Presidencialismo x parlamentarismo, uma falsa polêmica, por Camila Tribess

É ingênuo supor que a mudança do sistema político resolveria os problemas do Brasil. Os estudos da ciência política tendem a demonstrar que sim, as regras importam no funcionamento do sistema político, mas elas não mudam as coisas sozinhas

Camila Tribess | Brasil Debate

Alguns líderes políticos, bem como certos acadêmicos, em especial frente à atual crise política no país, têm defendido ultimamente a mudança da forma de governo para o parlamentarismo. A principal alegação é que no parlamentarismo a crise política já teria sido resolvida, pois a chefe de governo, Dilma Rousseff, teria sido retirada pelo parlamento e substituída.

Parece uma solução tentadora e fácil, mas é, em essência, enganosa. Em primeiro lugar porque, assim como existem diversos tipos de presidencialismo (sendo o modelo dos EUA o mais referenciado), também existem muitas formas de parlamentarismo (sendo o modelo inglês o mais famoso).

Além desses dois modelos, existem diversos modelos híbridos, conhecidos como semi-presidenciais, em que as regras se adaptam conforme o contexto social, político e histórico de cada país, sendo os modelos português e russo bons exemplos de quão distintos podem ser.

A base de um modelo parlamentarista é que o parlamento, por meio de sua maioria, define quem será o/a chefe de governo, podendo também retirá-lo/a quando necessário. No entanto, também pode acontecer o contrário, ou seja, o/a chefe do governo (o/a Primeiro/a Ministro/a) pedir ao/à chefe de Estado que dissolva o parlamento e que se convoquem novas eleições, caso haja o argumento (e o apoio para tal) de que o parlamento já não atende aos interesses da população.

Nessas novas eleições o/a Primeiro/a Ministro/a pode sair vitorioso/a, conquistando nova maioria e continuando à frente do governo.

Como temos visto ultimamente no sistema político brasileiro – a exemplo do caso da aprovação “express” da redução da maioridade penal, das contas dos governos desde 1992 ou na reapresentação da questão do financiamento privado de campanhas – o grande problema não é, nem de longe, a falta de regras, mas sim a má execução ou falta de cumprimento delas. O que nos leva à questão-chave dessa falsa polêmica.

Os estudos da ciência política tendem a demonstrar que sim, as regras importam no funcionamento do sistema político, mas elas não mudam as coisas sozinhas. As “reformas” de todos os tipos, sozinhas, não garantem que as instituições se tornem melhores. Algumas vezes, inclusive, as reformas conseguem piorar o funcionamento do sistema político. Regras sozinhas não moldam instituições. Estas são construídas por um emaranhado complexo formado de regras, cultura política, financiamento, prioridades políticas, grupos, indivíduos e pressões sociais.

É ingênuo supor que a mudança do sistema político resolveria os problemas do Brasil. Assim como as críticas ao número de partidos, de ministérios, de parlamentares, as teses pelo fim do senado e tantas outras teorias que, apesar de fazerem sentido de certa maneira, não chegam a resolver as questões de base da política brasileira.

Essas questões hoje – pelo contexto político, econômico e social sui generis – estão escancaradas, mas sempre estiveram presentes na política brasileira (e de qualquer lugar do mundo), que são, essencialmente, disputas por modelos de país, brigas pela aplicação deste ou daquele modelo econômico, pela alocação de verbas e pela ascensão deste ou daquele grupo político e de interesses.

Mas, isso faz parte do processo político como um todo e, mesmo quando chega a criar consequências sérias para o funcionamento do governo, não se pode cair em soluções simplistas. A mudança de sistema político não resolve essas disputas essenciais.

Assim, a colocação de Amaral Jr (2012) é importante para essa reflexão, segundo ele, introduzida a questão do parlamentarismo versus o presidencialismo, ambos apontam para a maneira como os sistemas políticos deveriam funcionar, não como funcionam, de fato.

Além disso, para cada vantagem do parlamentarismo bradada aos quatro ventos, existem outras diversas desvantagens, assim como no presidencialismo. Além disso, aquilo que é visto como vantagem para alguns, é tido como desvantagem para outros.

Por isso, essa é uma falsa polêmica, que apenas trata de iludir a população de que existiriam fórmulas mágicas de resolver os problemas e conflitos do país. Essa fórmula mágica, infelizmente, não existe, nem no Brasil nem em qualquer outro lugar.

