O que precisa ser feito para segurar o dólar

Jornal GGN – Em artigo publicado em seu blog no Estadão, o jornalista João Villaverde levanta medidas que o governo poderia tomar para brecar a desvalorização do real ante o dólar. De acordo com economistas, a equipe econômica de Dilma Rousseff deve agir para evitar que o câmbio contagie ainda mais a inflação através de reajustes de preços cotados na moeda dos EUA.

Uma das medidas possíveis seria aplicar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado, no intuito de diminuir a especulação com o o real, que tem tido papel importante nos movimentos bruscos das últimas semanas. Com o IOF, o governo também teria uma outra fonte de arrecadação.

Já a economista Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o governo não deve voltar a praticar a chamada “âncora cambial”, que em colocar a disposição do mercado o colchão de US$ 370 bilhões em reservas internacionais mantidas pelo Banco Central. Para a professora, “vender reservas somente faria deteriorar a credibilidade do Banco Central, porque teremos chegado na última alternativa. Quando acabarem as reservas, qualquer desvalorização adicional vai gerar uma crise cambial, que foi o que ocorreu entre 1998 e 1999”.

Do Estadão

O que o governo deveria fazer para segurar o dólar

João Villaverde

A cotação do dólar foi de R$ 2,66 em fevereiro deste ano, saltou a quase R$ 4,20 em setembro e agora oscila em R$ 3,80. O que o governo pode fazer para evitar esses movimentos?

O governo Dilma Rousseff deveria intervir no mercado de câmbio para evitar que novas desvalorizações do real em relação ao dólar contagiem ainda mais a inflação por meio dos reajustes de preços cotados na moeda americana, como bens importados. Essa é a avaliação de economistas ouvidos pelo blog.

O governo poderia aplicar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado, como forma de diminuir a especulação com o real, que, segundo eles, tem sido decisiva para os movimentos bruscos verificados nas últimas semanas. A estratégia também seria benéfica para as contas públicas, uma vez que o IOF engordaria em alguns bilhões de reais os cofres da Receita Federal.

Segundo a economista Laura Carvalho, doutora pela New School of Economics (EUA) e professora da Universidade de São Paulo (USP), o governo não deve, “em nenhuma hipótese”, voltar a praticar o esquema da chamada “âncora cambial”, como foi sugerido recentemente pela economista Mônica de Bolle, que inclusive recomendou para isso a venda intensa de dólares das reservas cambiais. A estratégia consistiria em colocar a disposição do mercado o colchão de US$ 370 bilhões em reservas internacionais mantidas pelo Banco Central, como forma de valorizar o real e, assim, reduzir os preços dos bens e serviços importados, diminuindo a inflação em 2016.

Vender reservas somente faria deteriorar a credibilidade do Banco Central, porque teremos chegado na última alternativa. Quando acabarem as reservas, qualquer desvalorização adicional vai gerar uma crise cambial, que foi o que ocorreu entre 1998 e 1999“, diz Laura, para quem a iminência do aumento de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), exige que o governo brasileiro volte a pensar em políticas de “regulação de capitais”.

O Fed está próximo de voltar a elevar as taxas de juros, que estão paradas há quase 9 anos em quase 0% ao ano. Um aumento dos juros nos EUA, segundo analistas privados e o próprio governo, deve provocar uma corrida de dólares hoje aplicados em países emergentes para os Estados Unidos. Seria um movimento de curto prazo, mas que pode marcar o início de uma nova rodada de desvalorização do real.

Uma regulação do mercado de câmbio para coibir a especulação poderia, inclusive, “ser facilmente apresentada” pelo governo ao mercado, entende o especialista Pedro Rossi, doutor e professor da Unicamp. Rossi, que está prestes a lançar um livro sobre o sistema cambial brasileiro, avalia que mesmo a baixa popularidade do governo não seria um impeditivo para a medida.

Não adianta dizer que tem reservas. Se começar a vender esses dólares, o BC será engolido pelo mercado. A taxa de câmbio no Brasil é especialmente formada pela especulação. Temos um mercado à vista e outro que é o interbancário. Ambos são bem regulados. Mas o mercado de derivativos é desregulado e lá que a taxa de câmbio é realmente definida“, disse Rossi, em referência às negociações diárias feitas por investidores na BM&FBovespa e na Cetip, ambas em São Paulo, com os chamados “contratos futuros” de câmbio. Grosso modo, os investidores fazem apostas sobre a cotação do dólar em um período futuro. “São apostas que se autorrealizam pelo próprio mercado“, diz Rossi.

