A estratégia do BTG Pactual, segundo André Esteves

O caso BTG Pactual é interessante para mostrar o desenvolvimento recente do mercado financeiro brasileiro.

Apesar de uma ótima equipe de análise setorial, o crescimento do banco – antes da venda para a UBS – foi calcado em uma capacidade de acertar todas as taxas do Banco Central – algo estatisticamente improvável. Acumulou músculos com operações fiscais irregulares no mercado (fiz uma série de colunas sobre o tema, quando pretendia ser vendido para o Goldman Sachs), lobby em cima do BC. Depois, foi vendido para a UBS, recomprado e tornou-se o maior banco brasileiro.

Polêmico, ainda assim o presidente do banco, André Esteves, é um craque, legítimo sucessor de Jorge Paulo Lehmann. A entrevista é um bom documento sobre a trajetória dos bancos de investimento nacionais em geral, do capitalismo selvagem instituído desde os anos 80, para a era atual, da institucionalização, quando o tamanho e a proeminência – mais o avanço da luta contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro – impedem a permanência na aventura.

Um dos pontos importantes da entrevista é quando Esteves revela que a meritocracia (presente na escola Lehmann) teve que ser completada pelo trabalho em equipe, integrado. É avanço importante. No modelo anterior, cada funcionário era estimulado a obter o melhor resultado individual. Era fácil na época em que os ganhos se concentravam em arbitragem de juros e câmbio.

Em um quadro de investimentos em infraestrutura, de participação na reestruturação setorial, esse modelo não funciona. Tem que se casar a meritocracia com formas de jogar em equipe. Na própria Ambev, montou-se um painel de avaliação em que analisa-se a contribuição de cada funcionário para o resultado final da empresa, não apenas do seu departamento.

Quanto mais cair a taxa de juros, mais relevante será a atuação dessas gestores na reestruturação competitiva de setores da economia.

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André Esteves vira o banqueiro das grandes empresas

Um ano depois de retomar o Pactual, Esteves transforma o banco num negócio de US$ 10 bilhões, traz sócios de peso global e se propõe a ser o grande banqueiro da América Latina 

13 de dezembro de 2010 | 7h 49

  • David Friedlander, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO – Um ano e oito meses depois de recomprar o Pactual, o banqueiro André Esteves levantou uma bolada junto a investidores internacionais, que avaliaram seu banco em US$ 10 bilhões. Isso é quatro vezes os US$ 2,5 bilhões que ele pagou aos suíços do UBS pelo banco, no ano passado. Novamente com Esteves e seus sócios, o BTG Pactual vai fechar o ano com um lucro de US$ 700 milhões. Segundo o banqueiro, a instituição vai distribuir US$ 250 milhões (mais de R$ 420 milhões) em bônus para seus sócios e funcionários.

Paulo Liebert/AE
Paulo Liebert/AE
“Nossos clientes nos enxergam como empresários. Iguaizinhos a eles”, diz Esteves

A capitalização anunciada na semana passada rendeu mais do que os US$ 1,8 bilhão que o BTG colocou no cofre. Ela aumentou o prestígio do banco de Esteves, que agora tem mais de 18% de seu capital nas mãos de um consórcio formado pelos fundos soberanos de Cingapura, China e Abu Dhabi, que estão entre os maiores do mundo, e investidores badalados como as famílias Agnelli, dona da Fiat, e a dos banqueiros Rothschild, entre outros.

Esse reconhecimento é importante para a imagem que Esteves e os sócios desejam imprimir ao BTG Pactual. Donos do banco de investimento mais ativo da atualidade, eles querem mudar o perfil que os marcou no passado como operadores agressivos do mercado financeiro e passar a ser vistos como os banqueiros das grandes empresas. “Hoje o cliente é nosso principal business”, diz Esteves.

Nos poucos contatos com a imprensa, só falava dos negócios do banco. Nesta entrevista, o banqueiro fez questão de abordar também temas da agenda econômica, um sinal de que o BTG Pactual agora está interessado em participar dos grandes debates nacionais. A seguir, os principais trechos da entrevista com Esteves.

