Para Stiglitz, euro é o responsável pela recessão na União Europeia

Jornal GGN Joseph Stiglitz, economista americano vencedor do prêmio Nobel, crê que o euro é um dos principais responsáveis pela crise da União Europeia. Para ele, o projeto da zona do euro foi colocado em prática a partir de conceitos equivocados da economia, como a ideia de que os “mercados funcionam bem por conta própria”.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo, ele aponta a questão de criar uma moeda única com a mesma taxa de juros para diferentes países como um dos problemas do euro. “”O euro foi baseado na esperança irracional de que, com o tempo, a coesão política faria com que ele funcionasse”, afirma. Stiglitz também analisa a saída da Reino Unido da União Europeia, dizendo que os “mercados não parecem estar traumatizados”.

Leia a entrevista abaixo:

Da Folha

Euro levou bloco a estagnação e recessão, diz Nobel de Economia

Para o economista americano Joseph Stiglitz, 73, um dos culpados pela crise na Europa se esconde em suas quatro primeiras letras: o euro.

Em um livro recém-publicado, o prêmio Nobel de Economia analisa as decisões que levaram à sua implementação. Ele explicou sua tese à Folha, por telefone.

O livro, que leva o nome da moeda, conclui que o projeto da zona do euro foi implementado a partir de conceitos equivocados de economia, como “a crença de que os mercados funcionam bem por conta própria”.

Ele insiste no subtítulo do livro, “como a moeda única ameaça o futuro da Europa”, e diz que a União Europeia está em risco. Mas crê, também, que acontecimentos como a saída do Reino Unido podem ser menos catastróficos do que o previsto.

Se um dia o bloco europeu disser “adeus” em suas 24 línguas oficiais, a Alemanha estará entre os perdedores, para Stiglitz. O país veria sua moeda se valorizar, afetando suas exportações. Países como a Grécia, prejudicados por medidas austeras, se beneficiariam, por sua vez.

De seus estudos sobre o euro, o economista dá um conselho para líderes latino-americanos: não criem sua moeda única sem ter as instituições necessárias para garanti-la. O que, aliás, a Europa deveria ter feito, afirma.

*

Folha – O senhor não é um grande fã da moeda única europeia, mas os governos europeus parecem empenhados em mantê-la. Eles estão errados?

Joseph Stiglitz – Acho que eles estão errados. Eles poderiam manter a moeda e fazer com que funcionasse, mas para isso precisariam de reformas básicas. A questão é se eles estão de fato dispostos a fazê-las. Caso contrário, sim, acho que é um erro.

Seu livro critica políticos europeus por criarem o euro a partir da ideia de que a integração econômica levaria à integração política. O que está errado nessa ideia?

A ideia era que haveria crescimento e que o crescimento levaria à integração. Mas essa hipótese estava errada. Eles estruturaram o euro de uma maneira que levou à estagnação e à recessão. Como resultou em performances econômicas pobres, o euro levou à conclusão de que a Europa não está funcionando. Dessa maneira, prejudicou a integração, em vez de ajudá-la.

Por que o euro levou à estagnação e à recessão?

A questão fundamental foi a ideia de criar uma moeda única com a mesma taxa de juros para diferentes países, estando eles em crescimento ou em recessão. O choque que trouxe à tona essa questão foi, é claro, a crise financeira global, que causou todo o tipo de crises.

Era imprevisível?

Todo mundo previu que esse sistema não funcionaria por sua falta de capacidade para responder a choques. Quando você tem uma moeda única, precisa de mais instrumentos. Os políticos europeus se recusaram a isso, o que contribuiu para as performances ruins.

O que levou políticos europeus a estruturar o euro dessa maneira?

Foi um projeto político em que a política não era forte o suficiente para criar as instituições necessárias ao seu funcionamento. O euro foi baseado na esperança irracional de que, com o tempo, a coesão política faria com que ele funcionasse. Foi uma decisão política, e houve má sorte. Talvez se tivessem tido mais tempo antes da crise teriam tido um melhor resultado, mas não sei.

Houve erro na teoria econômica?

O euro foi baseado em um modelo econômico equivocado, na crença de que os mercados funcionam bem por conta própria. Foi um pacote específico de ideias dos anos 1990 que hoje estão desacreditadas.

Como o senhor avaliaria a liderança europeia nos últimos anos em relação ao euro? Por exemplo, a austeridade alemã.

Mesmo com os equívocos estruturais, poderia ter sido melhor com uma melhor liderança. Mas os líderes foram influenciados por ideias erradas sobre a economia. A Alemanha, em especial, cometeu equívocos na sua ideia de austeridade.

