Os bastidores da política econômica

Do Valor

Mantega tenta influir no BC com indicação de economista para diretoria

Cristiano Romero | De Brasília
12/04/2011 

Prestigiado e se sentindo mais à vontade no governo Dilma Rousseff do que esteve na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, trabalha para influir nas decisões do Banco Central (BC). Recentemente, convidou economista de um banco privado – Nilto Calixto, do Crédit Suisse – para ocupar a diretoria de Estudos Especiais do BC.

Calixto teve uma “ótima conversa” com Mantega, mas, depois de refletir, recusou a oferta, alegando que estava mudando de área no banco, onde passaria a ganhar mais dinheiro. Antes da nova função, atuou no departamento econômico do Credit Suisse e, no passado, trabalhou no Opportunity, de Daniel Dantas. Formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), de orientação heterodoxa e onde a presidente Dilma graduou-se em economia, Calixto fez mestrado na PUC do Rio, principal reduto do pensamento econômico liberal no Brasil.

Procurado pelo Valor, Nilto Calixto não retornou a ligação. Já o presidente do BC, Alexandre Tombini, disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria o assunto. A assessoria de imprensa do ministro Guido Mantega não retornou a ligação até o fechamento desta edição.

OepiO episódio mostra que, ao contrário do que ocorreu nos últimos cinco anos do governo Lula, Ministério da Fazenda e Banco Central voltaram a atuar juntos, a ponto de Mantega indicar nomes para a diretoria do banco. A nova parceria consolida a percepção de setores do mercado de que Mantega e o presidente do BC, Alexandre Tombini, além de compartilhar opiniões sobre a situação econômica do país, estão mais próximos do que se imaginava.

Entre 2006 e 2010, prevaleceu uma disputa permanente que resultou no isolamento do BC. Em alguns momentos, Mantega trabalhou para desestabilizar o então presidente da instituição, Henrique Meirelles – em 2008, indicou o professor Luiz Gonzaga Belluzzo para o cargo e, em 2010, sugeriu Nelson Barbosa. Meirelles só conseguiu ficar no cargo graças à resistência do presidente Lula em mudar o rumo da política econômica que derrubou a inflação e lhe deu popularidade.

A configuração de poder na área econômica da gestão Dilma mostra que, apesar dos rumores, Mantega nunca esteve enfraquecido, embora ele mesmo tenha se comportado como se tivesse perdido prestígio. Incomodou-se, por exemplo, com a proximidade inicial de Tombini do Palácio do Planalto; atribuiu ao ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, os sinais de “fritura” que apareceram no mercado; queixou-se do fato de ter havido reuniões no Palácio do Planalto sobre temas econômicos sem a sua presença.

No auge das especulações de que estaria fraco, o ministro da Fazenda tratou de fortalecer sua imagem. Num lance ousado, foi à presidente Dilma e pediu que ela delegasse a ele a missão de conduzir o processo de sucessão na Vale, a segunda maior empresa do país. No caminho, deslocou o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, responsável até então, no governo, pela tarefa.

Mantega não era o ministro da Fazenda dos sonhos de Dilma, mas Lula começou a trabalhar tão cedo por sua permanência que a presidente não teve sequer condições de trabalhar outro nome, embora seu desejo, desde o tempo em que ainda não era candidata à presidência, fosse ver Coutinho no ministério. Dilma se identifica com o presidente do BNDES, a quem considera uma espécie de guru intelectual para temas de desenvolvimento.

Palocci é o ministro forte do governo. Está com Dilma diariamente, almoça com ela praticamente todos os dias, responde pela coordenação da gestão administrativa e política. Nesse papel, cumpre as missões mais espinhosas. Apesar disso, a presidente, para não melindrar Mantega, a quem chama de “Guidinho”, acertou com Palocci um acordo de procedimentos. Um exemplo: o ministro da Casa Civil participa praticamente de todas as audiências de Dilma com outros ministros. A única exceção são os encontros com Mantega.