Seus novos sócios avaliaram o BTG em US$ 10 bilhões. Isso é quatro vezes o que vocês pagaram no ano passado para ter o banco de volta. Seus ex-sócios do UBS venderam o banco barato?

As duas transações foram feitas a preços justos. Em 2009, quando recompramos o banco, estávamos no meio de uma recessão, havia muita incerteza. De lá para cá, as ações dos bancos tiveram uma valorização significativa. Além disso, o Brasil saiu muito bem da crise e as perspectivas futuras são ainda melhores. Somado a isso, o BTG teve dois anos muito bons. Então, a reprecificação de agora está em linha com o cenário atual.

Como foi estruturado esse negócio? Vocês estavam divididos entre a capitalização privada ou lançar ações em bolsa.

Temos identificado mais oportunidades de negócio do que o nosso capital podia suprir. Podíamos ter feito um IPO (lançamento de ações em bolsa, em inglês) ou uma colocação privada, como aconteceu. O tamanho seria o mesmo. Mas percebemos a chance de trazer investidores que podem ser estratégicos para o banco. Não só pegamos o capital nas condições que queríamos, como estabelecemos relações que vão gerar mais valor para o banco no futuro.

Vocês podem fazer outros negócios com esses sócios?

Naturalmente. Quem são esses caras? São provedores de capital de longo prazo, muito concentrados em setores em que o Brasil é demandante de capital, como infraestrutura. É o tipo de dinheiro que a gente quer, ao contrário daquele que a gente vive tentando expulsar, que é o dinheiro que vem aqui para ganhar com as taxas de juros altas. Eles investiram no banco, mas também querem nos ter como parceiros em futuros negócios no Brasil e na América Latina.

Há negócios em andamento?

Há conversas em andamento. Eles têm interesse em infraestrutura, no setor agrícola, no financeiro, no imobiliário. Não é um capital especulativo. Esses caras não têm pressa.

O BTG Pactual de agora parece diferente daquele banco que foi vendido ao UBS em 2006. Aquele era mais voltado para a especulação financeira, arbitragem com juros e dólar. Este parece mais interessado no relacionamento com empresas. Que mudança foi essa?

Eu diria que o negócio vai evoluindo de acordo com as condições. O DNA de valorizar o mérito acima de qualquer coisa é o mesmo. E a mobilidade social, como a gente brinca aqui, é a mesma. Agora, o business (negócio), claro, se modificou. Hoje o cliente é o nosso business. A gente continua investindo nosso capital, mas o maior uso que fazemos do nosso capital é ajudar as companhias e investidores a navegar dentro das suas necessidades.

O que motivou a mudança?

Essa transformação, no fundo, foi acontecendo ao longo dos anos 90, quando a gente criou as franquias de clientes dentro do banco. Obviamente, com o desenvolvimento da economia brasileira, o business de prover capital de diversas formas para os clientes foi se tornando gradualmente o principal da companhia. Mas os princípios culturais são os mesmos, ou muito parecidos com o que sempre foram. O business é que realmente foi se tornando um business de franquia. Muito mais do que o business de trading lá de trás.

E aquela cultura altamente competitiva implantada no Brasil pelo Garantia e pelo próprio Pactual nos anos 80 e 90? Isso não sofreu mudanças?

Claro que a nossa cultura vai se transformando a cada nova geração de sócios. Certas coisas que faziam sentido dez anos atrás, não fazem mais hoje. Mas, olhando para o passado, esse DNA absolutamente meritocrático que aprendemos com o Jorge Paulo (Lemann, fundador do Garantia) e com o Luiz Cezar (Fernandes, do Pactual) continua valendo. Eles foram os professores e criadores dessa obstinação meritocrática que fez tanto sucesso aqui no banco e em vários outros empreendimentos.

E o que não está valendo mais?

Acho que hoje é inviável você tocar uma operação desse porte, com essa qualidade, se o banco não for 100% integrado em times, se as pessoas não trabalharem em equipe 24 horas por dia. Antes havia um excesso competitivo. Aqui ainda temos um ambiente competitivo, só que hoje é um ambiente onde o teamwork (trabalho em equipe) é mais estimulado, é absolutamente necessário. E quem não souber trabalhar em time está fora. Isso é uma transformação que eu julgo como positiva dos tempos do início de Pactual e Garantia, que tinham culturas mais, talvez, individualistas.

