Paulo Kliass
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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O isolamento crescente de Bolsonaro, por Paulo Kliass

A chegada da pandemia há um ano atrás mudou completamente o enredo inicialmente previsto por ele. Manteve-se arraigado às loucuras de Trump e menosprezou as gravidade da pandemia.

(Brasília – DF, 16/09/2020) Gravação de discurso para a 75ª Assembleia Geral da ONU. Foto: Marcos Corrêa/PR

O isolamento crescente de Bolsonaro

por Paulo Kliass

            Bolsonaro vai completar no final de março o 27º mês de um total de 48 previstos para a cumprimento de seu mandato presidencial. As pesquisas de opinião evidenciam um processo crescente de derretimento da popularidade em vários setores da sociedade brasileira. O ex-capitão tenta se equilibrar entre dois campos aparentemente inconciliáveis. De um lado, ele mantém o discurso autenticamente extremado para sua base forjada no direitismo negacionista, autoritário e intolerante. De outro lado, ensaia alguns recuos para se mostrar mais palatável e menos indigesto a quem ainda se dispõe a apoiá-lo em troca de algumas benesses de poder.

            O encantamento inicial pode ser compreendido ainda lá atrás, a partir do próprio processo eleitoral de 2018 e do início de seu governo. Ao catalisar o sentimento pulverizado de insatisfação com a política de forma geral e o desgaste dos últimos anos de exercício de poder do Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro consegue chegar ao segundo turno e atrair um importante apoio das elites empresariais, em especial daquelas mais diretamente vinculadas ao sistema financeiro. A presença de um operador do financismo com posição de destaque na elaboração de seu programa de governo colaborou para tanto. Ao nomear Paulo Guedes como o superministro da economia, Bolsonaro conseguiu neutralizar as restrições que se faziam sentir com relação ao seu passado autoritário e defensor de pautas como a tortura e a pena de morte.

            O convite ao juiz Sérgio Moro para ocupar um Ministério da Justiça vitaminado pelos órgãos de segurança pública também serviu para estender pontes. Na verdade, tratava-se de um retribuição que o xerife da Operação Lava Jato recebia pelos “bons serviços” prestados às elites brasileiras e ao próprio presidente eleito. Isso porque todas as ilegalidades cometidas pela quadrilha de Curitiba contra Lula tiveram consequências pessoais, jurídicas e políticas muito graves, dentre elas o impedimento que o mesmo se candidatasse no pleito presidencial. Assim, pouco importava se a família do novo ocupante do Palácio do Planalto estivesse envolvida até o pescoço com a milícia e com a corrupção. O importante era que Guedes na economia e Moro na justiça iriam moldar a cara do novo governo. O presidente, ora, esse era apenas um mero detalhe incômodo nessa longa travessia. Triste ilusão ou avaliação equivocada?

Moro e Guedes: usados até o fim.

            Porém, Bolsonaro foi conferindo ao seu governo a sua verdadeira marca. Aos poucos foi recheando a equipe de generais e oficiais de alta patente, aos mesmo tempo em que estabelecia os limites da autonomia inicialmente prometida para os 2 superministros. Moro rompeu a corda bem antes do previsto e saiu do governo em abril de 2020. Guedes segue à frente de sua pasta, mas boa parte de sua equipe inicial de auxiliares de segundo escalão já pediu demissão. Bolsonaro rompeu com sua promessa de uma “nova forma de fazer política” e se aliou ao fisiologismo do Centrão, apoiando candidatos do grupo para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

            A chegada da pandemia há um ano atrás mudou completamente o enredo inicialmente previsto por ele. Manteve-se arraigado às loucuras de Trump e menosprezou as gravidade da pandemia. Trouxe o negacionismo de seu governo terraplanista também para o campo da epidemiologia. Conhecemos bem a trajetória do “é só uma gripezinha”, “é uma bobagem essa obrigatoriedade da máscara”, “hidroxicloroquina é um ótimo tratamento precoce”, “e daí?”, “não sou coveiro”, “me chamo Messias, mas não faço milagres”, “vamos deixar de mimimi” e todas as demais aberrações proferidas por ele contra protocolos das entidades de saúde pública e da própria OMS. O presidente trocou por 3 vezes o titular da pasta da saúde, depois de colocar um general que nada conhecia da área por longos 10 meses. Não por acaso Bolsonaro está sendo processado em tribunais internacionais e reage com perseguição policial e jurídica a todos que busquem associar ao seu nome o adjetivo genocida.

Pandemia e agravamento da crise.

