O relaxamento fiscal fisiológico do governo interino, por Laura Carvalho

 
Jornal GGN – Laura Carvalho, professora da FEA-USP, analisa o anúncio de deficit públicos recordes para 2017 feito pelo governo interino de Michel Temer, o que “apressou o desembarque de alguns analistas econômicos”. Para ela, medidas como a renegociação da dívida dos Estados e a aprovação dos reajustes para o funcionalismo enfraquecem o discurso que atribuía a previsão maior de deficit a uma “herança maldita” da gestão Dilma Rousseff, abrindo espaço para um debate mais honesto sobre a questão fiscal.
 
Carvalho cita estudo de pesquisadores do Ipea apontando aumento nas despesas do governo federal a taxas acima do PIB nos útlimos quatro mandatos presidenciais, desde o segundo governo FHC, dizendo que o “mito da gastança” se apóia no aumento das despesas com benefícios sociais. No entanto, os dados revelam que O mito da gastança talvez se apoie no aumento das despesas com benefícios sociais.
 
“a deterioração nas contas públicas deve-se em boa medida à queda da arrecadação tributária, fruto das desonerações concedidas e do baixo crescimento econômico”, argumenta a professora, dizendo também que o governo interino de Temer adota um relaxamento fiscal para garantir o impeachment, com impactos sobre o deficit dos próximos anos e “baixo efeito multiplicador sobre a renda e o emprego”. 

 
Da Folha
 
Céu de mentira
 
Laura Carvalho
 
A aparente solidez do bloco social e político que afastou Dilma Rousseff do exercício da Presidência desfez-se em menos de 90 dias. Somado ao constrangimento das revelações diárias do envolvimento das principais lideranças políticas do governo interino com esquemas vultosos de corrupção, o anúncio de deficit públicos recordes para 2017, e quiçá 2018, apressou o desembarque de alguns analistas econômicos.
 
Os termos da renegociação da dívida dos Estados, a licença para gastar concedida aos ministérios da base e a aprovação dos reajustes para o funcionalismo fizeram com que a generosidade dos economistas tidos como mais sérios desse lugar ao ceticismo. O mesmo não vale para muitos analistas no mercado, que, diga-se de passagem, ainda mostram tolerância inédita com a situação fiscal em degradação.
 
A perda de força do discurso que atribuía toda a previsão maior de deficit a uma herança maldita de Dilma pode abrir espaço para um debate mais honesto acerca da questão fiscal.
 
Os dados apresentados no “Texto para Discussão” nº 2.132, de Sergio Gobetti e Rodrigo Orair, do Ipea, mostram que as despesas do governo federal cresceram em termos reais a taxas acima do PIB nos últimos quatro mandatos presidenciais: em média 3,9% no segundo mandato de FHC; 5,2% e 4,9% nos dois mandatos de Lula e 4,2% no primeiro mandato de Dilma (incluindo as despesas das chamadas pedaladas fiscais). Os gastos com o funcionalismo cresceram a taxas muito inferiores e tiveram sua menor expansão (0,2%) justamente no primeiro mandato de Dilma Rousseff.
 
O mito da gastança talvez se apoie no aumento das despesas com benefícios sociais, incluindo aposentadorias e pensões do INSS, seguro-desemprego, Bolsa Família e outros benefícios. O que os dados mostram, no entanto, é que o total dessas despesas cresceu 5,2% no governo Dilma, ante 5,9% no segundo mandato de FHC, por exemplo. Ou seja, esses gastos vêm crescendo acima do PIB desde 1999, tanto por fatores demográficos quanto pelo desejado aumento da formalização e do salário mínimo.
 
Uma diferença é que nos governos anteriores as receitas também cresciam mais: 6,5% no segundo mandato de FHC; 5,2% e 4,9% nos dois governos Lula (mesmo com o fim da CPMF no segundo mandato) e só 2,2% no primeiro mandato de Dilma. Ou seja, a deterioração nas contas públicas deve-se em boa medida à queda da arrecadação tributária, fruto das desonerações concedidas e do baixo crescimento econômico.
 
A substituição dos investimentos públicos –que passaram de uma expansão de 21,4% no segundo governo Lula para uma queda de 0,5% no primeiro mandato de Dilma– por uma política de desonerações tributárias que totalizará R$ 458 bilhões até 2018 não parece ter sido uma boa aposta.
 
O governo Temer acrescentou a essa estratégia um relaxamento fiscal fisiológico para garantir o impeachment, com impactos deletérios sobre o deficit dos próximos anos e baixo efeito multiplicador sobre a renda e o emprego. O paraíso prometido com a derrubada da presidente Dilma revela-se cada vez mais “um céu de mentira, presente do passado que não muda”, deve lamentar o poeta –de novo indignado– Augusto de Campos. 
Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador