgia, na indústria química e de celulose. A cadeia automotiva também reativou suas inversões e pode avançar muito no campo da engenharia de novos produtos. Sem dúvida, o setor de petróleo e gás será responsável pelo maior volume de investimentos para os próximos anos, com aportes de R$ 340 bilhões previstos até 2013, o que equivale a uma taxa média de expansão de 16,3% ao ano.

RI – O movimento de investimento é notado em vários setores?
LC – Os levantamentos do BNDES indicam que as decisões de investimento estão disseminadas por quase todos os setores. Observa-se uma saudável desconcentração; eles não estão mais restritos às grandes empresas. Além disso, nas regiões menos desenvolvidas, especialmente no Nordeste, a força dos investimentos é muito expressiva.

RI – Com pelo menos dois grandes eventos programados, Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016, como ficam os investimentos em infraestrutura?
LC – Esses investimentos deverão ter uma expansão de, pelo menos, 9,2% ao ano entre os anos de 2010 e 2013, comparados com o período entre 2005 e 2008. Esse crescimento será liderado pelos setores de energia elétrica, logística, ferrovias, portos e transportes rodoviários, ao lado do setor de saneamento, que estão inseridos no PAC. Destaco também telecomunicações, que mantém firme patamar de investimentos em função da disseminação de novas tecnologias. Com relação aos projetos do PAC, a carteira de financiamento do BNDES atingiu R$ 123,2 bilhões em março, com investimentos de R$ 216,2 bilhões em setores estratégicos para o crescimento sustentado do País: energia – elétrica, petróleo e gás e combustíveis renováveis –, logística – rodovias, ferrovias e marinha mercante –, social e urbano – saneamento, urbanização e metrôs – e administração pública. O financiamento requer a ampliação das parcerias entre o setor público e o setor privado. A carteira do BNDES é ainda maior se incluirmos os projetos em perspectiva, que somam mais de R$ 62 bilhões em financiamentos e representam investimentos de cerca de R$ 84 bilhões. No total, portanto, estamos considerando mais de R$ 300 bilhões nos próximos quatro anos.

RI – Em que medida os investimentos industriais para o mercado interno tendem a crescer?
LC – As perspectivas são alvissareiras. A projeção de crescimento para os setores da indústria voltados para o mercado interno é consistente, porque acompanhará o crescimento da renda e do consumo das famílias. Eles vêm apresentando bom desempenho em função da sustentação da demanda doméstica. O consumo das famílias cresceu 4,1% em 2009, apesar da crise. O que percebemos no BNDES é que, embora os setores ligados à indústria e à infraestrutura liderem as demandas, o segmento de comércio e serviços vem ganhando participação relativa nas liberações do banco. E isso está ocorrendo em função da ampliação do mercado de consumo de massa e da melhora na distribuição de renda. Com a perspectiva de sustentação do crescimento do consumo das famílias, o cenário é de ampliação nos financiamentos para esses setores.

RI – Como superar as dificuldades de investimentos das micro, pequenas e médias empresas?
LC – O BNDES deverá encerrar 2010 com desembolsos nesses segmentos que podem atingir R$ 40 bilhões. Um desempenho extremamente relevante, porque corresponde a grande parte do que foi liberado pelo banco há cinco anos para todas as empresas. Bateremos um recorde histórico em 2010. Nos 12 meses encerrados em abril, foram liberados R$ 25 bilhões para empresas de menor porte, quase o dobro dos meses anteriores. Esse excelente desempenho sofre grande influência do PSI, criado pelo governo em junho de 2009 para estimular a continuidade dos investimentos em resposta à crise financeira internacional. O PSI foi lançado com taxas muito favoráveis, a partir de 4,5% ao ano, para empréstimos para a aquisição de máquinas, equipamentos, ônibus e caminhões e para os financiamentos para a exportação.

