Keynes e a crise global

Da Carta Maior

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Especialista em John Maynard Keynes, Lorde Robert Skidelsky, professor da Universidade de Warwick, acredita que os países centrais transformaram suas próprias economias em um grande laboratório de ensaio. “Estão colocando à prova a teoria keynesiana que serviu para sair da débâcle dos anos 1930. Se a consolidação fiscal for a estrada da recuperação, devemos enterrar Keynes. Se, pelo contrário, os mercados financeiros e os políticos que lhes obedecem forem os “asnos” de que falava Keynes, teremos que pensar no que fazer com os mercados para poder voltar a governar”.

A “insensatez” dos países dominantes, criticada pela Unasul na sexta-feira passada, se dá no marco de um “grande experimento” em política econômica do mundo desenvolvido. Se a primeira reação ao estouro financeiro de 2008 foi um acordo “keynesiano” do G-20 para evitar uma recessão como a de 1930, uma vez neutralizado o pânico, os governos centrais se inclinaram, com uma ou outra exceção, a atacar o déficit com a tradicional receita de corte do gasto público e de aumentos impositivos para aplacar os mercados financeiros (que acabam por resgatar).

Eminente autoridade em John Maynard Keynes, Lorde Robert Skidelsky, professor emérito da Universidade de Warwick e autor de Keynes: the return of the master [Keynes. O retorno do mestre], acredita que os países centrais transformaram suas próprias economias em um grande laboratório de ensaio. “Estão colocando à prova a teoria keynesiana que serviu para sair da débâcle dos anos 1930. Se a consolidação fiscal for a estrada da recuperação, devemos enterrar Keynes. Se, pelo contrário, os mercados financeiros e os políticos que lhes obedecem forem os “asnos” de que falava Keynes, teremos que pensar no que fazer com os mercados para poder voltar a governar”, assinalou Lord Skidelsky.

A entrevista é de Marcelo Justo e está publicada no jornal argentino Página/12, 02-08-2011. A tradução é do Cepat, para o IHU/Unisinos.

Eis a entrevista.

O experimento de que você fala já tem mais de um ano. Qual é, na sua opinião, o veredito até este momento?
A aposta é que o ajuste produzirá uma recuperação da produção e do emprego. Esta aposta se baseia na ideia de que o investimento público e o endividamento estatal limitam o investimento privado. Ou seja, caso se limitar o investimento do setor público se liberarão as forças do setor privado. Isto pode ser verdade quando há emprego pleno. Não o é quando há uma redução da demanda como a atual. No caso de se basear a política em uma teoria tão frouxa, é muito difícil que funcione. E no momento o que está acontecendo no Reino Unido e nos Estados Unidos agora que se está esgotando o estímulo fiscal, parece confirmar a tese de Keynes.

O contra-argumento é que hoje a teoria keynesiana não funciona da mesma maneira devido à globalização dos mercados financeiros.
É certo que se tem que levar muito mais em conta a questão da confiança, porque hoje os governos se endividam com bancos e entidades financeiras estrangeiras. Isto impõe um condicionamento. Mas não invalida a teoria keynesiana. O que pode acontecer é que requer reacomodações. Por exemplo, hoje se necessita muito mais coordenação. Um dos grandes acertos que se seguiram ao estouro financeiro de 2008 foi a coordenação entre os governos que levou a um programa de estímulo conjunto na reunião do G-20 em 2009. Isto serviu para estabilizar a atividade econômica, mas não para restaurá-la ao seu nível anterior. Agora que o efeito deste estímulo está se esgotando, se pode ver que, por exemplo, na zona do euro, o crescimento é 4% menor do que deveria ser.

É paradoxal que a resposta do G-20 tenha sido keynesiana e que uma vez escapado do pior se tenha retornado à austeridade.
Creio que a primeira reação foi uma espécie de keynesianismo instintivo de políticos que não queriam ver uma repetição dos anos 1930. Mas foi mais um salvamento do que um programa de recuperação.

Na maioria dos casos a experiência da austeridade é negativa: é evidente no Reino Unido e nos países periféricos da zona do euro. Mas há exceções como a Alemanha e a Holanda…
O segredo da Alemanha é que tem mercados para suas exportações em países que estão crescendo, como a China. Pode-se ter a pior política fiscal, mas se seus mercados de exportação estão florescentes, a economia pode crescer.

Se efetivamente se prova que a teoria keynesiana segue tão vigente como antes, o que fazer com os mercados financeiros que, para emprestar, exigem ajustes?
A teoria keynesiana se refere à necessidade de manter o nível da demanda agregada consistente com o da utilização da capacidade econômica. Keynes não disse nada específico sobre os problemas estruturais macroeconômicos, exceto que não deviam prejudicar a demanda agregada. Apenas em um capítulo Keynes fala dos mercados financeiros dizendo que eram inerentemente voláteis devido à incerteza que têm. Para Keynes, o investimento financeiro tem as leis do mundo das apostas: pode sair bem ou não. Há novas teorias que partem destes conceitos. Por exemplo, o requisito de reforçar os encaixes dos bancos para evitar que se excedam em seus empréstimos. Isto está se aplicando lentamente. Também a ideia de reintroduzir a Lei Glass Steagall que separa os bancos comerciais e os de investimento para que os bancos não façam apostas com o dinheiro dos poupadores. São tentativas de estabilizar o sistema. Mas estas medidas são um programa de reforma para evitar uma nova crise, não para sair da atual crise.

Em alguns países emergentes, depois das crises vividas no passado, se reivindica a ideia do superávit fiscal sempre e quando não afete o crescimento. É esta a melhor maneira de se tornar independente dos mercados?
É uma apólice de seguro, não cabe dúvida. Mas não me parece muito eficiente. O importante não é tanto um superávit fiscal contínuo, mas ter um orçamento equilibrado dentro de um ciclo econômico. A ideia dos Fundos Soberanos é essa. Acumular fundos durante a época de bonança econômica para poder financiar o crescimento durante épocas mais difíceis. É isto que as economias que baseiam sua riqueza nas matérias-primas deveriam fazer. Não tanto ter um superávit fiscal para acumular reservas, mas usar a vantagem que uma “commodity” pode dar para diversificar a economia.

Luis Nassif

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