O descolamento entre ricos e emergentes

Descolamento entre ricos e emergentes | Valor Online

Luiz Carlos Mendonça de Barros |

Após um longo período em que os preços dos principais ativos financeiros dos países emergentes flutuaram em sintonia com os dos países ricos, nas últimas semanas os mercados de ações emergentes mais importantes descolaram dos índices do G-7. Uma forte indicação desse novo período de descolamento entre mundo emergente e mundo desenvolvido aparece quando se compara o índice “MSCI – Mercado emergente” e o S&P500, um dos principais índices utilizados por Wall Street para acompanhar o mercado americano de ações.

O “MSCI – mercado emergente” é um índice criado pelo Banco de Investimentos americano Morgan Stanley e composto por ações de vários países emergentes. O Brasil participa nesse indice com cerca de 16% do total. No gráfico – que apresenta a relação entre os dois índices – o leitor do Valor pode identificar com clareza esses dois períodos. Mesmo depois do colapso do banco Lehman Brothers em julho de 2008, o valor das ações dos mercados emergentes continuou crescendo bem acima do S&P.

Entre janeiro e outubro de 2009 essa diferença chegou a mais de 35%, seguida depois por vários meses de estabilidade. Se utilizarmos outros índices que refletem a dinâmica de preços de outras importantes Bolsas de Valores, como o FTSE em Londres e o DAX em Frankfurt, chegamos ao mesmo quadro. Os grandes investidores institucionais, principalmente fundos de pensão e fundos soberanos, com uma participação desproporcionalmente baixa dos seus recursos alocada no mundo em desenvolvimento, iniciavam naquele momento um movimento mais forte de compra de papéis fora do G-7. Por isso a valorização apresentada no gráfico.

Nem o receio de um novo enfraquecimento da economia americana conseguiu manter os emergentes no limbo

Mas a partir do momento em que as incertezas sobre a política econômica chinesa e os riscos de um novo mergulho recessivo das economias desenvolvidas – principalmente os Estados Unidos – começaram a dominar novamente corações e mentes dos investidores, os mercados emergentes começaram a oscilar novamente junto com os mais maduros. Olhemos novamente para o gráfico: entre março e julho de 2010, os temores de recessão global derrubaram todos os mercados, mas desta vez os emergentes caíram mais, penalizados pelas dúvidas sobre China.

Mas essa fase de insegurança começou a mudar novamente a partir do terceiro trimestre de 2010. Com a atividade econômica nos países emergentes voltando a dar claros sinais de forte aceleração, nem os receios de um novo enfraquecimento da economia americana conseguiram manter os mercados emergentes no limbo. E o aumento da relação MSCI emergentes / S&P voltou a ocorrer, como mostra o gráfico, no período julho de 2010 ate hoje.

A tão proclamada racionalidade dos mercados financeiros parece não fazer parte do dia das Bolsas de Valores, como já se sabe desde que Keynes as comparou com um cassino. Por isso ainda é prematuro considerar como perene essa tendência recente de uma valorização maior dos preços das ações nos mercados emergentes. Com certeza uma nova rodada de números mais fracos sobre a atividade econômica nos Estados Unidos pode jogar os preços das ações emergentes de novo no limbo da insegurança dos investidores do primeiro mundo.

Mas para que isso aconteça será preciso um desastre maior do que os analistas têm chamado de “Novo Normal” nas economias avancadas, isto é, um crescimento nos próximos trimestres da ordem de 1,5% a 2% ao ano. Nesse cenário, de uma parte importante do mundo crescendo de forma medíocre e com uma grande capacidade ociosa em seu sistema produtivo, os bancos centrais do G-7 terão que manter a política monetária expansionista de hoje.

Ora, os juros internacionais extremamente baixos e a falta de perspectiva para os lucros das ações do primeiro mundo são a combinação que me parece estrutural para perenizar – pelo menos nos próximos meses – a valorização dos mercados acionários dos emergentes.

Outro risco sério para a continuidade do otimismo com os mercados como o brasileiro é a chamada guerra de moedas, como bem definiu nosso ministro da Fazenda. O que saiu do encontro do FMI na semana retrasada foi uma clara indefinição sobre as perspectivas de coordenação global. Ainda há tempo para alguma convergência até a próxima reunião do G20 no início de novembro, mas se os países partirem para um tudo ou nada em 2011, inclusive com medidas protecionistas, poderemos mergulhar em uma crise mais profunda. E nessas condições nem mesmo a mais sólida das economias emergentes teria condição de normalidade. Por isso o meu otimismo qualificado com os próximos meses.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas-feiras.

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Luis Nassif

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