O poder incontrolável de André Esteves e dos financistas

Passado o pesadelo, a reconstrução do país estará irremediavelmente comprometida, sem as ferramentas básicas para a recuperação do dinamismo econômico.

O poder abusivo dos grandes grupos financeiros tornou-se ameaça global. Foi a pior herança do longo período de desregulação financeira, de predomínio avassalador do ultraliberalismo que foi gradativamente destruindo a ordem do pós-guerra.

Os abusos do período acentuaram a concentração de renda, geraram como reação o advento do nacionalismo de ultradireita, estimularam a violência e o desmonte institucional de nações. Mas deixaram uma herança maldita: a enorme concentração de poder econômico e jurídico nas mãos de grandes financistas.

No Chile de Pinochet, nos anos 70, ocorreu fenômeno semelhante. Aproveitando o choque politico provocado pela queda do regime, os ultraliberais da escola de Chicago deram início a um processo de venda indiscriminada de ativos públicos. Chegaram a privatizar o maior banco público chileno, com tal gana que despertaram a atenção do ditador. Ele acabou prendendo parte dos financistas aventureiros, depois de tachá-los de “piranhas financeiras”.

No Brasil, esse tipo de personagem bebeu até o fim nas operações de juros elevados e câmbio baixo que marcaram os governos FHC, Lula e Dilma – com um breve interregno em que os juros foram derrubados, mas não houve força política para mantê-los baixos. Antes disso, deram enormes tacadas em um processo de privatização com cartas marcadas.

Agora, tendo como aríete a Lava Jato, os “piranhas financeiros” brasileiros arrombaram os portões de qualquer institucionalizada, qualquer sistema de freios capazes de conter sua gana e impedir a destruição da máquina pública brasileira.

Dilma tinha  enorme quantidade de defeitos, como governante. Mas tinha uma qualidade central: não fazia negócios, sequer para salvar o próprio mandato.

O movimento dos lobistas em direção a Brasilia passou a se intensificar com a perspectiva de fim do governo Dilma e de implantação da tal Ponte Para o Futuro, a pinguela ideológica aplicada no coral uníssono da mídia, e destinado a criar uma falsa legitimação para os maiores negócios com ativos públicos da história da economia brasileira..

Antes disso, a Lava Jato iniciara a rodada final de consolidação da financeirização da economia, destruindo o mais forte setor da economia real – as empreiteiras – e poupando os “piranhas financeiros” através de um acordo com o Banco Central que praticamente livrou-os de punições. E tudo sob o silêncio cúmplice da mídia.

A operação Ponte Para o Futuro foi a concretização desse desmonte, abrindo espaço para a maior queima de ativos públicos da historia, superior até às privatizações do período FHC.

Com a queda de Dilma, Temer acelerou um processo de reformas que com profundas implicações sobre  equilíbrio das famílias de trabalhadores. Mudou a Previdência, desmontou a legislação trabalhista, cortou radicalmente verbas para inovação, educação, saúde. E, assim procedendo, teve a biografia limpa pela mídia. Com Paulo Guedes, o governo Bolsonaro prossegue no jogo.

O aríete desse desmonte foi a Lava Jato, ideologicamente alinhada com o financismo, não apenas no perfil deslumbrado de Deltan Dallagnol, classe média abastada cliente de bancos de investimento, como na definição dos alvos. De um lado, a Lava Jato destruiu  destruiu a engenharia nacional; de outro poupou os grupos financeiros envolvidos com a corrupção, ante silêncio submisso da mídia.

Hoje em dia, personagens como André Esteves, do BTG-Pactual, passaram a ter ampla influência. Praticamente não tem nenhum poder que atue como moderador, nem o Judiciário, nem a mídia, nem tribunais de conta.

No caso da licitação da Zona Azul, em São Paulo, conseguiu cooptar a Prefeitura Municipal, os conselheiros do Tribunal de Contas do Município, calar os grupos de mídia, influenciar os tribunais. E tratar com mão pesada os poucos recalcitrantes.

Não se trata de movimento eventual.