Redação

8 Comentários

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  1. È o sonho de nossos

    È o sonho de nossos politicos, a democracia sem povo, se reunem e resolvem tudo como num clubinho fechado, se colocarem aquelas listas quase dirigidas nas quais a vontade do eleitor é inexistente seria o nirvana, SQN!!!!

  2. Plebiscito

    Quem é esse imbecil que quer ir contra o plebiscito? Sistema de governo JÁ FOI ESCOLHIDO PELA POPULAÇÃO.

    Minha sugestão para quem insiste nesse assunto é: DISSOLVA O PARLAMENTO e impeça os atuais mandatários em disputar nova eleição (afinal, se o parlamento foi dissolvido é porque ele NÃO REPRESENTA a população)

  3. Sobre ingenuidades

    O texto diz: “É ingênuo supor que a mudança do sistema político resolveria os problemas do Brasil.”

    Eu diria: é ingênuo supor que quem defende a mudança do sistema político realmente acha que a mudança resolveria todos os problemas do Brasil. Partindo da premissa colocada pelo texto, talvez não devessemos mudar nada, visto que nenhuma mudança resolverá os problemas do Brasil. “Problemas do Brasil” assim mesmo, bem genérico, portanto vazio de conteúdo. Talvez não devessemos nos preocupar com doações empresariais para campanha eleitorial, visto que só os ingênuos acreditam que isso resolverá o problema da corrupção e cooptação de políticos pelo poder econômico.

    Pode ser que uma mudança no sistema político melhore algumas coisas, e ao mesmo tempo piore outras. Ao invés atacar quem defende uma idéia (chamando-os de ingênuos), não seria melhor aprofundar o debate?

    Existem sim vários tipos de parlamentarismo. O inglês, por exemplo, com voto distrital, é realmente muito ruim (na minha humilde opinião). Já o alemão me parece mais interessante, e talvez menos pior do que o presidencialismo de coalizão brasileiro. Agora, talvez eu mude de opinião caso o debate avance para além desse “sabe de nada, inocente” que em nada contribui para a discussão.

    1. Parabéns

      Juan, seu comentário eleva cabeça e ombro acima do que se lê neste blog. Perfeito, se nenhuma mudança é capaz de resolver os problemas, pra que fazer qualquer coisa?

    2. Digno de nota é lembrar que é

      Digno de nota é lembrar que é o sistema eleitoral alemão, e não o sistema de governo, que traz a estabilidade a aquele país. Neste, há um parlamento de tamanho variável, dois votos (um no partido, pela lista, e um distrital) e 5% DE CLÁUSULA DE BARREIRA … pode-se ter quantos partidos quiser, até municipais, mas só 5 ou 6 partidos discutem de fato no Parlamento.

      Em um país no qual 22 partidos tem direito a assento no Parlamento, todos querem ter voz, e ninguém resolve nada. Aliás, dá para ter um presidencialismo com cláusula de barreira no Congresso – basta ter a “vontade política” para tanto.

  4. É verdade que haveria a

    É verdade que haveria a vantagem de poder remover sem traumas um governo inepto como o de Dilma; por outro lado, viveríamos uma eterna bagunça como na Itália, em que há um primeiro ministro por ano, em média, desde o fim da segunda guerra. 

    1. As crises

      Existem dois tipos de crises: as reais e as fabricadas. Como a capacidade de gerar crises fabricadas pela imprensa é interminável, nenhum governo que fosse contra seus interesses sobreviveria muito tempo num regime parlamentarista.

  5. É impossível neste momento passar para sistema parlamentarista!

    Caros senhores, esquecem-se do básico, a operacionalidade de um sistema parlamentarista.

    Já escrevi algumas vezes o porquê da impossibilidade de se implantar um sistema parlamentarista no Brasil sem mudanças radicais em toda a estrutura da burocracia estatal brasileira, entretanto como poucos leem o que os outros comentaristas escrevem continuam com as besteiras de acharem que de alguma forma possa se implantar um sistema parlamentarista no Brasil como uma proposta de emergência para qualquer coisa. Então mais uma vez escreverei de novo.

    Para um país ter um sistema parlamentarista, em que gabinetes de governo podem ser substituídos de seis em seis meses, por exemplo, a estrutura burocrática brasileira não está preparada.

    Num sistema presidencialista logo após a eleição do candidato este fica na realidade três meses preparando seu ministério sem assumir o governo depois fica mais três meses praticamente parado até que seus ministros comecem a governar. Este período será utilizado para substituir o primeiro e segundo escalão de governo que são compostos de Cargos de Confiança (CC), na realidade temos seis meses para a implantação de um governo depois de definida nas urnas quem governará.

