Os BRICs, por Delfim Netto

Do Valor

Os Bric e nós

Antonio Delfim Netto
20/04/2010

Na semana passada, nesta mesma coluna tivemos a oportunidade de fazer ligeiras considerações sobre a precariedade das projeções de longo prazo da evolução do PIB dos Bric, medidos em dólar de valor constante. Relembramos o fracasso de todas as ” previsões ” de longo prazo feitas nos anos 60 do século passado e enfatizamos a precariedade das ” previsões ” sobre o comportamento nos próximos 20 anos das economias abrigadas no acrônimo Bric. Com as ” previsões ” correntes, os Bric não caberão no mundo projetado para 2020.

A tabela nº 1 abaixo mostra isso. Na sua construção foram usadas: 1º ) taxas de crescimento constante entre 2010/2020: Brasil, 5%; Rússia, 6%; Índia e China, 8%, comumente assumidas nas alegres visões do futuro com que somos bombardeados e 2º ) a hipótese que a economia mundial vai continuar a crescer à uma taxa real histórica de 3% ao ano.

Salta aos olhos que a conta não fecha. Se o ” Resto do Mundo ” continuar a crescer 3% ao ano, o que faz sentido, para que os Bric possam crescer na média 7,5%, seria preciso que ele crescesse a apenas 0,4% ao ano. De fato, como a população do Resto do Mundo cresce 1% ao ano, o seu PIB per capita deveria reduzir-se de 0,6% ao ano!

O que acontece quando se impõe a condição que o Resto do Mundo continue a crescer à taxa de 3% ao ano? A tabela nº 2 revela:

A resposta é que a economia mundial deveria acelerar o seu crescimento de 3% para 4,4% ao ano. Diante da realidade que vivemos: 1º ) a óbvia e crescente escassez de recursos no nível mundial e 2º ) a interferência antropomórfica no aquecimento global do planeta, será essa uma hipótese razoável? Claramente não, a não ser diante de uma tremenda revolução tecnológica que acreditamos está fora do horizonte de 20 anos.

O entusiasmo com os Bric é tal que, com frequência, vemos afirmações que revelam a ” esperança ” que eles poderão bastar-se a si mesmos, independentemente do que ocorre com a economia mundial. Os Bric são uma ideia interessante, mas é claro que eles não constituem um grupo com interesses homogêneos.

De fato, suspeitamos que a Rússia é um elemento estranho ao ninho. A China com seus 5.000 anos de civilização e o pragmatismo filosófico que ” não importa a cor do gato desde que ele pegue os ratos ” , agarrou-se com coragem e inteligência às possibilidades abertas para a importação pelos EUA de produtos fabricados na China com capital de empresas americanas. Não deixou de aproveitar nenhuma oportunidade: foi integrada ” estrategicamente ” como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Construiu sua bomba atômica sem olhar seu custo humano. Só entrou para a OMC em 2002 (prestando-lhe um favor) depois de ter feito tudo o que era possível em matéria de ” artes ” exportadoras. Em 30 anos, para inveja de todos nós, transformou-se na segunda economia mundial e no seu maior exportador.

Para a China, os Bric são apenas convenientes supridores de suas crescentes necessidades de matérias-primas e alimentos, que ela pretende pagar com a exportação de manufaturas. Sua política externa esconde mal o ” moderno imperialismo ” na busca de suprimento seguro de matérias-primas, como vemos na África e agora no Brasil. Na crise de 2008 ela mostrou sua verdadeira face: fixou sua taxa de câmbio ao dólar. Cuidou dos seus interesses e o fez muito bem!

O Brasil precisa pensar em si e não pendurar-se em ilusões. A situação de cada um dos Bric é muito diferente. A paciência do mundo com a China está se esgotando como testemunham nossos próprios problemas com ela. Precisamos tomar cuidado em não assumir compromissos como Brics que no futuro possam bloquear nossa ação independente.

De todos os Bric o Brasil é o país que tem maior probabilidade de ver realizadas as ” projeções ” . Tem: 1) um estoque genético riquíssimo que estimula a adaptação e a tolerância; 2) um importante mercado interno; 3) matriz energética adequada; 4) uma promissora disponibilidade futura de petróleo; 5) terra, água e tecnologia para expandir sua agricultura; 6) uma única língua e, não tem: 7) problemas de fronteira e 8 ) problemas étnicos e religiosos sensíveis. Mais do que tudo isso, somos uma democracia constitucional consolidada com um Supremo Tribunal Federal independente que ” garante ” nossas liberdades individuais. Nossa ambição de crescimento é modesta (5% ao ano), o que nos acomodará bem na economia mundial.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Luis Nassif

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