Inovação ou Modernização?, por Luiz Martins de Melo

Inovação ou Modernização?
 
Por Luiz Martins de Melo, em comentário ao post “Brasil 2015: o desafio de mudar o tripé econômico

A estratégia de estabilização monetária original do Plano Real, mesmo tendo sofrido um forte revés em 1998/1999 com a crise cambial, continuou a ser implantada. A sua inconsistência macroeconômica ficou provada coma o uso político do câmbio extremamente valorizado para garantir a reeleição de FHC.

O que se denominou de tripé macroeconômico, taxa de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário, foi a nova política macroeconômica para sustentação do Plano Real, visando a manter a estabilidade da moeda com base na estreita ligação entre taxa de juros elevada e câmbio valorizado. A disciplina fiscal estabelecida na Lei de Responsabilidade Fiscal foi mais um complemento para dar confiança aos agentes financeiros sobre a solidez da dívida pública.

Essa convenção hegemônica de política macroeconômica, mantida no governo Lula, com ligeiras modificações para enfrentar a crise global de 2009, tem pesados efeitos negativos na dinâmica industrial. Essa incompatibilidade entre a política macroeconômica e os altos custos que ela impõe à indústria faz com que seja muito difícil o enfrentamento do padrão de competição estabelecido pelo complexo produtivo e de competividade internacional do sudeste da Ásia (Coréia, China e Japão).

Alto diferencial de juros em relação às taxas internacionais, câmbio valorizado e política fiscal restritiva além de formarem um  contexto negativo para o investimento industrial, mantidos por mais de 20 anos obrigam as empresas brasileiras a definirem estratégias defensivas ou imitativas caracterizadas pelo acompanhamento da fronteira tecnológica sem incorrer nos riscos das firmas inovadoras e inovar com base nos conhecimentos disponíveis (compra e licenciamento de tecnologia).

Essa estratégia defensiva e imitadora é caracterizada por um investimento modernizador em detrimento daquele para construção de novas plantas (greenfield). Isso significa a melhoria das instalações existentes pela incorporação de novos equipamentos ou à por expansão dessas plantas por meio de novas linhas de produção e, em alguns casos à compra ou fusão com outras empresas que já operavam nos mercados. Isso significa que a estrutura industrial não se move, apenas se reorganiza sem alterar o seu padrão.

O investimento em inovação das empresas nessas condições fica mais restrito por ser mais arriscado, incerto e de maior prazo para retorno. A ausência de mecanismos institucionais e de coordenação de políticas (articulação entre poder de compra governamental e a política de inovação)  não possibilita a formação de um ambiente de confiança nas empresas para enfrentar os riscos muito altos e os tempos de retorno muito longos dos gastos em inovação e, na comercialização dos seus resultados (novos produtos e/ou processos). Isso reforça a tradicional estratégia de modernização tecnológica (imitação) que marcou e marca o processo de industrialização brasileiro, que acarreta uma degeneração da sua estrutura.

A inadequação do sistema financeiro para fazer frente a esse desafio, também uma característica histórica da nossa industrialização, restringe o desenvolvimento  industrial ainda mais. A indústria, mais do que a agricultura e os serviços, depende de modo crucial do financiamento por ser o centro irradiador de produtividade para o resto da economia.  Política monetária restritiva (taxas de juros reais elevadas) e volatilidade cambial restringem a capacidade da constituição de fundos para investimento e da sua mobilização pelo sistema financeiro conceder crédito no longo prazo. Também fragiliza a formação da avaliação de ativos intangíveis pelo mercado de capitais o que dificulata o acesso das empresas em sua capitalização.   

Uma nova fase de crescimento pode ser iniciada aproveitando o dinamismo do mercado interno. O novo caminho passa pelos investimentos, especialmente os investimentos articulados pelo setor público, como na infraestrutura. Investimento gera demanda para máquinas, equipamentos e matérias primas, e, nesse processo, novos empregos e salários.

Quanto menos fragmentada for a política industrial, ou quanto mais sistêmica e integrada for a sua conformação, maior será a sua capacidade em causar um efeito, positivo nas expectativas das empresas.

Os setores industriais que poderiam ser os prioritários seriam aqueles com as seguintes características:

– intensivos em emprego, para manter o dinamismo do mercado de trabalho conquistado nos últimos anos;

– setores de energia petróleo, biocombustível, eólica e solar;

– defesa e medicamentos, setores de maior intensidade tecnológica, onde o setor público poderia desempenhar o papel relevante de garantir a demanda (poder de compra);

– serviços públicos: transporte, saneamento, saúde e educação.

O papel do setor público é induzir a demanda.  As políticas industriais de maior êxito têm duas características básicas:

– dar confiança ao empresário ao definir o horizonte para cálculo do investimento.

– estruturar as formas de financiamento para toda a cadeia produtiva, em especial para a articulação e integração das inovações de maior conteúdo tecnológico para os setores prioritários.

Nenhuma cadeia produtiva consegue sobreviver a uma política de stop and go como a Brasil viveu nos últimos vinte anos.  Será que essa ausência de investimento em “green field” e inovação é devido a falta de aptidão dos empresários para o risco a incerteza?  Será que um empresário japonês, alemão, americano, chinês ou sul-coreano teria comportamento diferente nas mesmas condições de política macroeconômica?