É no mercado futuro que, até aqui, o BC tem atuado para controlar a cotação do real e atenuar movimentos bruscos. Desde o início do ano até 2 de outubro, o BC perdeu R$ 108,3 bilhões com a venda dos chamados “contratos de swap”. Pelos contratos, o mercado ganha sempre que o dólar sobe, enquanto o BC lucra quando a moeda americana cai. Somente em setembro, com a super desvalorização que levou o dólar para mais de R$ 4,10, o BC perdeu R$ 38,6 bilhões. “É claro que não é objetivo da política cambial dar perdas ou ganhos para o BC, mas fornecer proteção em dólar ao mercado. O problema é que o BC está apenas fornecendo instrumento de especulação do mercado contra o próprio BC. O melhor caminho é a regulação do mercado, pelo BC, e a cobrança, pelo Ministério da Fazenda, de IOF sobre o excesso da ‘posição comprada’ pelo mercado“, diz Rossi.

De acordo com Laura, da USP, o risco para a inflação em 2016 não é subir em relação ao patamar esperado para este ano, mas o de não cair tanto quanto poderia.

Laura Carvalho, professora da USP

Laura Carvalho, doutora em economia e professora da USP

Em 2015, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar próximo a 9%, impulsionado, segundo os economistas, pela combinação entre o reajuste generalizado de preços antes controlados pelo governo, como gasolina, energia elétrica e transportes públicos, e pelo repasse do real desvalorizado aos preços por meio dos importados. Já em 2016, quando não haverá mais fortes reajustes dos preços administrados e a recessão continuará na economia, havia no governo expectativa para o IPCA registrar uma alta próxima a 5,5%. O mercado, por outro lado, aposta que a alta será de 6,7% (acima do teto da meta, novamente, mas um aumento muito inferior ao de 2015).

Se o real voltar a se desvalorizar fortemente, como ocorreu até o fim de setembro, a inflação não cairá tanto em 2016. Mas não será maior do que neste ano, nada próximo de patamares muito elevados, como 15% ou 20%. Há um limite para o repasse do dólar para os preços e esse limite é a recessão“, disse Laura, para quem o aumento do desemprego e a queda da massa salarial diminuem o ímpeto do consumo das famílias e das empresas e, portanto, suavizam os reajustes de preços.

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Em julho de 2011, o governo Dilma Rousseff aplicou uma inédita cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o mercado futuro de câmbio, na BM&FBovespa e na Cetip. O governo passou a cobrar uma alíquota de 1% sobre as posições vendidas no mercado futuro de dólar. Havia, naquele momento, um recorde histórico de US$ 24,6 bilhões do mercado apostando na valorização do real ante o dólar (a chamada aposta na “posição vendida”).Com o IOF, o governo conseguiu em apenas dois meses zerar essas apostas, o que ajudou a fazer o dólar subir gradativamente da cotação de R$ 1,60 no primeiro semestre de 2011 para acima de R$ 2,00 – era interesse do governo, naquele momento, desvalorizar o real para aumentar a remuneração dos exportadores. A cobrança do IOF no mercado futuro foi abandonada em junho de 2013, quando o real começou a se desvalorizar mais rapidamente por conta da piora dos indicadores fiscais brasileiros e dos sinais dados pelos Estados Unidos de que a política de estímulo econômico iniciada para combater a crise de 2008 poderia acabar.

Agora, segundo especialistas, o governo deveria retomar a mesma estratégia de 2011, mas na posição contrária. O movimento do mercado está excessivamente montado sobre a “posição comprada”, que aposta na desvalorização do real.

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Para além das discussões sobre o que fazer ou não para controlar o dólar e seus efeitos sobre os preços, há um fato indiscutível: o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, até agora não conseguiu entregar a inflação na meta – e sequer passou perto disso.

Tombini assumiu o BC em 1º de janeiro de 2011 e continua no cargo até hoje. Supondo que Tombini ficará no cargo ao menos até o fim de 2016, ele terá passado seis anos no BC sem nunca ter levado o IPCA para 4,5% ou mesmo perto disso.

2011 – 6,5%
2012 – 5,8%
2013 – 5,9%
2014 – 6,4%
2015 – 9%
2016 – 5,8% (segundo projeta o governo) ou 6,7% (segundo projeto o mercado).

A última vez que o IPCA fechou um ano próximo da meta foi em 2009. Naquele ano, a inflação aumentou 4,3% (abaixo, até, da meta) e o presidente da autoridade monetária era o antecessor de Tombini, o economista Henrique Meirelles.

Redação

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  1. Por que o Real não pode

    Por que o Real não pode desvalorizar? Inflação? Ano que vem isso se estabiliza; congela salários imerecidos; e faz-se um bom ajuste.