    Num sistema parlamentarista, há um número menor de CC’s simplesmente porque no interregno entre a saída de um primeiro ministro e a entrada de outro, que muitas vezes caso não seja formada uma maioria necessita de novas eleições. Neste interregno geralmente há nos ministérios, que são mais fixos os números e as suas atribuições, ou o primeiro ministro que sai assume interinamente o governo ou quem faz o papel de ministro é o que se chama muitas vezes o Secretário Geral do Ministério. Este Secretário geralmente é um cargo de carreira ocupado por burocratas formados com este fim.

     A quantidade significativa de CC’s nomeados por governos presidencialistas é muitas vezes superior aos governos parlamentaristas, não porque os parlamentaristas são menos nepotistas ou qualificações piores, mas sim porque o sistema permite isto, enquanto no sistema parlamentarista não.

    Sistemas parlamentaristas supõe a existência de um Ministério Fantasma que fica já mais ou menos estabelecido a priori pela oposição não porque eles sejam golpistas, mas sim porque a dinâmica de troca de ministérios deve ser rápida para não perder a governabilidade. Para que aja este Ministério Fantasma é necessária uma única oposição clara e francamente definida para que esta monte o seu ministério com todos aqueles que a apoiem. Em países em que há uma volatilidade das alianças seria impossível definir um Ministério Fantasma, pois como os partidos no sistema presidencialistas tem uma possibilidade de manter parte de um partido na situação e parte na oposição esta divisão de ministros seria impossível, pois teríamos dois ministros de um mesmo partido na situação e outro na oposição, que levaria o inferno astral ao seio dos partidos.

    Num sistema parlamentarista, as empresas estatais, desde as mais singelas as mais complexas deveriam ter uma diretoria mais independente do Governo e mais ligada ao Estado, criando verdadeiras plutocracias incrustadas nestas empresas.

    Desde setores menos politizados, mas não por isto menos importantes, como a educação, a burocracia estatal deveria ser extremamente forte e com poderes de estabelecer políticas públicas independentes dos governos, pois não é possível, por exemplo, mudar os rumos da educação a cada seis meses.

    Em suma, sistemas parlamentaristas tem que necessariamente ter um ESTADO EXTREMAMENTE profissionalizado e forte, enquanto o GOVERNO se torna fraco.

    Além de todo este imbróglio administrativo que deve ser resolvido, tem que se achar qual são as funções da figura do Presidente. Fica claro que este deve dar a estabilidade ao sistema e sua influência sobre a burocracia estatal fortalecida pode ser muito mais importante do que a do Primeiro Ministro, isto vai depender da estabilidade dos governos que se sucedem.

    Num sistema parlamentarista, como a burocracia estatal tem que necessariamente ser mais forte do que num sistema presidencialista, é necessário que a mesma goze de pré-requisitos de estabilidade e outros que é, por exemplo, prerrogativa do judiciário atualmente no Brasil. Estas prerrogativas não seriam adquiridas por nomeação, mas sim por concurso ou mesmo por eleição direta independente das eleições parlamentares.

    Para não haver disparidade de poder entre as unidades federativas, tem-se num sistema parlamentarista levar este sistema aos outros níveis federados, estados e municípios, pois se não os governadores dos estados teriam mais poder do que o primeiro ministro.

    Por incrível que possa parecer num sistema parlamentarista os parlamentos perderiam mais poder do que ganhariam, pois a repartição dos cargos seria somente de uma minúscula parte das burocracias estatais. Neste sistema caberia na mudança de governo uma pequena parte de divisão de cargos típicos de Governo, permanecendo o Estado praticamente imune à influência do parlamento. Ou seja, o parlamento serviria somente para a função principal do mesmo, a criação de leis.

    Em resumo, para a implantação de um sistema parlamentarista num país de tradição presidencialista o Estado e o Governo deveriam ser virados de cabeça para baixo e as modificações que deveriam ser implantadas seriam tantas que levaria o país ao imobilismo por dois ou mais anos.

    Conforme podem ver, as mudanças necessárias para a implantação de um sistema parlamentaristas, a nova distribuição do poder, a profissionalização na gerência do Estado, a perda do poder dos partidos e do parlamento, a definição das atribuições do Primeiro Ministro e Presidente, e mais milhares de pequenos, médios e grandes ajustamentos que deveriam ser feitos impedem por completo a formatação de um sistema parlamentarista sem que o mesmo entrasse em estado de falência em um curtíssimo período de tempo.

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