RI – E em relação à inovação, tema crucial para as empresas?
LC – Temos um desafio pela frente, que é o de desenvolver a capacidade de inovação e competitividade da indústria manufatureira e assegurar sua presença internacional. A indústria de transformação deve funcionar como motor propulsor da economia brasileira pelo impacto dinamizador que produz sobre o conjunto do sistema econômico, desempenhando papel-chave para o crescimento do emprego, da renda e da inovação técnica. Mas para isso é preciso que a indústria acelere os processos de inovação em todos os planos. Temos que investir em novos produtos diferenciados, em novos processos, no aumento contínuo da produtividade e avançar na qualidade da gestão e da governança. Por essas razões, a inovação no plano empresarial deve merecer estímulo e apoio com empenho redobrado. E é o que estamos fazendo no BNDES. O banco possui três linhas, que são as de Capital Inovador, Inovação Tecnológica e Inovação de Produção, com as mais baixas taxas cobradas e remuneração zero para o BNDES.

RI – Há perspectivas de injeção de novos recursos do Tesouro Nacional no BNDES?
LC – O funding do BNDES para este ano já está equacionado. Sem dúvida, o papel do banco nos próximos anos será relevante, porque há necessidade de investimentos robustos em infraestrutura, necessariamente de longo prazo, dificilmente oferecidos pelo mercado. Já atingimos um patamar de grande relevância. O desejável agora é associar esse papel à crescente participação do setor financeiro privado, de modo a compartilhar com o BNDES a oferta de financiamento de longo prazo. Nossa expectativa é que o mercado de capitais retome sua importância no financiamento ao investimento.

RI – E como fazer isso?
LC – Estamos empenhados em desenvolver juntamente com o setor privado mecanismos de poupança interna. Hoje, os instrumentos de poupança e financiamento disponíveis no mercado brasileiro estão focados no curto prazo. Por essa razão, é preciso criar novos instrumentos para que eles possam migrar para prazos mais longos. Uma das propostas, por exemplo, é o desenvolvimento do mercado de debêntures corporativas de longo prazo.

RI – Qual é a capacidade de empréstimo do banco? Como está a inadimplência?
LC – A inadimplência do BNDES está entre as mais baixas do setor financeiro, de 0,20% em dezembro de 2009. O BNDES atua financiando diretamente os tomadores de crédito e de forma indireta, por meio de agentes financeiros. A capilaridade e a qualidade das análises de risco feitas pelos bancos repassadores do crédito do BNDES têm permitido a manutenção de uma carteira com baixíssima inadimplência, mesmo com a forte expansão das operações. Nossa expectativa é que o crédito, hoje em 45% do PIB, cresça no fim do ano para cerca de 49% do PIB.

RI – Algum destaque?
LC – Quero sublinhar o grande potencial de expansão do crédito imobiliário, que atualmente representa, apenas, 3% do PIB. Se considerarmos o déficit habitacional e as condições mínimas de crescimento, dado o tamanho da nova classe média brasileira e a expansão do emprego, podemos chegar perto de 10% do PIB nos próximos anos. Do ponto de vista do financiamento de longo prazo, vejo de maneira otimista o potencial de retomada do mercado de capitais como fonte de financiamento de longo prazo. Não há razão para que esse mercado não possa voltar a ocupar um espaço importante. Os nossos esforços têm sido o de expandir as emissões de ações e debêntures a fim de que venham a representar uma força impulsionadora dos investimentos. Temos mantido diálogo com o setor privado e com as autoridades econômicas no sentido de pensar em medidas adicionais para acelerar o crescimento dessas novas fontes de financiamento, de maneira a remover a pressão que se acumula sobre o sistema BNDES, sem frustrar o desenvolvimento brasileiro. Quando falamos em aumentar a taxa de poupança no país estamos falando, principalmente, em aumentar a capacidade de financiamento de longo prazo, com base em fontes domésticas.

RI – O senhor teme uma descontinuidade de gestão do BNDES conforme o resultado das eleições?
LC – A perspectiva para 2010 é que os desembolsos da instituição fiquem em patamares elevados, demonstrando o papel estratégico de um banco de desenvolvimento no financiamento do investimento. Mas a retomada do crescimento econômico no País deverá trazer mais normalidade à indústria financeira e ao mercado de capitais. Isso significa, como já disse, que é desejável que se reforcem outras fontes de financiamento para investimento de capital no Brasil. O tamanho do BNDES no futuro dependerá da resposta a essa agenda. Não creio, porém, em descontinuidade em relação à gestão do banco. Pode ocorrer mudança de estilo, mas não de objetivo, pelo fato de que, hoje, há indubitável legitimidade pública quanto ao seu papel enquanto fator de impulso ao desenvolvimento nacional.

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