O comércio chinês no Recife

Do Valor

Chineses invadem o comércio do Recife

Murillo Camarotto | Do Recife
09/02/2011

Uma parte do expressivo crescimento nas vendas de linhas pré-pagas em Pernambuco nos últimos anos se deve ao sucesso dos celulares que operam com dois chips, conhecidos localmente como “chinesinho”. Um modelo smartphone da marca BlueBerry pode ser adquirido por R$ 190, sem direito a pechincha, na loja do jovem Su Yan Jang, instalada há pouco menos de dois anos na Galeria Glória, no centro do Recife.

A expansão do poder de compra do pernambucano, que gerou em 2010 uma alta de 24% nas vendas das operadoras de telefonia móvel no Estado, foi a mesma que atraiu para o Nordeste o comerciante oriental, que também atende por “Luiz”. Ele é mais um dos muitos chineses que desembarcaram em Pernambuco nos últimos dois anos, vindos diretamente do país asiático ou de São Paulo, onde, segundo alguns, a concorrência está muito acirrada.

NasrNas ruas do comércio popular do Recife são incontáveis as lojas comandadas por chineses, onde se pode adquirir a mais variada gama de bugigangas. Os itens mais procurados são celulares, pendrives, relógios, óculos e bolsas, quase sempre réplicas de marcas famosas, como BlackBerry, Bvlgari, RayBan e Louis Vitton. É nas bolsas femininas, porém, que se percebe o predomínio asiático. De cada dez lojas especializadas, nove são de chineses.

Em uma delas trabalha Xuzjia Liiu, rapaz tranquilo que deixou em 2007 a província de Fujian, 800 quilômetros ao sul de Xangai, rumo a São Paulo. Sem esboçar qualquer descontentamento, ele tirou do bolso dois cigarros e os entregou a um morador de rua que acabara de adentrar o estabelecimento. “Já [estou] acostumado. Ele vem sempre aqui pegar cigarro”, afirmou com pouca clareza o comerciante, há um ano no Recife. “São Paulo [tem] muito ladrão”, respondeu ele, ao ser questionado sobre os motivos da mudança para o Nordeste.

A queixa sobre a quantidade de ladrões em São Paulo é comum a muitos dos chineses estabelecidos na capital pernambucana. No linguajar dos imigrantes, no entanto, a palavra “ladrão” também serve para identificar o policial corrupto. Com um português um pouco melhor, Luiz, que também vem de Fujian, conta que os policiais de São Paulo exigiam quantias muito grandes de dinheiro para liberar as mercadorias ilegais.

Foi atrás de bons negócios que Wil Wuu, nascido em Hong Kong, saiu em 2009 da capital paulista, onde vendia tênis em sociedade com o tio. Depois de três anos em São Paulo, o jovem optou pelo Recife, depois de ser informado por amigos e parentes sobre as boas oportunidades da capital pernambucana. Incomodado com as perguntas, apesar do bom humor, o comerciante decidiu encerrar subitamente a entrevista: “Pode andar por aí. Tem muito chinês.”

Outro inconveniente de São Paulo apontado pelos asiáticos é a concorrência entre os próprios conterrâneos, que teria ficado muito dura nos últimos anos. “Como na China, São Paulo está cheio de chinês”, disse, aos risos, Behy Kang, dona da papelaria Cin Cin. Natural de Kaohsiung, na região leste de Taiwan, ela deixou a capital paulista há três anos para cuidar da expansão dos negócios da família, que sonhava em ter uma loja em cada Estado do Brasil.

Frustrados os planos, ela pensa agora em ficar no Recife e diversificar os negócios. Há pouco tempo abriu uma pequena lanchonete em frente à papelaria, onde sua avó, a simpática Ying Chuang, serve guloseimas chinesas para recifenses tão esfomeados quanto curiosos. “Vamos experimentar esse setor de alimentação agora. Aqui [no Recife] acima de R$ 10 não sai tanto”, comparou Behy, referindo-se à dificuldade em vender produtos de maior valor.

A pujança da economia nordestina, aliás, tem sua importância diminuída pelos comerciantes chineses. Apesar de as lojas estarem quase todas cheias, eles têm em comum as queixas sobre a rentabilidade. Liiu, por exemplo, diz que o movimento está muito fraco ultimamente. Luiz diz vender menos da metade do que fazia em São Paulo, mas garante estar feliz no Nordeste.

Quem tem mesmo motivos para reclamar, todavia, é a pernambucana Mariana Nogueira de Carvalho, dona da Violeta Modas. Com as bolsas encalhadas nas prateleiras e a loja às moscas, ela já se conformou com o prejuízo de R$ 80 mil e vai fechar as portas. A seu ver, a concorrência com os chineses no ramo de bolsas é desleal. “Eles vendem produto de baixa qualidade e os clientes acabam nivelando tudo por baixo aqui no centro do Recife”, queixa-se. “Eles também têm muito dinheiro para investir. Montam uma loja toda em um mês.”

De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife, Eduardo Catão, a expansão dos estabelecimentos chineses tem gerado polêmica entre os empresários de centro da cidade. No entanto, ele fez questão de salientar que a entidade não é contra a presença dos orientais. “É o crescimento econômico da região. Não tem jeito, eles vão correr pra onde tem dinheiro circulando.”

Depois de baixar as portas, Mariana vai voltar para Caruaru, no Agreste do Estado, onde fica a matriz da Violeta Modas. É grande a chance, porém, de que ela continue tendo pesadelos com os asiáticos. De carona no crescimento econômico, os chineses também estão expandindo as operações para o interior de Pernambuco, especialmente nas cidades mais importantes, como Petrolina e Caruaru. Perguntada sobre a responsabilidade dos imigrantes orientais em sua bancarrota, Mariana pensou alguns segundos antes de responder: “Tenho que botar a culpa em alguém, não é verdade?” 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador