Resposta a Fatorelli no artigo da auditoria da dívida pública

Em suas falas, Fatorelli diz que poupadores poderão ficar descansados que não serão prejudicados: apenas os grandes serão. Mas não explica como.

Resposta ao artigo: “A auditoria da dívida é urgente, por Maria Lúcia Fatorelli

No dia 3 de fevereiro passado publiquei o artigo “A polêmica questão da auditoria da dívida pública”, visando abrir um debate respeitoso sobre o tema. A reação de Maria Lúcia Fatorelli, principal defensora da medida, foi desfechar um ataque injustificado contra o GGN através do Facebook. Fomos alvos de um grupo raivoso, desqualificado, uma das bolhas mais agressivas, radicais e sem limites que testemunhei em muito tempo. Fui acusado de lobista dos grupos financeiros, ignorando desonestamente o histórico de críticas que o GGN tem feito à financeirização do país. E toda essa agressividade foi diretamente estimulada por Fatorelli.

Como o que interessa é o debate de ideias, mantive o espaço aberto para a resposta de Fatorelli.

No início da sua resposta ela relaciona vários links sobre o tema, publicados no próprio GGN. Em vez de entender como prova da abertura do GGN ao debate, invoca os links para desqualificar a crítica.  E recomenda que eu retire do GGN o artigo em questão.

Os sofismas de Fatorelli são de fácil entendimento:

1. Ele apresenta um conjunto de operações espúrias de validação de títulos da dívida. Correto.

2. Diz que a dívida pública foi utilizada esses anos todos para enriquecer financistas, e não para financiar obras. Correto, em nada diferente das críticas que tenho feito desde os anos 90.

O ponto central é outro.

Depois que a dívida é incorporada, é convertida em títulos do Tesouro e do Banco Central é impossível separar o que foi proveniente de operações espúrias ou de operações válidas. Ao longo do período, esses títulos foram engordados por taxas de juros excessivas. Só que esses títulos compõem carteiras de fundos de pensão (que garantem aposentadorias), fundos de investimento (adquiridos por poupadores pessoas físicas). Só a título de exemplo, se fossem cancelados acabariam, na hora, com todas as aposentadorias de funcionários da Petrobras, do Banco do Brasil, os aposentados da Brasilprev e de todos os fundos de aposentadorias.

Mais que isso, tornaria pó todos os fundos de investimento. Relembro em que 2002, uma operação mal feita do Banco Central provocou redução no valor das cotas de fundos de investimento. Foi um terremoto que quase desestablizou o mercado.

Em defesa de sua tese, mostra o que houve com a redução na dívida pública do Equador.

Expliquei aqui, no artigo inicial: quando a cobrança é em cima do titulo original, em uma operação ilegal, será possível cancelar a dívida. Ou seja, se o sujeito mantem até hoje um título da dívida original indevida, que adquiriu de terceiros, pode-se anular a dívida porque o título é identificado. Quando o título é trocado por títulos do Tesouro, tudo entra no bolo da dívida pública e não será possível identificar o título do Tesouro que corresponde ao título original da dívida. Não se pode cancelar a dívida sem impor prejuízos aos atuais proprietários dos títulos.

Em suas falas, Fatorelli diz que poupadores poderão ficar descansados que não serão prejudicados: apenas os grandes serão. Mas não explica como. Como  esterilizará a dívida separando os donos atuais, titulares de cotas de fundos, dos donos originais dos papéis podres, que desapareceram, foram trocados por títulos do Tesouro. É só isso. Se tiver uma explicação racional para essa questão, sua tese ganhará validade. Diz que os poupadores não precisam se preocupar com as consequências. Mas não apresenta uma misera proposta como seria o cancelamento da dívida interna sem prejuízo dos poupadores atuais.

Mas qual a solução que propõe? “ A auditoria integral da dívida pública, com participação social, é a saída para unir a sociedade para lutar por nossa verdadeira independência”. Ou seja, propõe acabar com a política monetária, acabar com a dívida pública, em nome da “nossa verdadeira independência”. E quem considerar a proposta inexequível é defensor do capitalismo financeiro.

O GGN continuará aberto a Fatorelli, mas para que explique a questão central: como anular dívida sem prejudicar os atuais titulares de títulos públicos.. Relevante para saber se a proposta é séria ou é apenas uma cloroquina financeira.

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Se títulos podres da dívida estão, hoje, misturados (camuflados, escamoteados, etc.) em títulos do tesouro que são, agora, parte dos ativos de fundos de pensão, fundos de investimento, etc., há que se considerar a hipótese de que, se a legislação, ou as normas técnicas em vigor, permitem isso, mesmo com a melhor das intenções, talvez essa seja apenas mais uma fraude do sistema financeiro, perfeitamente legalizada e regular. Em bom português, lavagem de títulos.
    E daí?
    Os pensionistas, aposentados, e pequenos investidores podem e devem ser segurados quanto a eventuais perdas decorrentes de uma auditoria. Seus direitos tem que ser defendidos. Mas e os que não tem nem sequer um direito, um direitozinho que seja? Como é possível comparar, de qualquer forma, equitativamente ou qualitativamente, essa massa de pessoas físicas com a massa astronomicamente maior de pobres, miseráveis absolutos, famintos e deserdados da ordem social, idosos que não tem benefício algum, todos que subexistem hoje como condenados ao desamparo e à morte, e que são as principais vítimas dessa depravação monstruosa chamada Mercado Financeiro?
    É preciso atacar esse problema, de forma ordenada e racional, mas é preciso.
    Qualquer outra coisa é seguir dentro da maneira oficial brasileira de “resolver” problemas, ou seja, atacar as consequências, e não as causas.
    Auditoria já!

  2. comentário postado aqui no GGN em 27.01.2016

    A auditoria “cidadã” da dívida pública, a velhinha e o SAMU – 27.01.2016

    Toda semana (era toda terça-feira) o Banco Central realiza o leilão de títulos públicos da dívida brasileira emitidos pelo Tesouro Nacional, a maioria pós-fixados, atrelados à Selic.

    Papéis novos são ofertados para pagamento dos que estão vencendo nos próximos dias. É a rolagem semanal da dívida pública brasileira, quem não pode pagar, rola. Os maiores compradores são os bancos, que ou entesouram os títulos (mantém em tesouraria rendendo 14,25% a.a.), ou lastreiam Fundos de Investimentos – todos os bancos possuem Fundos de Investimento.

    Um Fundo que contenha majoritariamente papéis públicos pós-fixados é um fundo destinado a investidores de perfil conservador, preferem a segurança em detrimento da rentabilidade.

    Afinal, os papéis são emitidos pelo governo brasileiro, quer garantia maior do que essa? O único – único – risco de não receber é o país quebrar, falir, e isso jamais vai acontecer.

    Aí entra a velhinha aposentada e viúva na história. Ela pegou as economias do falecido, vendeu um imóvel, juntou tudo e fez uma bela e sólida aplicação financeira num banco igualmente tradicional e sólido, o do Brasil, onde tem conta desde 1945.

    A finalidade é garantir uma velhice digna e decente pelo tempo que lhe restar. Mas ela é uma velhinha descolada, sabe das coisas, não quer saber de Poupança, poupança é para pequenos valores, e como o valor já é significativo, aconselhada pelo gentil e prestativo funcionário do BB, aplicou tudo num Fundo de Investimento de perfil conservador, como ela.

    Todo dia a velhinha põe a cabeça no travesseiro e dorme o sono dos justos, seu dinheiro, sua única segurança, está a salvo.

    Mas onde é que entra o SAMU na história? Calma, entra aqui.

    Daí vem a tão sonhada auditoria “cidadã” da dívida pública. Durante 18 a 24 meses, tempo em que durou o circo, o mercado financeiro brasileiro virou do avesso, o caos se instalou. Um dia a velhinha é chamada ao Banco para tratar de assunto de seu interesse.

    A velhinha chega e como tem preferência, logo é atendida, quando então é comunicada que a sua aplicação financeira não existe mais, virou pó, os títulos que lastreavam o Fundo do qual era cotista foram tidos como espúrios, passíveis de não pagamento segundo o comitê de auditoria “cidadã” da dívida pública brasileira.

    Agora sim, entra o SAMU, antes de dar a notícia o funcionário do BB acionou a ambulância do SAMU com um cardiologista dentro. Porque a velhinha aposentada e viúva vai enfartar. Assim como ela, milhares de aplicadores Brasil afora.

  3. “Depois que a dívida é incorporada, é convertida em títulos do Tesouro e do Banco Central é impossível separar o que foi proveniente de operações espúrias ou de operações válidas.” – Nassif
    Ele quer defender essa ideia para uma auditora fiscal que já provou que tem como separar “o joio do trigo” em trabalhos anteriores.

    “Só a título de exemplo, se fossem cancelados acabariam, na hora, com todas as aposentadorias de funcionários da Petrobras, do Banco do Brasil, os aposentados da Brasilprev e de todos os fundos de aposentadorias.” – Nassif
    Se a base destes fundos é espúria, uma auditoria conseguiria definir e orientar a correção do erro. A ideia não é atacar aposentados, mas trazer transparência irrestrita aos trâmites que o próprio Nassif já havia denunciado. Se o dinheiro é público, o povo que precisa saber exatamente como é tratado.

    “Mais que isso, tornaria pó todos os fundos de investimento. Relembro em que 2002, uma operação mal feita do Banco Central provocou redução no valor das cotas de fundos de investimento. Foi um terremoto que quase desestablizou o mercado.” – Nassif
    Oh! Vamos ofender o Deus Mercado… Bom lembrar que:
    1- As Bolsas de Valores têm diversos mecanismos para evitar a “quebra”;
    2- Diversos investidores fugiram do Brasil por medidas mais inconsequentes de ministros e presidentes a exemplo das falas de Bolsonaro sobre China, entre outros;
    3- Houve grande evasão de divisas em moeda estrangeira nos últimos meses, sem a devida taxação (coisa que o próprio Nassif também denuncia), independentemente de auditoria da dívida;
    4- Já está comprovado o lucro absurdo do sistema financeiro, especialmente no Brasil. Não vai quebrar nada, afinal, são bancos, devem saber como agir com dinheiro deles, né?… Provavelmente, o grande temor é perder CREDIBILIDADE…

    “Mas qual a solução que propõe? “ A auditoria integral da dívida pública, com participação social, é a saída para unir a sociedade para lutar por nossa verdadeira independência”. Ou seja, propõe acabar com a política monetária, acabar com a dívida pública, em nome da “nossa verdadeira independência”. E quem considerar a proposta inexequível é defensor do capitalismo financeiro.” – Nassif
    Nassif leu em qual texto ou momento que a auditoria é contra a dívida pública? Queremos apenas transparência e que de fato a dívida seja feita para projetos úteis para a população do Brasil. Investimento na industrialização, obras de infraestrutura, saneamento, entre outros. Isso sem contar que existem várias políticas monetárias e econômicas que podem e devem substituir a atual. A propósito, o Equador fez a auditoria, aplicou as orientações e em seguida teve investimentos em Saúde e Educação multiplicados. Por outro lado, Grécia fez a auditoria mas as autoridade ignoraram as orientações e… quebrou. Simples assim.

  4. O que os jornais não explicam sobre a dívida pública, por José Salvador Faro

    Por João Mello -27/01/2016

    Do História, Cultura, Comunicação

    Dívida pública: o que o noticiário não diz nem os jornais explicam

    José Salvador Faro

    Neste caso específico do volume de recursos financeiros que oneram o Estado através da dívida pública, me parece que dois contextos precisam ser obrigatoriamente constituídos para que a dimensão social da notícia seja alcançada. Um primeiro contexto é o da causalidade racional do fato.

    Num país de fraca acumulação capitalista e que tem à frente de suas práticas empresariais uma burguesia anêmica e provinciana – mais preocupada em burlar direitos e em lucrar no nível da ganância – corresponde ao Estado o papel de indutor e de promotor dos investimentos. Sem que cumpra essa função – que lhe dá a definição desenvolvimentista – o Brasil estaria ainda vivendo o estágio da economia agrário-exportadora da era colonial. Aliás, no agronegócio há muita semelhança entre um período e outro.

    Essa é uma dimensão estrutural da dívida pública e gigantescamente estrutural pois que o valor de R$ 2,8 trilhões indicados na matéria, levando em conta as grandezas do quadro econômico e social de um país como o nosso, é até pequena. E um aumento anual dessa dívida em 21,7% pode perfeitamente ser relativizado frente a outras demandas. Onde isso tudo aparece no noticiário?

    O segundo contexto é um círculo que envolve o condicionamento político da dívida pública pelo qual seus próprios beneficiários são culpados: o diabólico sistema de desonerações fiscais e de subsídios de todo o tipo que o governo põe à disposição dos empresários imaginando que com isso vai tirá-los da letargia e do parasitismo em que estão acostumados a viver desde sempre. As matérias indicadas abaixo dão bem a dimensão do problema, mas é suficiente emoldurá-lo: cumprimos todos os anos a liturgia de transferir da sociedade para as mãos privadas da nossa burguesia uma soma estratosférica de recursos e o nome disso é dívida pública.

    Os impostos que a precária inteligência da Fiesp quer pagar a menos são o tiro no pé dos próprios empresários. E isso nem o Sr. Paulo Skaf tem coragem de dizer (talvez nem mesmo saiba do que estamos falando) nem os jornais dizem, preocupados como estão em construir textos pobres de entendimento e ricos em espetacularização.

    Sugiro a leitura: * Perdas com o serviço da dívida (Nova Democracia) * Dívida pode superar limite de 70% do PIB em 2016 (Valor) * Arrecadação soma $ 1,2 trilhão em 2015, pior resultado em 5 anos(Valor) * Desequilíbrio fiscal brasileiro e as consequências do financiamento da dívida (IHU) * Governo pode perder R$ 116 bi com desoneração (Estadão) * Dilma deu R$ 458 bilhões em desonerações (Folha) * Impostos: quem paga o pato não é a Fiesp (Outras Palavras) * Governo acaba com ‘Bolsa Empresário’ e fica com dívida de R$ 214 bilhões (Folha).

    José Salvador Faro é Professor da UMESP e da PUC-SP

    https://jornalggn.com.br/analise/o-que-os-jornais-nao-explicam-sobre-a-divida-publica-por-jose-salvador-faro/

  5. Ou uma sociedade capitalista ou socialista, o resto é enxugar gelo.
    A única forma possível de acabar com o problema não só da dívida pública como também a privada, é com um processo revolucionário de esquerda, onde os meios de produção passam a mão do Estado, todo o sistema financeiro seja estatizado ou colocado na mão de cooperativas de poupança e empréstimo (uma forma que criará problemas mais adiante), e as pessoas que necessitam do dinheiro para sobreviver seja assumida essa responsabilidade pelo governo.
    O Brasil seria um dos países mais simples de realizar a saída para o socialismo, em outros países o grande problema inicial da socialização foi a segurança alimentar exatamente devido a transição, num país em que a agricultura e pecuária produzem em termos de calorias (não estou falando em termos de produtos) a transição para uma abundância de alimentação com muita sobra para a exportação, é resolvida em meses antes que estoques terminem.
    Dívida pública e privada (pessoa física) seriam simplesmente extintas, enquanto isso se discutiria o papel dos bancos públicos, que a base do seu funcionamento seria lucro líquido zero, ou de acordo com a política a ser implementada que poderia ser de lucro negativo.

  6. Gostaria de saber por que não se trata aqui do PL 3877/2020, de iniciativa do Senador Rogério Carvalho (PT/SE). É um mistério que há muito tento desvendar.

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