O teorema de Thomas e o bem-estar social, por Delfim Netto

Do Valor

O teorema de Thomas

Por Antonio Delfim Netto

Há uma proposição justamente famosa, de W.I. Thomas: “Se as pessoas definem suas circunstâncias como reais, então elas serão reais em suas consequências.” (Merton, R. – “Social Theory and Social Structure”, 1957: 421-436).

Ela ajuda a entender o paradoxo de um governo extremamente bem avaliado pela sociedade e, ao mesmo tempo, visto com profunda desconfiança pelo seu setor produtivo privado, particularmente, o financeiro.

É sempre difícil, se não impossível, encontrar um indicador que revele o estado de “bem-estar”, incorpore a esperança de que as coisas caminham relativamente bem e não há razão evidente para esperar o contrário.

O governo precisa insistir que é “pró-mercado”

As pesquisas empíricas sugerem que o sentimento de “bem-estar” depende, fundamentalmente, de duas variáveis: 1) do crescimento da renda real dos cidadãos, que pode ser aproximada pela sua renda média; e 2) da distribuição entre os cidadãos da renda produzida. Elas sugerem, cada vez mais fortemente que uma melhoria do nível de igualdade aumenta o “bem-estar” de todos.

Diante desses fatos, o grande economista Amartya Sen, ganhador do Nobel de 1998), propôs uma medida engenhosa para simular o “bem-estar social”. Se o índice de Gini (que vai de 0 a 1) “mede” a concentração da renda, o seu complemento (1 menos o índice de Gini) sugere uma medida de “desconcentração”, ou seja, de maior igualdade na distribuição da renda.

É bom lembrar que o índice de Gini mede a “distância média” entre as pessoas, não o seu nível de bem-estar. A sugestão de Sen é construir um indicador composto da renda média real multiplicada pelo índice de “desconcentração”, de forma a captar um pouco melhor as duas variáveis a que nos referimos acima.

Felizmente, um interessante trabalho do Ipea (“A Década Inclusiva (2001-2011)”, Comunicações do Ipea nº 155, 25/10/2012) construiu o tal índice, que reproduzimos no gráfico abaixo. Vemos claramente que na octaetéride (1995-2002) ele permaneceu estagnado.

O gráfico abaixo mostra a mudança de situação a partir de 2003, onde o indicador cresce fortemente (quase 5% ao ano), impulsionado por múltiplos fatores: 1) o aprofundamento da política econômica; 2) a colheita da estabilidade monetária e fiscal; 3) o aumento da produtividade produzida pelas privatizações e pequenas reformas estruturais; 4) e, mas não menos importante, pela ênfase à inclusão introduzida nas políticas sociais e consequente redução das distâncias entre a renda dos indivíduos, o que explica por que o governo é popular.

No período, o crescimento do PIB foi superior (3,9% contra 2,3%) e a inflação menor (5,9% contra 9,3%). Vamos terminar 2012 com um crescimento medíocre, em torno de 1,6%, e uma taxa de inflação em torno de 5,5%. A expansão do terceiro trimestre sobre quarto trimestre (talvez ligeiramente superior a 1%), e a expectativa de um quarto trimestre sobre o terceiro um pouco menor, já mostra um crescimento anualizado em torno de 4%.

A sua sustentação ao longo de 2013 dependerá do comportamento da política econômica, da aceleração dos investimentos públicos e da cooptação da confiança do setor privado, para que esse recupere o seu “espírito animal” e desamarre o seu navio do ilusório cais da segurança.

Aqui entra outra vez o teorema de Thomas. Se o setor privado erroneamente supõe que o governo é hostil ao mercado, e que deseja ampliar o seu tamanho, ele tira as consequências dessa sua crença, buscando uma posição defensiva segura, até que a tempestade (o governo passageiro) dê lugar ao sol. Não adianta discutir ou ficar triste: “as circunstâncias pensadas como reais levam à consequências reais”. Para cooptar o investimento privado indispensável para uma ampliação do crescimento é preciso mudar tal crença.

O governo precisa insistir que é “pró-mercado”, não “pró-negócio”, a favor da competição regulada e ágil e que não pretende realizar diretamente aquilo que, por sua natureza, o setor privado sabe fazer melhor. Mais ainda, que não se envolve com os “negócios” que caracterizam o “capitalismo de compadres”. Trata-se de cooptar a massa gigantesca de pequenos, médios e grandes empresários, assustados com o fantasma da “estatização” que, se divulga, seria o verdadeiro objetivo do governo.

O fundamento da crítica é que o governo teria abandonado o famoso tripé: 1) déficits nominais modestos e convergência da relação dívida/PIB; 2) o sistema de metas inflacionárias e 3) o regime de câmbio flutuante, cuja pureza existe apenas nos livros-textos.

O que houve (e o presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini, acaba de mostrar no Senado da República) foi apenas um ajuste pragmático para enfrentar as novidades da economia mundial. Ninguém acredita, nem ele, que, no longo prazo, a política de câmbio fixo e o sistema de metas de inflação sejam compatíveis.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Luis Nassif

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