O superávit da conta petróleo em 2017, o pré-sal e a indústria nacional, por Leonardo Guerra e Günther Borgh

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O superávit da conta petróleo em 2017, o pré-sal e a indústrial nacional

por Leonardo Guerra e Günther Borgh

De janeiro a juho deste ano a conta petróleo registrou um superávit de US$ 3,8 bilhões. Sem dúvida, este é um fato digno de destaque, mas que, além da nota oficial do Departamento de Estatística do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, nada mais se falou a respeito. Este silêncio sepulcral é muito preocupante, pois um fato extremamente caro para a sociedade brasileira passa despercebido neste momento de crise nacional onde todos se veêm sem perspectivas para o futuro.

É digno de nota que as contas externas do país sempre delimitaram as perspectivas de desenvolvimento econômico da nação. Algumas vezes, a incapacidade de honrar compromissos internacionais levou o país a profundas crises. A nossa geração, por exemplo, se viu subtraída de duas décadas de crescimento econômico por uma “crise do petróleo”. Na sua essência, a ausência de produção interna e incapacidade de importar, fizeram definhar o último ciclo de desenvolvimento econômico do século XX.

Agora, quando podemos contar com esta superação, nada falamos. Não há debate sobre as perspectivas que se abrem, não discutimos abertamente a revisão dos marcos regulatórios, os erros e acertos  da estratégia industrial e tecnologica implementada. Este silêncio terá consequencias perversas para o sociedade, que mais uma vez, vai deixar de trabalhar para o aumento do valor agregado da indústria nacional e deixar seguir a vocação primário exportadora de sempre.

Com certeza, existem revisões fundamentalmente necessárias, mas existem outras que, se tomadas sem o balizamento dos benefícios obtidos até agora, vai impor perdas irrecuperáveis à sociedade brasileira em termos de geração de emprego, renda, ciência e tecnologia.

Hoje, mais de 1 milhão de barris de óleo equivalente (boe) são extraídos do pré-sal. Do ano 2000 até 2016 a produção nacional cresceu quase três vezes e isso aconteceu de uma forma até então inimaginável do ponto de vista econômico e tecnológico. O que vivemos nos últimos anos neste sentido mostrou que o Brasil possui (acreditem) uma enorme capacidade de superação de desafios e neste momento é oportuno lembrar os benefícios trazidos. Somente assim, podemos dimensionar o que colocaremos em risco no caso de uma radical mudança na regra de conteúdo local.

A superação da fronteira tecnológica da exploração em alto mar e em águas profundas teve reconhecidos benefícios econômicos para o país: em 2014, no ano da menor taxa de desemprego da história, 40% do investimento industrial estava associado ao pré-sal.

A reabilitação da indústria naval e offshore brasileira é, indiscutivelmente, a face mais visível do esforço industrial associado ao desenvolvimento dos campos do pré-sal. No início do ano 2000, o emprego no setor era próximo de 2 mil empregados e, no final de 2013, mais de 80 mil pessoas estavam diretamente ligados a este setor. Assistimos à construção de estaleiros de classe mundial em todo o país, como Rio Grande do Sul, Pernambuco e na Bahia. Houve um esforço contínuo de aprendizado em relação a tecnologia de produto e de gestão e hoje existem, além das estruturas para o içamento de blocos e diques seco de alta capacidade, uma rede de fornecedores capaz de atender, de maneira competitiva, suprimentos de maior valor agregado para atender novas demandas.

Os novos estaleiros redesenharam a geografia da indústria naval e offshore brasileira, anteriormente concentrados no Rio de Janeiro. Estaleiros para a construção de cascos e integração de ativos como plataformas do tipo FPSOs (Floating Production, Storage and Offloading) e navios sonda.

Os canteiros para a construção de módulos de navios e outros equipamentos de exploração em alto mar se distribuíram do sul até o nordeste do país, criando um movimento de dinamização no emprego, na renda e na arrecadação de tributos nos municípios hospedeiros destes investimentos.

O Norte e Nordeste brasileiros foram positivamente impactados por esta indústria. No Vale do Aço, no interior de Minas Gerais, surgiu um arranjo produtivo local (APL) voltado para a identificação de oportunidades de produção de bens e serviços para a indústria do petróleo, numa região notadamente dependente da indústria siderúrgica.

A capacidade de processamento de aço também cresceu de forma significativa para atender esta demanda. Novas tecnologias de produção de aço foram desenvolvidas e novos materiais estão continuamente sendo pesquisados para a produção nas condições hostis do pré-sal.

Visando aumentar a densidade tecnológica e com isto aumentar o valor agregado desta indústria, um programa de apoio ao desenvolvimento de APLs foi desenhado para ser executado em parceria entre vários órgãos de fomento, públicos e privados. Centros de capacitação tecnológico, investimentos em infra-estrutura, financiamentos de longo prazo com juros reais menores seriam ofertados para estimular a competitividade em Rio Grande, no Rio Grande do Sul; em Maragogipe, na Bahia; em Ipojuca, no Pernambuco; no Vale do Aço, em Minas Gerais e no Comperj, no Rio de Janeiro.

Um intenso processo de mobilização de atores dos governos locais com as empresas da região foi levado a cabo, no sentido de buscar inserir todas as empresas daquelas regiões na cadeia de fornecedores do setor de óleo e gás de forma prioritária.

O esforço de aprendizado nas práticas de negócios do setor petróleo para estas empresas foi bastante significativo, e em diversos casos, as empresas alçaram vôos mais altos. Muitas passaram a prospectar negócios em outros setores da economia que são dominados por grandes empresas (energia, mineração, etc).

Este esforço não foi em vão. Hoje é possível identificar um maior grau de maturidade empresarial nestas regiões, com a formalização e o fortalecimento de organizações privadas para pensar conjuntamente o interesse das empresas da região.

Causas externas e internas fecharam este ciclo de desenvolvimento. A própria dinâmica deste vultuoso processo de superação contribuiu para isto. A viabilidade do pré-sal é um fator de ruptura das condições de oferta e demanda existentes neste mercado.

É certo que, do ponto de vista da indústria brasileira, vários gargalos foram superados para atender a demanda de bens, serviços e para oferecer a tecnologia necessária para superarmos o desafio de produzir petróleo e gás nas condições brasileiras. O pré-sal é um exemplo eloquente da superação dos brasileiros, e as recentes proposições para alteração, de maneira radical, das cláusulas de conteúdo local são um retrocesso para o desenvolvimento econômico país, que sempre buscou aumentar valor agregado dos escassos recursos naturais.

A redução a quase zero da exigência de conteúdo local pode também indicar que o próximo passo desta nova estratégia será o fim da cláusula de obrigatoriedade de investimento em P&D que exigidas nas concessões de exploração no pré-sal, cujos impactos apontaremos noutro artigo.

Leonardo Guerra, economista.

Günther Borgh, especialista em sistemas de produção industrial.

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Futuro da industria de oleo e gas

    Parabens pela abordagem das perspectivas de futuro da industria de oleo e gas no que diz respeito a que tipo de país poderemos ter no futuro dependendo das escolhas feitas agora.

    Particularmente interessante notar que os impactos positivos ocorrem gradativamente ao longo de 20 anos mas os negativos do desinvestimento implementado no ultimo ano são imediatos com reflexos no desempresgo direto e nas perspectivas de investimentos futuros dado que a demanda da Petrobras hora reduzida começa privilegiar fabricantes estrangeiros. O desmonte de toda a cadeia sob alegação de custos menores se importados os equipamentos nao resiste a uma analise mais detalhada e muito menos leva em consideração os beneficios de longo prazo retirando o pais da condição de produtor de comodiitoes primarias e importador de bens industrializados de alto valor agregado.

    Tambem a falácia de que não há tecnologia nacional competitiva não procede dado ao custo de produção com tecnologia nacional ser 3 vezes menor que o das petroleiras estrangeiras e isso com custo de capital extremamente elevado quando comparado com o custo de capital obtido pelas multi-nacionais no exterior.

    Por outro lado a questão das reservas parece ainda nao ser compreendida por alguns analistas. Até 2050 havera uma inversão na economia mundial tanto em relação ao PIB como em relação aos mercados consumidores e de bens de capital, o grupo de paises emergentes chamado E7 formado por China, India, Russia , Brasil, Indonesia e Mexico e Turkia vai superar economicamente o atual G7  com consequencias drasticas na economia mundial. Ademais os paises produtores que dominam o formação de preços da comoditie petroleo ja apresentam hoje sinais de terem atingido o pico de suas capacidades de produção não havendo no mundo novas descobertas de reservas que superem as brasileiras.

    Ja fui mal interpretado em post anterior quando sugeri que a necessidade estrategica de controlar as reservas aliando inclusive com os interesses da Venezuela pois no futuro nao importará a capacidade atual de produção mas sim o controle das reservas e o desenvolvimento de capacidade de refino propria para agregar valor e cortar a dependencia externa direcionando sim novos acordos para o E7 e não submetendo toda a exploração e refino aos interesses do G7. A pesquisa e desenvolvimento sao fundamentais e deverao seguir fortemente subsidiadas inclusive na conversao do sub-produto gas natural derivado da extração de oleo em hidrigeneo com captura de carbono de e celulas combustiveis etc ja que a rede de distrubuição de oleo e gas ja esta instalada e é perigoso transportar e armazenar hidrogenio como alternativa de combustivel no futuro.

