O livro “A Imaginação Econômica”, de Sylvia Nasar

Blog do Fernando Nogueira da Costa

A Imaginação Econômica: gênios que criaram a Economia Moderna e mudaram a História

Pérsio Arida, em sua fase  de imaginação criativa como professor de Economia, escreveu um texto didático intitulado A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica. Foi publicado em livro organizado pelo meu ex-aluno, José Márcio Rego, Revisão da Crise: Metodologia e Retórica na História do Pensamento Econômico (SP, Bienal, 1991).

Nele, Arida afirma que o aprendizado da teoria econômica tem sido efetuado de acordo com dois modelos distintos:

  1. Por um lado, no modelo denominado como hard science, o estudante ignora a história do pensamento econômico. Deve familiarizar-se de imediato com o estágio atual da teoria.
  2. Por outro lado, no modelo soft science, o estudante deve, prioritariamente, dominar os autores clássicos do passado.

Esta distinção remete-se a um debate epistemológico – relativo ao estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados da ciência já constituída, e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo dela: existe um progresso da ciência econômica, procedendo-se em estágios sucessivos, cada novo estágio absorvendo e superando o antigo?

Os adeptos da hard science acreditam que sim: apesar de alguns erros e más orientações, a Ciência Econômica progrediu em direção à atual fronteira de conhecimento. Esta acumularia o resultado de todas hipóteses formuladas que passaram por testes empíricos. As hipóteses não verificadas por serem incoerentes com a realidade teriam sido rejeitadas, sistematicamente. Os manuais incorporariam as descobertas importantes e descartariam os erros passados. As ideias geralmente conhecidas, supostamente por serem verdadeiras, formariam as boas teorias, que teriam expulsado as reputadas de falsas.

Esta a noção de fronteira do conhecimento – divulgada por livros-texto – que fundamenta o modelo de hard science. Possui, por sua própria natureza, elevada taxa de obsolescência intelectual.

Na concepção soft science, pelo contrário, para o aprendizado da teoria econômica deve-se, basicamente, dominar a leitura das obras dos autores paradigmáticos – principalmente, Smith, Ricardo, Marx, Walras, Marshall, Wicksell, Keynes, Schumpeter, Friedman. Parte da ideia de que há um conhecimento econômico disperso historicamente, em que se encontram as matrizes fundamentais da teoria econômica contemporânea

MODELO HARD SCIENCEMODELO SOFT SCIENCEa história do pensamento econômico é mera história das ideias do passado, desvencilhada da teoria econômica.a história do pensamento confunde-se com a teoria, o estudo da última é indissociável da familiarização com a primeira.

A evolução da Ciência Econômica é estimulada por controvérsias. Implícita na noção defronteira do conhecimento está o pressuposto da superação positiva das controvérsias. Os adeptos da hard science entendem que a resolução da controvérsia faz emergir sua verdade. Este “saldo positivo” incorpora-se ao estado atual da ciência.

No entanto, o estudo aprofundado da história do pensamento econômico desmascara essa visão idílica da hard science. A presunção de que as controvérsias em teoria econômica comportam-se de acordo com os cânones da superação positiva não é validada pela história do pensamento. A clivagem entre passado e presente não se mantém, porque não há garantia de que a verdade do passado foi assimilada inteiramente ao estado atual da ciência, inclusive, permanecem com defensores as doutrinas opostas.Em nenhuma das controvérsias, o recurso à evidência empírica leva-a ao seu final, pois inexistem regras consensuais de validação.

Entre esses dois pólos, com que orientação o estudante deve seguir, para estudar Economia? Adotar a dialética, isto é, entre a tese e a antítese, deduzir sua síntese. O modelo soft science tem razão ao enfatizar a importância de absorver as matrizes básicas da teoria de acordo com sua formulação original. O estudante deve, então, ler as obras-primas da Economia, principalmente em sua pós-graduação, pois é necessária aeducação continuada. Além do esforço intelectual ser recompensador, essa leitura constitui um manancial de ideias relevantes que podem não estar no corpo teórico contemporâneo. Mas não há porque fugir do estudo do estado atual da Ciência Econômica, através da leitura pluralista do fundamental das diversas correntes do pensamento econômico, mesmo que seja através de livros-texto. Portanto, a recomendação é estudar, ao mesmo tempo, a história do pensamento econômico e a teoria econômica atual.

Em outras palavras, o estudante deve dominar tanto a Economia Política quanto a Ciência Econômica, se quiser colocar o debate nesses termos. A melhor formação do economista é a pluralista. Isto não significa falsa  neutralidade. Vale refletir sobre a seguinte frase: “não sei de ninguém que seja imparcial ou, se é, como é que podemos saber disso” (STIGLER, George J.. O intelectual e o mercado. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1987. p. 80).

Sylvia Nasar (Alemanha, 1947) é mestre em Economia pela Universidade de Nova York, foi correspondente econômica para o New York Times, entre outros órgãos da imprensa norte-americana, e é professora de jornalismo econômico na Universidade Columbia. Seu primeiro livro, Uma Mente Brilhante, ganhou o prêmio e inspirou o filme de mesmo nome, vencedor do Oscar. Publicou, originalmente em 2011 (São Paulo, Companhia das Letras, 2012, pp. 577), o incensado livro a respeito da história do pensamento econômico A Imaginação Econômica: gênios que criaram a Economia Moderna e mudaram a História. A partir de sua leitura, cuja prosa é bem fluente, lembrei-me da citada divisão entre as concepções hard Science e soft Science.

Inicialmente, desconfiei dos elogios exacerbados dos seus coleguinhas da imprensa internacional:

“A imaginação econômica é uma história da economia plena de carnalidade, viço e calor humano.” – The Economist

“O que Nasar faz de forma brilhante é nos dar retratos íntimos de seus personagens e mostrar como suas experiências pessoais influenciaram suas ideias. Ela escreve com facilidade e conhecimento sobre questões econômicas complicadas, mas mostra mais fluência ainda ao evocar a vida interior de seus personagens e os mundos sociais em que eles transitaram.” – Michiko Kakutani, The New York Times

“O objetivo de Nasar é fazer o leitor entrar na vida dos personagens de um vasto drama histórico que vai da Inglaterra vitoriana à Índia dos dias de hoje.” – The Washington Post

“A imaginação econômica serve para lembrar que, por ruim que as coisas pareçam agora, elas já foram muito piores, e que os tempos difíceis de outrora podem lançar luz sobre o que está acontecendo hoje.” – Los Angeles Times

Depois de lê-lo, facilmente, mudei meu preconceito a respeito do livro, recomendando-o, embora alertando que é livro de autora que, comprovadamente, escreve muito bem, mas não é de especialista na disciplina. Talvez por isso mesmo seja fácil de ler sua prosa!

Na verdade, sua originalidade é fazer a transformação da Economia, da História e das biografias dos grandes autores, assim como tinha feito em relação a John Nash, em um relato. É uma narrativa envolvente, pois mistura fofocas mundanas sobre os “gênios” – Marx teve filho com sua empregada doméstica, Keynes era homossexual, Joan Robinson era amante do Richard Kahn, que servia de intermediária entre ela e Keynes, entre outras – com a contextualização social e as circunstâncias pessoais da criação imaginativa de ideias econômicas consagradas como clássicas.

Aliás, como é comum entre mulheres rivais na profissão, a autora é especialmente mordaz em relação à Joan Robinson. “Filha de general, autoconfiante, ambiciosa, desenvolta como escritora, repudiou seus próprios brilhantes trabalhos iniciais, para se tornar um dos ‘intelectuais troféus’ de Stálin e Mao, fazendo críticas ferozes à liderança econômica na corrente principal da Economia”.

Joan Robinson remeteu um bilhete a seu marido, professor que lhe abriu caminho profissional universitário: “Descobri do que meu livro trata. Foi uma revelação súbita, que só me ocorreu ontem. O que tenho sido, o que fiz e até onde eu fui é o que Piero Sraffa diz que é preciso ser feito, em seu famoso artigo. Reescrevi toda a teoria do valor, começando pela empresa como monopolista. Eu costumava pensar que estava proporcionando instrumentos para que algum gênio os usasse no futuro e durante o tempo todo eu mesmo dei cabo da tarefa”.

Até então Joan se considerava estritamente uma professora. “Eu me sentia assim: ‘Tenho de dizer a essas pessoas o que os economistas pensam’, e agora sinto que souuma economista e posso dizer-lhes o que eu penso”.

Essa incomum recuperação de autorrespeito, que deveria ser almejada por todos os professores, buscando a contribuição com um pensamento original ou um talento precursor, que lhe permite escrever: “Você [o marido], Kahn [o amante] e eu temos nos ensinado Economia intensamente nestes dois últimos ano. Fui eu, porém, quem enxergou a grande luz e o livro é meu”. Nasar comenta: “É difícil deixar de perceber a alegria por ter levado a melhor sobre os outros dois”.