Nos últimos anos, esses financistas brasileiros descobriram a importância de cooptação de todos os setores fiscalizadores da coisa pública. Investiram em portais de notícia, adquiriram revistas, assumiram o controle de sites e blogs, passaram a remunerar palestras de ministros, desembargadores e procuradores; tornaram-se os maiores anunciantes da mídia tradicional.

O BNDESPAR (o braço de participações do BNDES) passou a investir no mercado através de fundos privados administrados por ele. As propostas de reforma fiscal os têm poupado sistematicamente. As grandes estatais, como a Petrobras, os contratam para projetos de privatização, nos quais atuam  na preparação da licitação e, provavelmente, na compra da empresa.

E esse desmonte foi sancionado pelo Supremo Tribunal Federal, ao permitir a privatização de subsidiárias de estatais, mesmo sem a aprovação do Congresso.

As operações de venda geraram enormes ganhos para toda a cadeia improdutiva do mercado, consultores que preparam a venda, escritórios de advocacia, fundos que adquirem as ações. E o resultado final são empresas esvaziadas, perdendo valor.

É um desmonte que não leva em consideração as consequências sobre cada setor. A venda da Eletrobras significará tirar do mercado o único agente moderador de tarifas. Haverá uma explosão das tarifas domésticas e industriais.

Para permitir melhorar a rentabilidade do mercado, no financiamento de longo prazo, aumentaram os custos do BNDES, impactando toda a cadeia de investimentos em infraestrutura.

E todas essas instituições – mídia, Supremo, Judiciário, Congresso – fecham os olho para o desmonte das políticas científico-tecnológicas, as políticas sociais, o SUS, as universidades.

Passado o pesadelo, a reconstrução do país estará irremediavelmente comprometida, sem as ferramentas básicas para a recuperação do dinamismo econômico.

Luis Nassif

18 Comentários

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  1. Nassif, desculpe.
    Mas por que você acha que alguém, dos que têm poder, vai se preocupar em reconstruir o País???
    Não é um desmonte.
    É uma reconfiguração.
    Ainda mais que controlam todas as instâncias de Poder.
    Se olhares do ponto de vista deles, tem lógica.
    Mas não há nenhum humanismo aí.
    Só dureza e implacabilidade na veia!
    Quem não for viável (aproveitável) será descartado, e que se vire de alguma forma.
    Igual a uma empresa deficitária.
    Hoje é mais fácil de levar o dinheiro embora. E sabemos que boa parte dele já está fora mesmo.
    Crise? Ela não existe para a finança.
    Sempre ganham.
    Vai piorar.
    O Brasil, acabou.
    E foi de propósito.
    E será para sempre.

    1. Desculpe, caro Paulo Araujo, mas essa retórica é a mesma de outro Paulo, o Guedes.
      É claro que O Brasil não acabou – o Brasil não é uma firma é um país, e um país não acaba nunca – e que esse golpe do capitalismo é passageiro, instável, insustentável. Ou melhor, só pode ser sustentado com violência. Considerando que para manter o controle, a violência tem que ser crescente, há o momento em que esse golpe será desfeito. E esse é um momento delicado: ou se arranca o mato pela raiz ou ele volta a crescer. Sem metáfora, ou se repete o erro da turma do Ulysses Guimarães – anistia aos criminosos que corromperam a democracia, sendo eles militares ou civis, donos ou empregados da iniciativa privada ou funcionários públicos, tanto faz – ou se cria uma democracia mais sólida. Como já vimos, pouco adianta criação de leis, a CF de ’88 é prova disso. O que é necessário, e já está sendo feito em escala e profundidade inimagináveis para os golpistas, é a aquisição cultural de cidadania. Para isso tanto os mais civilizados trabalham quanto temos tido a colaboração dolorida das lições impostas pelos selvagens. A barbárie do capitalismo finalmente mostrou sua cara, é impossível não vê-la, tanto em reflexões quanto na prática: no mínimo o Chile está aí como prova concreta de como o capitalismo sequestra as possibilidades de prosperidade individual e soberania nacional. Por outro lado a China não apenas está sabendo se impor sem violência como também tem sabido promover a prosperidade individual de seus cidadãos. Capitalismo – o pessoal chama de Capitalismo de Estado – controlado, administrado… civilizado, enfim, e não bárbaro, selvagem, primitivo como é o do dólar.