Dilma definiu que a economia não pode ter duplo comando, ao contrário do que sucedeu no governo do antecessor. Desta forma, fica claro que, em última instância, quem manda na economia é ela. Disciplinado e mesmo não concordando com decisões que Mantega e Tombini têm tomado, Palocci está quieto em seu canto e só age sob delegação da presidente. Ele sabe que, ao contrário de Lula, Dilma não aceita divergências públicas entre seus auxiliares. O rumo na economia pode até mudar, caso a política de Mantega e Tombini não dê certo, mas, por enquanto, o caminho é o que está aí.

Palocci só ficou verdadeiramente incomodado quando uma revista atribuiu a ele a autoria de boatos contra Mantega no mercado financeiro. O ministro fez chegar à presidente a sua contrariedade. Mantega, por sua vez, responsabilizou Palocci pelo vazamento de suposta crítica de Dilma a ele e à ministra do Planejamento, Miriam Belchior, pelo modo como comunicaram, em entrevista coletiva, os cortes no programa Minha Casa Minha Vida, a menina dos olhos da presidente. Segundo avaliação palaciana, Mantega e Palocci estariam quites.

Dilma protege Mantega. Ela tem admiração especial pelo número 2 da Fazenda, o secretário-executivo Nelson Barbosa. Levou-o, por exemplo, para a viagem à China. “O Nelson é o cara da confiança dela, o formulador. Ele é sempre chamado ao Palácio para tratar de temas específicos. É quem faz as contas para ela, calcula os impactos de medidas. Está sempre com ela”, conta um auxiliar de Dilma. Ainda assim, para evitar ferir os brios do ministro da Fazenda, a presidente ordenou a Barbosa que atue de forma discreta, sem suscetibilizar o chefe ou dar a ideia de que goza de mais prestígio no Palácio do Planalto do que ele.

Ex-ministro da Fazenda, Palocci limita sua atuação na área econômica à garantia de que o ajuste fiscal será feito. É dele, como coordenador das ações do governo, a garantia de que os cortes orçamentários programados para assegurar o cumprimento da meta de superávit primário serão feitos. Em conversas com interlocutores, tem dito que, se for necessário aumentar o ajuste fiscal para ajudar na política de combate à inflação, o governo o fará. É esta a sua contribuição na área macroeconômica. Sua participação é direta apenas nos debates palacianos sobre o que fazer para melhorar a eficiência da economia. “Palocci participa das reuniões sobre reforma tributária, desoneração de folha, etc.”, revela um assessor da presidência.

Ao contrário do que se esperava durante a formação do governo, Palocci não se articula com Tombini, a quem levou para o BC, em 2005, para ser diretor de Estudos Especiais. Naquela ocasião, o ministro comandava a Fazenda e exercia forte influência sobre o BC. Tombini também não recebe orientações de Dilma sobre o que fazer. Sua gestão no BC, mais próxima do que pensa o Ministério da Fazenda, é considerada de sua responsabilidade. Aparentemente, ele adaptou a política monetária à realidade política do governo. Se der certo, ganhará todos os méritos; se der errado, sofrerá as consequências.

Tombini tinha, por exemplo, autorização para aumentar a taxa de juros além do que foi decidido na última reunião do Copom. Preocupada com a alta da inflação e a deterioração das expectativas, a cúpula do governo emitiu sinais de que ele poderia aumentar o aperto monetário agora e, mais adiante, se fosse o caso, encurtar o ciclo de alta. Seria uma forma de melhorar as expectativas de inflação, que estão se deteriorando desde o início da gestão Dilma. O presidente do BC optou, no entanto, por outro caminho.

Tombini começou o governo próximo de Dilma. No primeiro mês, reuniu-se com ela em bases regulares, visitou-a, inclusive, na Granja do Torto – onde a presidente se hospedou no primeiro mês de governo -, foi chamado a participar de encontros aos quais presidentes de BC geralmente não comparecem, como o que definiu o corte no Orçamento. Desde fevereiro, no entanto, tem sido mantido a uma “distância regulamentar” do Palácio.

Em entrevista ao Valor, Dilma chegou a afirmar que não se lembrava da última vez que tinha estado com Tombini. Ela prefere assim. Acha que, com isso, mantém uma relação mais institucional com o BC, dando-lhe mais autonomia. 

Luis Nassif

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