  2. Reservas Cambiais equivale a 30% meios de pagamento.

    Hoje as Reservas Cambiais estão em US$$ 370 bilhões, representando R$ 1,5 trilhões, quase 30% dos meios de pagamentos, considerando uma taxa de câmbio de R$4,05 por dólar.

    anexo

    Política Monetária e Operações de Crédito do SFN
    Banco Central do Brasil -NOTA PARA A IMPRENSA – 23.9.2015—-ZIP – 214 Kb

    II – Evolução dos agregados monetários
    A base monetária atingiu saldo médio diário de R$229,4 bilhões em agosto, com declínio de 2% no mês, decorrente dos recuos de 10,2% nas reservas bancárias e 0,4% no papel-moeda emitido. A expansão em doze meses alcançou 1,4%.

    Entre os fluxos mensais dos fatores condicionantes da base monetária, destacaram-se os ajustes nas operações com derivativos, com expansão de R$17,2 bilhões. As operações com títulos públicos federais, que incluem a atuação do Banco Central no ajuste da liquidez no mercado monetário, foram contracionistas em R$6,2 bilhões, e os depósitos de instituições financeiras, que incluem os recolhimentos compulsórios, em 2,8 bilhões. O impacto referente aos títulos públicos refletiu colocações líquidas de R$47,7 bilhões no mercado primário e compras líquidas de R$41,5 bilhões, no mercado secundário.
    O saldo médio diário dos meios de pagamento restritos (M1) atingiu R$299,6 bilhões em agosto, após redução de 2% no mês, resultante das retrações de 3,6% nos depósitos à vista e de 0,5% no papel-moeda em poder do público. Em doze meses, o M1 recuou 2,2%.

    O M2, que corresponde ao M1 mais depósitos de poupança e títulos privados, contraiu-se 0,1% em agosto, totalizando R$2,2 trilhões. O saldo dos depósitos de poupança manteve-se estável na comparação com o mês anterior, somando R$650,6 bilhões, após resgates líquidos de R$7,5 bilhões. O saldo dos títulos privados aumentou 0,1%, atingindo R$1,2 trilhão, a despeito de resgates líquidos de R$6,7 bilhões em depósitos a prazo.

    O saldo do M3, que compreende o M2, as quotas de fundos de renda fixa e os títulos públicos que lastreiam as operações compromissadas entre o público e o setor financeiro, elevou-se 0,2% no mês, atingindo R$4,5 trilhões. O saldo das quotas de fundos de renda fixa cresceu 0,5%, somando R$2,2 trilhões, enquanto as operações compromissadas, cujo saldo alcançou R$161,5 bilhões, aumentaram 1,3% em relação a julho.

    O M4, conceito que compreende o M3 e os títulos públicos de detentores não financeiros, apresentou expansões de 0,3% no mês e de 9,4% em doze meses, totalizando R$5,3 trilhões.

    URL:

    http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM

    http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPHIST

     

  3. Venda de parte das reservas cambiais

    Para o mercado comprar US$ 100 Bilhões das Reservas Cambiais a US$ 3,80 seriam necessário R$ 380 bilhões, o que provocaria uma nova roda de queda em real dos preços dos ativos, já que para comprar dólares os agentes econômicos precisariam vender os ativos que estão reais, ações, títulos públicos, títulos privados e imóveis

    Já ocorreu uma depreciação significativa dos ativos, imóveis, ações. títulos públicos e  títulos privados. Esta depreciação dos ativos reduz a quantidade de dólares que pode ser comprada com a venda de ativo que torna a ação de venda de parte de dólares das Reservas Cambiais mais do suficiente para impedir novas altas na taxa de Câmbio, único fator que pressiona a inflação em reais no momento.

    Quando ocorre uma  significativa mudança no cenário econômico pela alteração dos juros americanos, alteração da nota de crédito pelas agências internacionais ou quebra no sistema financeiro internacional, há uma intensa movimentação no mercado de câmbio.

    Se alteração provoca aumento da demanda por dólares, os agentes econômicos tomam posições compradoras no mercado de câmbio, com exportadores retendo ao máximo os dólares das exportações, os importadores comprando o mais rápido possível os dólares para quitar as importações, as instituições financeira e empresas cancelando a contratações de novos empréstimos e quitando antecipadamente os empréstimos já realizados, alterando significativamente a fluxo normal de  dólares no mercado de câmbio, o que torna necessário a ação do BC vendendo dólares para restabelecer a normalidade e sinalizar o patamar da taxa de câmbio.

    A venda de parte dos dólares das Reservas Cambiais no mercado vista, faria com  que exportadores e importadores retomassem o fluxo normal de venda e compra de dólares.

    No momento seguinte as instituições financeiras e as grandes empresas iniciam a retomada dos empréstimos no mercado internacional, aumentando a oferta de dólares, criando condições para o BC recomprar parte do dólares que foram vendidos para estabilizar a taxa de câmbio, recompondo as Reservas Cambiais.

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