      De qualquer forma, se se quiser evitar engano em previsões, não se decrete o fim da civilidade nem do nosso país por causa apenas dessa passageira invasão bárbara.

      1. A excrescência é essa moda por reformas desrespeitando a CF, é golpe, é mutreta, é roubo, e uma muleta para canalhas e larápios enriquecerem as custas do Estado negando-o…….. reformas são desrespeito as leis e ao povo brasileiro, e tem que acabar, a constituição é para ser respeitada e não mutilada pelos canalhas e gatunos da hora……

      2. Amigo, não gosto nem quero viver o que estamos vivendo.
        Se dei a perceber que concordo, é o contrário.
        Mas não vou me iludir.
        Mesmo quando o Golpe ainda não tinha acontecido, já percebia o que viria.
        Pois é, tivemos o Golpe e o resto é o que se viu e vê.
        Sou leitor no Nassif há muitos anos, desde o Dinheiro Vivo.
        E sempre me espanto pelo otimismo dele em relação a pessoas.
        Sempre tenho a impressão de que ele acha que os caras fazem o que fazem não por vontade e sim por algum engano.
        E que se informados mudarão o rumo.
        Isso jamais me impedirá de voltar aqui, porém.
        Para os poderosos, cada um de nós é uma laranja que pode ser espremida até tirar o suco. Depois, é só pegar a próxima.
        A condição atual do Brasil é de uma suruba bem louca, e todos querem pegar uma carona nela antes que a música acabe.
        Como se não houvesse amanhã.
        Falar em preocupação neste clima chega a ser estranho. Ninguém se preocupa com nada, mas cada um quer pegar sua parte.
        Vale para tudo.
        Seja floresta depois de queimada, empresas públicas, serviços a população, sei lá…tudo, é uma suruba!!!
        Se eu fosse um estrangeiro, olharia para o Brasil atual com espanto e curiosidade, para saber como é que pode ter um lugar assim.
        Mas eu não sou.
        Me sinto como se estivesse no Titanic, na viagem.
        Mas tivesse visto o filme, antes.

        Abraço.

  2. O dilema é construir ou reconstruir, a velha Europa mesmo destruída no conflito da segunda grande guerra conseguiu Reconstruir o País, ainda existia uma massa intelectual que fascismo e nazismo não tinham sufocado. Foram estas verdadeiras lideranças a superar os ódios criados pelas ditaduras e colocar as bases da UE.
    Na terra da Santa Cruz existem lideres pátrios para Construir?

  3. Os rentistas são os senhores de escravo 2.0 . Chegará um momento em que os governos terão de enfrenta-los se não quiserem o caos. Quase certo que assim como o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão ele também será último a sair das garras do rentismo. Mas será que haverá ainda Brasil antes desse dia chegar ?

    1. Mentira, o último país a acabar com a escravidão foi a Mauritânia na década de 1980. Os EUA só acabaram com a segregação racial em 1965, no fim das Leis Jim Crow.

  4. Caro Nassif,
    Observando as condenações sem provas do LULA, e as blindagens dos corruptos tucanos de do ex presidente TEMER, percebe-se que há um Judiciário Brasileiro, algo por trás, porque está mais a serviços do ricos ou poderosos do que fazer JUSTIÇA. Ora, pensando com caso de Serra e Temer, há um toma lá e dá cá, quantos favores fizeram Serra, Aécio e Temer a estes que os protege no Judiciário? Pra mim parece ser está troca de favores que os protege – O TRÁFICO DE INFLUENCIA. COMO O PRES. LULA NÃO SE PRESTOU A ESSA TROCA DE FAVORES, ELE FOI PERSEGUIDO.

  5. Sou leitor assíduo do ggn, o que há de melhor na imprensa brasuca. Não preciso discorrer sobre a importância da publicidade para a manutenção do saite. Ocorre que uma avalanche de anúncios já há tempos tem atrapalhado a leitura. Daí a pergunta, sem o menor traço de malicia: assinantes se vêem livres dos anúncios?

