Neoliberalismo, mercado financeiro e cegueira institucional, por Marcio Pochmann

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Foto: FLICKR CC

Da Rede Brasil Atual
 
Neoliberalismo, mercado financeiro e cegueira institucional
 
Impõe-se a cada dia outro caminho a ser liderado por quem melhor compreender a convergência que se forma em torno da contrariedade ao receituário neoliberal
 
por Marcio Pochmann*
 
A crise global de 2008 abriu uma nova perspectiva de reorganização geopolítica mundial. Até então, o receituário neoliberal predominava desde o fim do acordo de Bretton Woods, que havia fixado a regulação do mundo das finanças a partir do fim da Segunda Guerra.
 
Por força disso, as finanças mundiais seguiram a cartilha regulacionista entre os anos de 1945 e 1975, o que permitiu importante ênfase do Estado na defesa do crescimento econômico com inclusão social. Essa fase, então, passou a ser reconhecida como sendo a dos trinta anos gloriosos do capitalismo.

 
Com o esgotamento do acordo de Bretton Woods, a partir da primeira metade da década de 1970, transcorreu o reposicionamento do papel do Estado em conformidade com o retorno da centralidade dos interesses nas finanças globais. Assistiu-se, assim, o agigantamento das corporações transnacionais em detrimento do apequenamento dos Estados nacionais e da regulação das instituições multilaterais internacionais.
 
O resultado disso terminou sendo, em geral, o retorno das desigualdades, com perdas significativas para o mundo do trabalho, deslocamento da produção industrial do Ocidente para o Oriente, esvaziamento das classes médias assalariadas e uma significativa fragilização das políticas públicas voltadas para o crescimento econômico com inclusão social. 

O questionamento à ordem neoliberal governada pelas altas finanças vem gradualmente ganhando corpo desde a crise global de 2008, uma vez que as forças motoras da globalização passaram a perder potência. Entre os anos 1980 e 2008, por exemplo, o comércio externo, que representava quase um terço do PIB mundial saltou para cerca de 50% deste, enquanto em 2016 situou-se próximo de dois quintos, ou 40%, da produção global. 

O atual descenso relativo do comércio externo na produção mundial tem sido também acompanhado do esvaziamento da participação dos ativos financeiros. Em contraste, a China imprime o projeto do cinturão econômico em torno da antiga rota da seda, cujo orçamento de 26 trilhões de dólares até o ano de 2030 envolve a participação de 65 nações que respondem por quase dois terços da população mundial.

Para além desses indicadores econômicos de esvaziamento da globalização neoliberal emergem simultaneamente as insubordinações políticas de significativa relevância, como a vitória do Brexit no Reino Unido, a negação das reformas liberalizantes de Renzi na Itália, a eleição de Donald Trump, o enorme apoio à Frente Nacional na França, entre outras. De maneira geral, levantam-se cada vez mais fortes as vozes contrárias à combinação do endividamento predatório das altas finanças, o livre comércio, a austeridade fiscal, as reformas degradantes da sociedade e o avanço do trabalho precário.

Todas essas manifestações tendem a apontar para o rechaço da ordem atual do capitalismo financeiro global. No Brasil, isso não parece ser diferente, uma vez que as manifestações populares, cada vez maiores, colocam-se em oposição à “Ponte para o Futuro” do governo Temer e seus aliados neoliberais.

Neste caso, uma inegável expressão de cegueira institucional, quando a elite que domina se nega a ver a força da realidade. Tal como avestruz, procura esconder a sua cabeça do todo, imaginando superar, assim, os seus problemas.

Mas eles aumentam e impõem, mais dias, menos dias, outro caminho a ser liderado por quem melhor compreender a convergência que se forma em torno da contrariedade ao receituário neoliberal. Neste campo, a força da esquerda não se encontra só, pois também a extrema direita possui o seu leito próprio de crescimento em disputa no interior da sociedade. 