Com que resultados o banco vai encerrar 2010?

Vamos fechar com mais ou menos US$ 45 bilhões de recursos sob gestão, em asset management (administração de recursos), US$ 18 bilhões em recursos sob gestão em wealth management (administração de fortunas), que é muito significativo em private banking (banco de negócios). O patrimônio vai ser em torno de US$ 4,5 bilhões e o resultado de 2010 deve ser em torno de US$ 700 milhões, alguma coisa desse tipo.

Quanto vocês vão distribuir entre os sócios?

O lucro é de US$ 700 milhões. Isso é 100% dos donos. Não será distribuído, será 100% reinvestido. O bônus da companhia deve ser em torno de US$ 250 milhões, para os sócios e os funcionários.

Quem são seus principais concorrentes hoje?

A concorrência vem de três lugares: dos bancos de investimento internacionais; dos grandes bancos comerciais brasileiros, que são competidores em alguns nichos, clientes em outros; e das butiques de negócios, que competem em gestão de recursos, em fusões e aquisições, mas que não competem no todo dos negócios. Agora, não tem nenhum player como nós, não existe um outro Pactual nessa escala.

Nem os estrangeiros?

É claro que existe uma concorrência de gente muito séria e qualificada. Mas acho que a gente tem mais capital, muita gente qualificada, um alinhamento de interesse com os clientes que é único. Eles nos enxergam como empresários. Não estamos interessados somente no bônus do fim de ano, mas no crescimento da nossa franquia de negócios, num ambiente institucional saudável, no crescimento sustentável da economia. Somos empresários, igualzinho a nossos clientes. Tem outra coisa: em economias que atingem certa escala, o mercado de capitais é dominado por players locais, não é o contrário.

O sr. está imaginando que o BTG vai ser o grande banco de investimentos do Brasil …

Pelos números, ele já é. Este ano a gente tem dominado o mercado de fusões e aquisições, o mercado de ações, a renda fixa local. Acredito que temos condições de continuar nesse ritmo.

Que espaço vocês querem ocupar?

A gente já tem feito bastante coisa de América Latina, mas dá para ter um pouco mais de ambição de crescimento.

O sr. poderia detalhar um pouco mais o que seria essa expansão na América Latina? Seriam mais operações com empresas da região ou você está falando da compra de um banco de investimento em outro país?

As duas coisas. Nossos clientes estão se expandindo mais e mais na América Latina e existem companhias latino-americanas com enorme interesse no Brasil. Existem investidores com interesse no Brasil. Hoje, por exemplo, nós temos uma presença razoável de investidores latino-americanos em nossas áreas de gestão de recursos. Acho que se tivermos uma presença física em outros países da região, como a gente tem em Nova York, Londres e Hong Kong, isso vai crescer bastante.

Isso pode envolver aquisições?

Pode. Não vejo nada tão transformador, mas vejo uma ou outra plataforma de negócios, em um ou outro país que interessa.

No Brasil, em que setores vai haver mais possibilidades de negócios?

O Brasil tem uma economia diversificada. Acho que teremos enormes oportunidades em infraestrutura, já que há uma série de gargalos a serem resolvidos. Acho que o setor imobiliário vai continuar crescendo no Brasil, a gente não tem bolha imobiliária alguma. O financiamento imobiliário agora é que está começando a se desenvolver. O setor agrícola, que dispensa comentários, já que o Brasil tem a agricultura mais sofisticada do mundo.

O governo deve mexer no câmbio?

Os países que passaram por mudanças estruturais, sem exceção, tiveram suas moedas se valorizando num longuíssimo ciclo, um ciclo que dura décadas. Assim aconteceu nos EUA e no Japão. Portanto, vai acontecer no Brasil. O que a gente não pode deixar é que isso aconteça numa velocidade que não dê espaço para a indústria nacional se adaptar. Precisa ser gradual e, no caso do governo, precisamos dar as condições de competitividade para a indústria.

 

Luis Nassif

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