      1. Oi Cláudio, grato pelo toq. Acredite: até hj espero por uma resposta — sigo sem saber se assinante fica livre anúncios. Fui um potencial assinante desse q considero dos mais lúcidos portais de notícias. Fui…

  6. Parabéns Nassif, um dos poucos que falam abertamente da apropriação de governos por bancos ou corporações. Devíamos ir além, ao ler os outros comentários, as pessoas assumem a premissa da maçã podre, onde se removermos os mais atores e políticos tudo utopicamente funcionará com humanismo. O golpe de violência que não percebemos é que estruturas de governo são criações historicamente desenhadas pelo topo da pirâmide, moldadas como as sociedades secretas e cultos, hierarquizadas e compartimentalizadas, com o sol, aquele que carrega a luz, no topo, exercendo sua autoridade sobre seus sujeitos que obedecem não voluntariamente, mas por medo de punição e coação, visto que a base do estado de direito são ações coercitivas. Coação não é um direito, não importa quantos juristas escrevam que é. Não existem governos, só existem bancos e corporações. Uma maçã podre compromete todo o cesto, governos são cultos, a única forma igualitária de se organizar é com voluntariado e horizontalidade. O único empenho da raça humana não deve ser ficar correndo eternamente para corrigir sintomas de suas doenças, mas sim o de fazer a todos entenderem que Direitos não são constitucionais, mas existenciais, e que a única solução é difundir o conhecimento para que cada um seja governante de si mesmos, só assim deixaremos de ser escravizados por entidades e atores externos.

  7. Fomos jogados nas garras da ambição suprema…
    algo assim como a recolonização, pelos rentistas, de um país já dividido em capitanias hereditárias

    coronelismo tradicional, mas nas mãos de um só representante

  8. A esquerda radical (sic) ABUSA de desperdiçar oportunidades de deixar claro que o capitalismo É a corrupção, que a superfatura É a “lei do mercado”…

    Claro, atacar o PT, PT, PT e a esquerda reformista é muito mais cômodo; confrontar o bloco da direita dá mais trabalho.

  9. A esquerda radical (sic) ABUSA de desperdiçar oportunidades pra deixar claro que o capitalismo É a corrupção, que a superfatura É a lei do mercado…

    Claro, atacar o PT, PT, PT e a esquerda reformista é sempre mais cômodo; confrontar o bloco de direita dá mais trabalho….

  10. Nelson Jobim continua empregado de André Esteves ?
    Mas o Nelson Jobim não é tido como uma pessoa de “reputação ilibada” ?
    E o notável Pércio Arida continua sócio de André Esteves?
    Mas o Pércio Arida não é tido como uma pessoa “íntegra, incorrupta” ?

  11. Gostei das informações do jornal. Infelizmente, continuamos sendo saqueados. Mais de quinhentos anos de saque. Até quando? Se o Brasil é o paraíso dos financistas, é porque antes há um investimento alto, que gera lucros estratosféricos, na produção da educação alienante das massas, nas escolas e fora delas. Acredito que as Universidades públicas precisam se aproximar do ensino fundamental e médio, de modo permanente. Há um abismo. O inimigo do professores, não são professores. A provação do FUNDEB, como permanente, só se materializá-la em benefícios reais, se cada professor, aluno e pais de alunos, terem pleno conhecimento do conteúdo EC -108, e lutarem por sua efetivação.

  12. “As operações de venda geraram enormes ganhos para toda a cadeia improdutiva do mercado, consultores que preparam a venda, escritórios de advocacia, fundos que adquirem as ações. E o resultado final são empresas esvaziadas, perdendo valor.”

    Os custos de um IPO variam de 2,5 a 5,5%. Tudo para se fazer, basicamente, arquivos sob modelo padrão. É algo, em tudo, similar a uma atividade cartorária. É uma remuneração absurda e para um mercado, de fato, absolutamente produtivo. Ora, existindo linhas de financiamento ao capital produtivo com taxas de 5% ou mesmo levemente superiores, é evidente que não faria qualquer sentido assumir um custo de captação dessa natureza (pago à vista, praticamente).

    É uma ciranda giratória – o mercado financeiro se retroalimenta com taxas sobre taxas, embutidas e/ou sem qualquer transparência.

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