    A escolha está na mesa se adotarmos a visao atual de dependencia externa para exploração e refino dando continuidade ao desmantelamento da cadeia de Oleo e Gas pagaremos o preço alto da miseria e sub-desenvolvimento ocorrido em todos os produtores de petroleo que optaram por esse caminho ja que não ha no mundo exemplo de pais que tivesse melhorado a condição de vida de sua população apenas com a produção de comodities e transferindo a terceiros a tarefa de industrialização,pesquisa e desenvolvimento, isso não é neo liberalismo coma afirma a esquerda é apenas burrice da mais grotesca que há.

     

     

  2. Hora de “virar o disco”

    Capa da The Economist dessa semana:

     

    A revista contém várias matérias sobre a “morte do motor de combustão interna”, inclusive mencionando que a tendência é que os países produtores tentem vender o máximo de petróleo nos próximos anos, para evitar o momento em que a cotação da commodity vai cair de forma definitiva. E o que o Brasil fez? Perdeu um tempo enorme, quando o petróleo estava perto de US$ 100, por conta da política de conteúdo nacional, da obrigatoriedade de participação da Petrobras nos leilões, e pela discussão interminável sobre os royalties. Tudo isso fez com que o país vendesse muito menos petróleo a cotações mais vantajosas do que poderia ter vendido. E, depois de tanto esforço, não se conseguiu estabelecer uma indústria nacional que ande com suas próprias pernas (até porque o mercado mundial está saturado e a cotação menor do petróleo inibe novos investimentos).

    Acho totalmente meritório que o setor de petróleo e gás seja taxado de forma pesada, e que parte dos recursos seja carimbada para PD&I. No entanto, seria um contra-senso imenso tentar desenvolver essa indústria no momento em que ela tem tudo para entrar em uma espiral descendente. Que se use o dinheiro para estimular a pesquisa em energias renováveis, biotecnologia, algoritmos … há uma infinidade de tecnologias promissoras nas quais o país pode apostar, ao invés de achar que estamos no início do século XX e vamos nos tornar uma Noruega…

    1. hora….

      Caro Marcos,já vieram com esta conversafiadanos anos 90, quando quiseram privatizar totalmente a Petrobrás. “Não precisaremos mais de petróleo”. O Mundo irá virar uma grande fornalha, devido a queima destes combustíveis”.basta ver a pressão para mudar a regulamentação e a forma de contratos de Partilha para Concessão. Pouco Interesse? E quando falam na voltadas Privatarias da Petrobrás e vendê-la aos pedaços? Pouco Interesse. Acordemos. Continuamos a ser a Terra da Fantasia e da Inocência. Ospresidentes de Shell, BP e Exxonn, não saem do Brasil. É pouc interesse no Pré-Sal? Mas continuamos atrelados a 1964. Para que industrialização. Se nossas Elites querem combater o Nacionalismo, o Lucro, a Meritocracia, a Industrialização? Para que estudar e ter empregos? E Empregos altamente Especializados? Tropeçamos nas próprias pernas enquanto acusamos fantasmas.   

  3. Golpistas querem que viramos uma Venezuela: Exportador primário

    Incrível , mas  se disser-mos isso nas redes sociais somos trucidados,mas a poítia da elite opressora é contra refinarias e desemvlvimento da indústria nacional  na pesquisa e inovação  , tudo que o cmplexo petróleo nos oferece e que abriria horizontes infinitos .no futuro da Nação.

    A derrubada da Partilha a não exigência do conteúdo nacional é um tiro 

    Lula é o Pai do Pré-sal .Considero que seria muito dif´cil a descoberta do pré-sal pela Petrobras cao não houvesse os Governos de esquerda. 

    Senadores Aecio e Ricardo Ferraço cançaram de desdenhar e desacreditar o Pré-sa da tribuna do Senado: São uns vendilhões criminosos  de lesa pátria.

     

  4. Mais uma desnacionalizada tb: a Vale

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    Alerta: Golpe “reprivatiza” Vale, agora desnacionalizada

    Por Romulus

    Golpe: numa tacada só os gringos passam a ter METADE dos votos na Vale!

    Evidentemente, os seus interesses convergem com os do Bradesco, outro grande acionista:

    ·                Corte de custos;

    ·                Maximização dos lucros e do pagamento de dividendos no curto prazo;

    ·                Investimentos apenas nas atividades mais lucrativas, de rápido retorno.

    E, assim, juntos, formam a maioria!

    *

    – Espoliação do futuro do Brasil

    Tudo isso, é claro, desconsiderando:

    ·                Interesses de longo prazo da empresa;

    ·                Interesses econômicos e estratégicos do Estado brasileiro.

    ·                Interesses dos trabalhadores e das comunidades afetadas pelas atividades da empresa.

    Em suma: como adiantado no título, é o golpe da “reprivatização” desnacionalizante.

     

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