Cabe aqui um “pé-de-página” para observar o reconhecimento recente do uso do “capital erótico” para se subir na carreira profissional, principalmente no caso de mulheres reconhecidamente bem sucedidas.  Em 2010, ao desvendar um atributo pessoal que foi ignorado pelo meio científico durante décadas, Catherine Hakim desenvolveu uma ousada teoria: a de que pessoas que possuem capital erótico (a mistura de charme, elegância, beleza e sex appeal) deveriam usá-lo sem ressalvas para avançar na vida e na carreira.

Em seu livro recém publicado (Hakim, Catherine. Capital Erótico. Rio de Janeiro: Best Business, 2012), a autora explora as aplicações e a importância de sua descoberta,desafiando o estigma social dado àqueles que o utilizam no ambiente de trabalho. Ao compilar pesquisas de influentes organizações, Hakim comprova que o capital erótico é uma ferramenta poderosa especialmente para as mulheres, pois elas podem usar sua beleza natural para firmar seu lugar no mercado de trabalho e, assim, diminuir o abismo que existe entre os sexos nesse quesito.

Capital Erótico” é um livro para desmentir os descrentes no poder da beleza, para as pessoas que querem se recolocar no mercado de trabalho, e para quem quer dar umupgrade na carreira, e não sabe por onde começar. A escritora explica que “Capital Erótico é um conjunto de atributos de um determinado indivíduo, nele se juntam o sex appeal (personalidade, estilo, jeito de ser, maneira de interagir com as pessoas), beleza, talento para se vestir bem, charme, atratividade social e física, com inteligência e competência”Só!

As pessoas quando procuram emprego, se prendem a sua rede de contatos, e pouquíssimas pessoas pensam em também entrar em forma, fazer um belo corte de cabelo, corrigir sua postura, ou seja, melhorar sua aparência. É importante ressaltar que não precisa estar dentro dos padrões de beleza, tipo “patricinha de cabelos escorridos com reflexos”, pois o Capital Erótico é muito mais que isso! É uma combinação de atratividade estética, visual, social e sexual! “Definitivamente, aliar boa aparência física com inteligência é o caminho mais curto para a ascensão profissional”, é a conclusão da autora, com o que fecho o pé-de-página no meio-da-página sem mais comentários.

Voltando à A imaginação Econômica, a narrativa da Sylvia Nasar começa no século XIX, com a descoberta por parte de pensadores econômicos de que a grande maioria da humanidade não estava condenada à pobreza e que tinha a possibilidade de melhorar suas condições econômicas. Ela termina em sua última linha com uma mensagem clara: “retornar ao pesadelo do passado parece ser cada vez mais impossível”. Sylvia Nasar traça uma espécie de história biográfica dos últimos duzentos anos da Economia Política, para alguns, e da Ciência Econômica, para outros, desde a época em que ela era a “ciência sombria” até a grande expansão do capitalismo globalizado.

Em vez de uma história acadêmica, com números, tabelas e estatísticas, ela foca na história de uma ideia, que nasceu na “idade de ouro” anterior à Primeira Guerra Mundial, sofreu abalos causados por duas guerras mundiais, pela ascensão de governos totalitários e por uma grande depressão, e reviveu numa segunda idade de ouro, logo após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se da ideia de que o capitalismo é, em última análise, um motor de progresso, tal como encarnada na vida e obra dos grandes economistas. Essas vidas e obras são narradas com calor humano, revelando suas qualidades, contradições, preconceitos e idiossincrasias, em constante diálogo com os contextos históricos em que eles cresceram e agiram.

Sim, Sylvia Nasar não esconde sua posição política liberal e anticomunista. É particularmente irritante para os leitores mais moderados a abundância de adjetivos pejorativos que usa para desqualificar Marx e, decorrentemente, sua obra. Trata da mesma forma antipática a todos os simpatizantes circunstanciais da revoluções soviética e chinesa. Denuncia “espiões comunistas” em todos os locais. Mas, descontando o “direitismo, doença senil do capitalismo”, sempre acho importante ler os argumentos dos adversários ideológicos e incorporar o que achar que é crítica justa.

Ela escolheu protagonistas que foram fundamentais para transformar a Economia em “mecanismo confiável de análise comportamental e social”. Acha que é instrumento intelectual capaz de solucionar o que Keynes chamou de o problema político da humanidade, ou seja, “como combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual”. Ela conclui que, graças, em grande parte, a esses homens, “a noção de que 90% da humanidade poderia se libertar de seu fado milenar se enraizou durante a era vitoriana em Londres. E de lá se alastrou pelo mundo como ondas num lago, até transformar muitas sociedades ao redor do mundo. E ainda continua se alastrando”.

Leia maisSumário de A Imaginação Econômica

Luis Nassif

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