O senhor enxerga alguma mudança nesse cenário?

Muitas pessoas entendem que a austeridade não está funcionando. Mas, se você olha para pessoas em outros países, particularmente para os políticos de direita, eles ainda defendem a austeridade. Em termos de eleitores, há rejeição à austeridade em países como Portugal, na Espanha, na Grécia.

Com governos impondo austeridade, apesar da rejeição popular, estamos falando de uma crise democrática também?

Sim. Os eleitores enxergam que não há mudança, então se perguntam qual é a relevância dessas eleições. Isso leva ao crescimento de partidos extremistas, de partidos que pedem a saída da Europa. Os partidos de centro-direita têm um desempenho bastante ruim na Europa.

O Reino Unido, que não usa o euro, decidiu recentemente sair da União Europeia. A crise econômica pode ter contribuído para essa decisão?

Como não fazem parte da zona do euro, os britânicos não sofreram as consequências da maior parte dos erros. Mas eles foram afetados pelo tipo de rigidez utilizada, com regras que não funcionam para todos os países. Eles viram que a zona do euro estava funcionando mal. Isso não lhes deu a impressão de que esse é um clube do qual eles querem fazer parte.

Que efeito terá o “brexit”, no médio e longo prazos?

Irá fazer ecoar a ideia de que a Europa talvez não esteja funcionando bem e que as pessoas podem fazer escolhas. Muitos diziam que, depois do voto, as coisas seriam terríveis, mas os mercados não parecem estar traumatizados e já absorveram a ideia da saída do Reino Unido.

Entre suas críticas, o senhor enxerga o fim da União Europeia?

O “brexit” mostrou que o processo de integração pode caminhar na direção contrária. Claramente, a UE pode terminar. Espero que os líderes políticos decidam que o projeto europeu é importante demais para morrer por causa dessa rigidez.

Os efeitos de uma possível desintegração do bloco econômico seriam distribuídos igualmente entre os membros?

O maior perdedor seria a Alemanha, ao contrário do que as pessoas pensam. Sua moeda seria valorizada. A Alemanha se beneficiou imensamente da zona do euro. Seria positivo para os países mais afetados pelas políticas de austeridade porque elas foram especialmente ruins para eles.

O senhor defende, no seu livro, que mecanismos sejam criados para garantir a zona do euro. Que tipo de mecanismos?

A Europa precisa se afastar da austeridade e ir em direção à política de crescimento. Precisa haver algum tipo de união bancária em que os países fracos não precisem resgatar os próprios bancos. É óbvio que é necessário haver um banco central mais flexível e com foco no crescimento, e não apenas na inflação. Além disso, faltam políticas industriais para ajudar aqueles que têm um crescimento mais lento a alcançar os demais.

O que poderia ser feito com o euro?

O euro poderia ser fragmentado em 19 moedas diferentes. Ou a Europa poderia decidir que há semelhanças entre alguns dos países e criar blocos monetários com mecanismos para a coordenação, um “euro flexível”. Então eles podem, aí sim, caminhar em direção a uma moeda única. O que ocorreu é que eles puseram a rigidez antes das instituições. Eu sugiro que criem instituições primeiro.

Se um líder latino-americano abordasse o senhor e perguntasse sua opinião sobre uma moeda única no Mercosul, o que o senhor recomendaria?

Que não fizessem isso. Pode ser um objetivo futuro, mas é necessário primeiro criar as instituições que façam com que funcione, e então criar a moeda única. O mesmo marco do “euro flexível” pode ser utilizado para diminuir o vão entre esses países e, com o tempo, demonstrar que eles estão prontos para uma moeda única. Mas, agora, isso seria um erro grave. 

Redação

2 Comentários

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  1. BC independente é isso.
    O euro é o sonho de consumo dos neoliberais. Uma moeda sem estado e um BC independente dos governos. Está dando os resultados que eles queriam: financismo e recessão.

  2. UNIFICAÇÃO VERSUS ESPECIFICIDADES

    Precisa a indicação das falhas essenciais do Euro, pois destaca o aspecto principal, relativo à adoção de moeda única e de taxa de juros unificada em todo o bloco.

    Os diferentes países possuem economias e sociedades diferenciadas, com realidades distintas que são afetadas de modos diversos pelas flutuações da economia.

    Deste modo a política monetária e cambial unitária é potencialmente danosa, pois impede a adoção de políticas econômicas adequadas às especificidades variáveis.

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