Passando da hora

Coluna Econômica – 14/02/2007

Recentemente, o Departamento Econômico do Bradesco fez pesquisa com cerca de 1.200 empresas sobre como enfrentam o atual nível de câmbio. A conclusão é que estariam modificando profundamente seu processo produtivo, investindo em adaptações para sobreviver aos novos tempos.

Otávio de Barros, o diretor do Departamento, é daqueles economistas minuciosos, uma usina de levantamento de indicadores, mas dos que costumam permanecer na superfície dos grandes agregados (dos números finais) sem mergulhar na sua lógica.

Provavelmente se entrasse na natureza das modificações, constataria que grande parte do parque industrial brasileiro está passando a recorrer cada vez mais a insumos importados. As empresas sobrevivem, mas na condição de meras “maquiiladoras” de produtos, seguindo o modelo da suave decadência do México. Especialmente setores com maior conteúdo tecnológico irão importar cada vez mais componentes eletrônicos de outros países, abrindo mão do desenvolvimento tecnológico, da melhoria do nível e da qualidade do emprego.

O fator câmbio é crucial. Na sexta-feira passada entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para o livro que estou preparando sobre o Plano Real. Ele admitiu os desastres do câmbio. Mas disse que, em 1996, como o mercado estava tranqüilo, ninguém pressionava por mudanças. E sem pressão, não há ação. Sustentou também que a quebradeira das empresas poderia se enquadrar no processo que Schumpeter chamava de “destruição criativa”.

O termo se aplica a processos de rápida mudança tecnológica, em que setores velhos não resistem, desaparecem e são substituídos pelos novos. Em períodos como no seu primeiro governo, como agora, em que as empresas nacionais são submetidas a desafios cruciais de mudanças de processo, mudanças tecnológicas, profundas transformações na economia mundial, jogar uma carga adicional de um câmbio tão desequilibrado como o atual, é condenar o parque industrial brasileiro à morte. É a “destruição estéril”

Por isso mesmo, não dá para esperar. Lula tem que acordar o mais rápido possível, pelo bem do país e seu próprio: essa bomba irá explodir, mais cedo ou mais tarde no seu colo. Quanto mais tempo demorar para explodir o câmbio, maiores serão os estragos que provocará.

A proposta do economista Mical Gartenkraud de criação de um imposto sobre exportações de commodities que tiveram seus preços valorizados excessivamente é um caminho a ser pensado.

O que Mical disse já vem sendo discutido por muitos economistas. Ele aprimora a proposta sugerindo a possibilidade da constituição de fundos que receberiam esses impostos, e que seriam utilizados especificamente para financiar a capacidade exportadora nacional. Acrescentaria: e também a recuperação daqueles setores que estão sendo massacrados por essa nova onda de destruição estéril.

Esse combate ao excesso de dólares precisa vir acompanhado de medidas que coíbam o ingresso de capital especulativo através dos fundos “off-shore”, medidas que reduzam as operações de arbitragem financeira dos exportadores, ou o financiamento de importações por prazos longos.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. Nassif,
    O imposto sobre
    Nassif,
    O imposto sobre commodities pode ser usado para desonerar setores que agregam valor aos produtos, compensando assim a valorizaçao do real.

  2. Tributar exportações,
    Tributar exportações, desonerar importações, quarentena para capitais especulativos, reduzir a Selic…tudo isso pode ser resumido simplesmente em…administrar de forma competente as políticas monetária e cambial…o que comprovadamente o BC não sabe, não quer ou tem medo de fazer…

    Mas nem tudo é desgraça acerca deste tema…talvez uma solução mais rápida e viável esteja próxima…Há notícias de que a saída do cabeção mor do BC é iminente…Se for verdade…

    O grande problema é se aparecer outro igual…ou pior (sim…é possivel)…

  3. O dia em que tributar
    O dia em que tributar exportações, for administrar de forma competente a políticas cambial, realmente a gente vai estar perdido. E para quem não sabe, o BC não regulamenta tributação de comério exterior.

  4. O segundo semestre do ano
    O segundo semestre do ano passado e no início de janeiro o câmbio estava estabilizado em R$ 2,15.

    O governo prega o câmbio livre, mas na realidade intervem no mercado.

    Após a última reunião do COPOM a média do câmbio baixou para R$ 2,10.

    O governo intervem no câmbio, mas prega que o mercado é soberano.

    O problema é o custo que o BC tem pago para segurar o dólar nestes níveis, seria mais adequado reduzir os juros e controlar a entrada de capitais para segurar o a valorização do real.

  5. Caro Nassif,

    Venho
    Caro Nassif,

    Venho participar da discussão sobre valorização do câmbio com uma proposta diferente da oferecida pelo Sr. Gartenkraut.

    Ao invés de propor impostos sobre as commodities que no momento desfrutam de “rendas” associadas a alta cíclica de preços, proponho um contingenciamento de câmbio.

    Trata-se de congelar parte da receita em divisas desses setores favorecidos em conta especial, nominada em dólares ou cesta de moedas, remunerada por taxas internacionais (o que reduziria o custo fiscal derivado do absurdo hiato de juros), com prazos longos de resgate.

    Não aumentaria a carga tributária, pois não é imposto. Os depósitos poderiam ser usados como garantia para operações financeiras em real. Os recibos de depósito poderiam ser negociados em real, evidentemente com desconto. Embora o saldo da conta não possa a rigor ser contabilizado como reservas, tem exatamente o mesmo efeito, uma vez que persiste o monopólio de compra do Bacen no resgate.

    E, maior vantagem, é de implementação muito mais simples e menos traumática que o aumento de impostos.

    Evidentemente, como na proposta do Sr. Gratenkraut, a política poderia ser revertida assim que a redução dos preços de tais commodities sinalizasse a redução das “rendas de ciclo”.

    abraço,

    Alberto

  6. No caso da importações alem
    No caso da importações alem de limitar os prazos de financiamentos poderia também passar a exigir uma compra de dolar antecipada, de uns 20% para ter a importação aprovada.

  7. Tulio Carvalho e Nassif,

    O
    Tulio Carvalho e Nassif,

    O Imposto de Exportação é considerado um imposto extra-fiscal (não tem finalidade arrecadatória, mas de controle do comércio exterior) e pode ter suas alíquotas alteradas a qualquer momento por decreto presidencial, inclusive no decorrer do ano fiscal.

    [email protected]

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