            Os péssimos resultados provocados pela ausência de estratégia na luta contra o covid 19 colocaram o Brasil na condição dos sonhos do chanceler Araújo: pária internacional. Recentemente, o país alcançou a condição de primeiro lugar em número de mortes por dia, superando os Estados Unidos. Os resultados da política de arrocho fiscal e corte de verbas para as áreas sociais colocaram o Sistema Único de Saúde (SUS) às mínguas. O colapso das condições de atendimento nos postos de saúde e nos hospitais fez chegar às elites a falta de condições de tratamento e os óbitos não mais se localizam apenas nas camadas de base da nossa pirâmide da desigualdade. Ao longo dos próximos dias, devemos alcançar a triste marca de 300 mil mortes. As vacinas tardam a chegar por conta da falta de vontade do governo desde o início e agora somos apenas mais uma nação a disputar as doses no cenário internacional com todos os demais países.

            Esse agravamento do quadro tem se refletido nas pesquisas de opinião e Bolsonaro começa a colecionar níveis recordes de desaprovação de seu governo. A incapacidade de sua equipe em apresentar respostas para a vida difícil da maioria da população desempregada, desalentada e precarizada começa a apresentar a sua fatura política. É importante lembrar que essa parcela importante de nosso povo passou o primeiro trimestre sem nenhum tipo de auxílio para enfrentar as dificuldades da crise. Afinal, Guedes havia convencido o chefe de que a pandemia acabaria em 31 de dezembro passado e que, portanto, a renovação do benefício não se fazia necessária. Pois agora, foi feito todo um carnaval para aprovar quatro parcelas de míseros R$ 150 para um número menor de famílias do que os R$ 600 que a oposição havia conseguido aprovar em abril de 2020.

Isolamento político a todo vapor.

            A continuidade da recessão e a falta de perspectivas para sua superação parecem ter subido ao andar de cima. Finalmente, parece ter caído a ficha para esse pessoal que a continuidade da política econômica de Guedes não cria demanda capaz de apontar alguma luz no final do túnel. Além disso, as elites empresariais começam a sentir a chegada da doença em seus redutos, ainda que os condomínios sejam cercados por muros elevados e fortes esquemas de segurança reforçada. Seus planos de saúde, antes aceitos pelos hospitais mais caros do país, não mais servem para abrir leitos nas UTIs lotadas. O colapso do sistema de saúde afeta a todos. Ao longo de dois anos, a rejeição mais do que triplicou.

            Nessas condições, Bolsonaro começa a perder apoio até mesmo da nata do financismo, um setor que foi um apoio fundamental para sua eleição. Um abaixo assinado começou a circular entre os economistas de orientação conservadora, banqueiros, operadores do sistema financeiro, ex ministros e dirigentes das épocas do neoliberalismo. Apesar de tímido e com seu DNA lastreado em visões da ortodoxia, o documento afirma que a vacina é essencial, que o isolamento social se faz necessário como medida pública, que o auxílio emergencial é importante para assegurar a travessia do agravamento da crise. Assim, apesar de não citar o nome do presidente nem esboçar nenhum tipo de “mea culpa” por terem contribuído para que ele chegasse ao comando do Brasil, o manifesto tardio de arrependimento se revela como outro importante indício do isolamento de Bolsonaro.

            A cada dia que passa, o cerco jurídico e político aos membros de sua família se arrocha ainda mais. A hesitação entre o discurso dirigida para sua tropa de choque e uma retórica mais amena voltada às elites ditas civilizadas parece estar chegando a um ponto limite. O crescente isolamento político de Bolsonaro é mais do que evidente. Ele se apoia na hipótese de que não há clima nem tempo político no Congresso Nacional para um processo de afastamento ou impedimento. Por isso, busca esticar a corda a cada instante, dando continuidade à estratégia do morde-assopra.

            Porém, sua conhecida insensibilidade e absoluta falta de empatia para com a dor alheia parece ter aberto uma rota sem um retorno tão fácil de ser empreendido. Bolsonaro pode estar exagerando na estratégia do jogador que dobra a aposta a cada nova rodada que se abre na mesa. A História e as lutas políticas estão recheadas de exemplos em que as explosões sociais surgem de forma aparentemente inesperada e mudam o rumo dos acontecimentos. Para compreendermos o clima tenso e difícil que vivemos, vale também a analogia com o apito da panela de pressão. Bolsonaro tanto renegou a necessidade do isolamento social para enfrentar a pandemia que agora se vê ameaçado pela ampliação de seu isolamento político de toda ordem.

*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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