Redação

8 Comentários

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  1. Excelente post!

    Agora posso arriscar uma resposta para a pergunta final:

    “Será que essa ausência de investimento em “green field” e inovação é devido a falta de aptidão dos empresários para o risco a incerteza?  Será que um empresário japonês, alemão, americano, chinês ou sul-coreano teria comportamento diferente nas mesmas condições de política macroeconômica?”

    Certamente qualquer empresário teria a mesma inação. Mas um fato muito importante não pode ser esquecido: nosso capitalismo é familial, e a passagem de bastão da geração fundadora para a geração seguinte se deu sobretudo nos anos ’90, e aquela geração que recebeu um indústria no berço sem esforço nenhum, virou financista, o que é bem mais chique e corresponde ao “zeitgest” dos anos ’90-2000. Como esse mundo explodiu em 2008, ficamos basicamente sem uma geração “industrialista” (com raríssimas exceções como os Odebrecht).

    Tem solução? Sim, usar as compras governamentais para incentivar as pequenas empresas para ficarem médias e as médias para ficarem grandes.

    Alias acho que o “caso JBS” é muito mal entendido mesmo por jornalistas isentos e cultos (se é que ainda tem no Brasil). O grande artigo que saiu recentemente na Carta Capital sobre o grupo era muito ruim: tem que saber escapar de fofocas e entender o que aconteceu no ramo de frigoríficos nos anos 2000, para tentar entender por que esta família teve tanto sucesso em tão pouco tempo, fora o fato que outras empresas surgiram no mesmo momento (Marfrig p.ex).

  2. familial

    Nosso capitalismo é familial Lionel porque os governos(TODOS OS ULTIMOS) não vem dando condições economicas favoráveis para que cresçam novas industrias iniciadas por quem quer que seje, e não se pode condenar totalmente essas familias que obtiveram sucesso financeiros em gerações anteriores em se proteger financeiramente desativando produções e focando em atividade financistas, volto a dizer os culpados SÃO OS GOVERNOS INCOMPETENTES E CORRUPTOS, e esse JBS foi privilegiado pelo governo do PT, com muito provavelmente um acordo entre as partes inconfessaveis,  com  beneficios para ambas as partes, se é que vc me entende, o fim disso vai ser do mesmo naipe do Eike batista, aguarde

  3. Acho que as questões foram

    Acho que as questões foram bem colocadas, mas setores industriais, mesmo sofrendo grande pressão da concorrência chinesa, sobreviveram. São estes casos que devem ser estudados.

    Até então a industria nacional, hoje quase toda multinacional, viveu à sombra da proteção ao produto nacional, proibição ou sobretaxação de importados similares, do governo Vargas ao fim do regime militar. O resultado foi a obsolecência do parque industrial, baixa qualidade e preços elevados dos produtos. Esta  foi a fatura cobrada pela fiesp pelo apoio ao golpe e que o país inteiro teve que pagar. 

    Atualmente só o câmbio consegue barrar os importados, o preço é a taxa de juros para mantê-lo. Terão as multinacionais interesse em desenvolver tecnologia, modernizar o parque,  desenvolver novos mercados? São elas, a excessão das estatais, que investem em tecnologia.

    Qual  o resultado do incentivo ou subsidio às pesquisas no setor elétrico, 1 ou 2% do fatura do consumidor? A maior parte das distribuidoras é privada!  Em produtos acho que nenhum resultado. O enfoque tem que ser no aumento da produtividade e qualidade, se tiver dinheiro público o objetivo tem que ser produtos, ou processos, que  reduzam o custo ao consumidor.

    Não sei se o governo consegue, basta ver que os tribunais de contas os TC dos municipios, estados e o nacional, têm muitos advogados e poucos ou nenhum engenheiros de custo ou de processos. Qual a produtividade na construção pesada? Vão comer mosca o tempo todo.

    1. vc ta no brasil?

      Vc disse horácio “Atualmente só o câmbio consegue barrar os importados, o preço é a taxa de juros para mantê-lo. Terão as multinacionais interesse em desenvolver tecnologia, modernizar o parque,  desenvolver novos mercados?” , vc tem certeza que está no brasil? Vc vir falar em produtividade aqui com esse cambio criminoso? não sei se vc é mal informado ou mal intencionado mesmo

  4. Excelente tópico.
    É paradoxal

    Excelente tópico.

    É paradoxal que simpatizantes do governo encham a boca para falar de inclusão social quando na dimensão do mercado e da economia o país adote um plano que nos torna submissos e impotentes em relação a outros estados.

    A consequência disso é sub-empregos, baixa capacidade de financiamento dos governos e estagnação.

  5. Mudança de regras

    Não podemos esquecer que o governo já mudou as regras de royalites edo petróleo mesmo com contratos ainda em vigor, tambem tem aqueles membros mais radicais do partido que querem anular os contratos de privatizações!

     

    Não existe muita segurança juridica no brasil. o menor problema é o tal tripé!

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