O gasoduto sul-americano

Coluna Econômica – 30/03/2007

A história do gasoduto da América do Sul tem desdobramentos geopolíticos ainda pouco percebidos pela opinião pública. É importante entender algumas peças, para se montar o quebra-cabeças.

O primeiro ponto são as características políticas dos diversos países produtores de gás. O mais complicado deles é a Bolívia.

Na época em que procedeu à nacionalização da exploração de petróleo e gás, por exemplo, Evo Morales estava pressionado de dois lados. De um, por parte dos grupos radicais que o levaram ao poder, e que ameaçavam invadir o Palácio do governo se ele demorasse demais a tomar a decisão. Do outro, por um plebiscito que antecedeu sua eleição, que deu 95% de aprovação para a nacionalização das reservas bolivianas. Elas seriam nacionalizadas independentemente de quem fosse o presidente eleito. A saída encontrada pelo país consitiu em aumentar as compras da Bolívia pagando mais pelo adicional, de forma a permitir um mix de preço mais favorável ao vizinho.

Para melhorar as receitas nacionais, Evo passou a negociar com o governo Néstor Kirschner, da Argentina, a venda de 25 milhões de m3 de gás. Depois de ter sido mantida pelo gás durante décadas, a Argentina viu suas reservas minguarem. Hoje em dia, tem reservas comprovadas para apenas mais quinze anos. Parte do gás da Bolívia seria repassado pela Argentina para o Chile, já que a diferença histórica entre os países impede a venda direta.

Finalmente, era intenção da Argentina seria vender para o Paraguai -um barril de pólvora que, quando explodir, deixará a Bolívia no chinelo. Aliás parte da crise das “papeleras” com o Uruguai (a discussão em torno da instalação de fábrica de papel na fronteira entre os dois países) teve como pano de fundo a guerra do gás.

Do lado da Venezuela, havia a intenção do governo Hugo Chaves de impedir que o gás fosse transformado em “commodity” – em produto liquefeito. Como “commodity”, não haveria como estruturar um processo de industrialização, que poderia ser mais facilmente induzido por um gasoduto, já que as indústrias teriam que ser instaladas no seu entorno.

O primeiro lance foi dado por Chaves. Em cima de algumas idéias vagas, tratou de assinar um memorando de entendimento com Kirschner, deflagrando o processo. Lula assinou em seguida.

***

Onde entraria a estratégia brasileira? Numa ponta, aprovar uma perna do gasoduto passando pela Amazônia e indo até Ceará. Essa perna permitiria montar projetos e industrialização do nordeste além de reforçar a fronteira amazônica, permitindo a implantação de indústrias com acesso ao Pacífico.

Uma segunda perna seria montada para permitir ao país não apenas abastecer o centro-sul, como levar gás ao Paraguai e Uruguai através de Uruguaiana. Esse gasoduto seria criado num segundo tempo, e teria ligação com o primeiro, o da asa norte.

Há um ponto estratégico fundamental, porque nos próximos anos, segundo observadores, será inevitável uma enorme pressão do eleitorado paraguaio para que sejam revistos os acordos de Itaipu.

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O desafio será conseguir o financiamento para o projeto – cerca de US$ 25 bi. Pronto, ele irá gerar duas vezes mais energia que Itaipu. Nesse sentido, um eventual Banco do Sur poderá ser o agente para alavancar capitais.

Para incluir na lista Coluna Econômica*

Luis Nassif

15 Comentários

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  1. Nassif, assisti ao roda-viva
    Nassif, assisti ao roda-viva desta semana, onde o entrevistado foi o presidente da Petrobras Sérgio Gabrieli, do qual voce participou. Pelo que vi dinheiro não falta, pois tanto PDVSA quanto PETROBRAS estão nadando em dólares.

  2. Ficou confuso sim. O barril é
    Ficou confuso sim. O barril é Paraguai com a reação contra o acordo de Itaipu. E a crise das papeleiras (que envolve Uruguai e Argentina) tem como pano de fundo o gás.

  3. Nassif, que confusão, será
    Nassif, que confusão, será que isso vai dar certo? Esses atuais “Presidentes” sabem o que estão fazendo, eles tem gente competente para implantar um gasoduto, ou teremos outro caso, como o da estrada de ferro “Serra Mamoré”?

  4. Nassif, supondo que se
    Nassif, supondo que se consiga o financiamento, quanto tempo será necessário para a construção de todo o complexo?

  5. A criação de um banco
    A criação de um banco sulamericano de desenvolvimento;Coesão para “enxergar”a América Latina como capaz de caminhar com as próprias pernas;Obtenção de 25 bilhões de dólares,para implementar o gazoduto e suas implicações.Estas são as 3 coisas importantes que as novas administrações sulamericanas terão que colocar em prática.Nada impossível,se os nossos governantes tiverem vontade política.Neste lado das Américas,temos as melhores condições climáticas,os solos mais fecundos,o povo mais pacífico e trabalhador do planeta,a ausencia de ódio político e/ou religioso que tanto atrapalha outras nações do mundo,e agora a liderança de políticos comprometidos com as minorias,até então esquecida.

  6. Lula quando afirma ,que o
    Lula quando afirma ,que o projeto de desenvolvimento e sua consolidação decorre em vinte anos,está embasado no quadro estratégico continental,seus recursos energéticos,sua distribuição e principalmente a integração continental ,harmonizando seus mútuos interesses.Portanto, esse assunto é pauta recorrente das lideranças nacionais e dos países envolvidos.

  7. Nassif,

    Um projeto deste
    Nassif,

    Um projeto deste porte tem várias implicações que devem ser muito bem estudadas, pois boa parte das respostas ainda não existem.

    Pra começar, os muitos impactos causados pelo projeto. Muito além dos impactos ambientais, que não são pouca coisa, podem ser previstos impactos econômicos e sociais. Vc tem razão quando diz que uma perna do gasoduto estendida até o Ceará permitirá a industrialização do Nordeste e reforça a fronteira amazônica. No entanto, ao mesmo tempo, esta industrialização traz consigo a necessidade de outros investimentos em infra-estrutura. Em logística, pra começar. Em comunicações, pois devemos considerar o fato de que esta é bastante precária na maior parte das localidades mais afastadas dos grandes centros.
    Em infra-estrutura urbana, pois esta industrialização terá profundos impactos também na ocupação territorial.
    Do ponto de vista social, pode-se esperar elevação no preço da terra urbana, o que fatalmente irá fazer com que os mais pobres passem a buscar alternativas. Que podem ser um aumento na favelização ou a ocupação de áreas ainda não exploradas. E novas demandas por hospitais, escolas, segurança pública.

    O custo do projeto será certamente muito maior do que os US$ 25 bi, o que, na minha opinião, reforça ainda mais sua importância. Não vejo nada de megalomaníaco no projeto. Vejo uma grande oportunidade. E um desafio imenso.

  8. Parabens pelo artigo, que tal
    Parabens pelo artigo, que tal voce comecar a advogar uma ligacao de trem do tipo bala entre Rio e Sao Paulo,vejo que ja tah passando da hora.(ajudaria tambem na integracao regional)
    Valeu

  9. Prezado Nassif,
    Vc poderia,
    Prezado Nassif,
    Vc poderia, por favor, explicar a questão que a discussão em torno da instalação de fábrica de papel na fronteira entre o Uruguai e a Argentina teve como pano de fundo a guerra do gás. Não consegui entender plenamente. Ou então, vc poderia dar dicas de onde posso conseguir mais informações sobre isso. Tenho interesse em escrever sobre o assunto.
    Parabéns pelo excelente trabalho.
    Obrigado,
    Hamilton

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