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas

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  1. “Neste caso, uma inegável

    “Neste caso, uma inegável expressão de cegueira institucional, quando a elite que domina se nega a ver a força da realidade. Tal como avestruz, procura esconder a sua cabeça do todo, imaginando superar, assim, os seus problemas.”

    É impossível a elite ver a força da realidade, seu plano é a manutenção do “status quo”. No jogo internacional, a nossa elite está entre as mais burras e ignorantes do mundo. Num país como o nosso, com um gigantesco potencial de crescimento, a elite age como avestruz porque sempre foi cega. Evidente que poderia crescer na mesma medida em que o país crescesse, mas não. Conforme discussão atual aqui no blog, o desejo patrimonialista está inserido na elite como um câncer que atinge a ela e a todos os brasileiros. E isso a História nos mostra, baixando as calças da elite criminosa.

     

  2. Para entender a crise
    Para entender a crise econômica no mundo e a cegueira da classe dominante no Brasil Acordo de Bretton Woods – a regulamentação, Estado indutor do crescimento econômico, inclusão social – e os 30 anos gloriosos do Capitalismo mundial. Um artigo a sder lido

  3. Adão Smith, o deus do

    Adão Smith, o deus do liberalismo, se vivesse seria igual seus seguidores: viviam exclusivamente as custas do dinheiro dos impostos, como vivem os bancos, as jbs, as odebrchts, as telefonicas, as pedagiadoras de estradas e os que ganharam a Vale e querem ganhar a Petrobras.

  4. É visível a perda de

    É visível a perda de legitimidade da ideologia neoliberal. Também verifica-se o crescimento do fascismo. O aumento da pobreza a nível mundial levará a uma ruptura do sistema, mas ainda não está claro para onde caminhará a economia capitalista e se a esquerda pegará esse bonde.  O oriente está crescendo e em rota de colisão com o ocidente. Vivemos um momento único na história da humanidade. Um fato, contudo, é incontestável: nossa classe dirigente é estúpida e incompentente, com ela o Brasil não tem presente e muito menos futuro. 

  5. radicalizar para aproveitar as oportunidades

    Caro Márcio,

     

    em poucas linhas você aponta elementos de uma conjuntura que abre flancos à direita e à esquerda, perfeito. Neste momento, me parece que a direita está se aproveitando melhor.

    Mesmo o receituário neoliberal sendo cada vez mais rechaçado, a falta de projeto e de liderança permite que ele avance, paradoxalmente, na América Latina, recuperando posições que este receituário tinha perdido.

    As reformas do governo golpista dão esta medida. Estão conseguindo colar um discurso falacioso de modernização e pequenos sacrifícios para avanços que nada mais são que operar o milagre de dividir empregos precários tornando-os ainda mais indignos e subtrair direitos para adicionar ao capital.

    O problema é que a contraproposta da esquerda e o que realizamos nos últimos 14 anos não constitui resposta suficiente. Você já apontava isso 10 anos atrás. Por incrível que tenha sido tirar o Brasil do mapa da fome, a redução da desigualdade e a efetiva melhoria das condições de vida para todos não se dará pela receita de programas sociais + ampliação da educação + keynesianismo de baixa intensidade.

    Temos uma população em idade ativa de 160 milhões, uma população economicamente ativa de 80 milhões e uma boa porcentagem deste contingente ainda enquadrável na categoria de subproletariado superempobrecido. As reformas do golpe são trágicas, as nossas foram insuficientes e não me parece que a saída seja fazê-las avançar.

    Precisamos nos colocar o desafio radical de ter terra, trabalho, renda, estudo (e até emprego…) para 160 milhões de pessoas. Não basta gerar 10 milhões de empregos de carteira assinada, ainda que isso seja muito. Ou a sociedade vai enxergar um compromisso e estratégias com a totalidade e para efetiva qualidade de vida, ou os flancos abertos serão usados pelas piores alternativas possíveis.

    Abraço,

     

    Luiz Ferraro

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