Um plano para que a América Latina ressurja das cinzas ideológicas

Do Instituto Humanitas Unisinos

Um Plano Fênix para a América do Sul

“Apresentamos esta contribuição sob a invocação da ave mitológica, porque estamos convencidos de que a América do Sul pode ressurgir da tragédia a que foi submetida por  idéias e políticas incompatíveis com os seus interesses fundamentais”. O texto faz parte do documento “Um plano Fênix para a América do Sul” subscrito por uma série de economistas latino-americanos que diante da crise mundial propõe um fórum permanente de debates para fazer frente à ortodoxia neoclássica que “no cenário mundial de riscos pode novamente enredar nossos países como fornecedores periféricos de produtos primários”.  A reprodução é de Alfredo Zaiat em artigo para o Página/12, 12-11-2011. A tradução é doCepat.

Eis o artigo.

A crise nas potências econômicas se manifesta na desordem financeira, na redução de direitos dos trabalhadores e aposentados e na perda de legitimidade política dos governos, subordinando-se à aplicação de medidas recessivas. Estas são as manifestações mais evidentes que dominam a análise global de uma debacle de grandes proporções.

Outra demonstração dessa derrocada não se divulga no espaço público. É a crise de paradigma do pensamento neoliberal, hegemônico nas últimas três décadas. O questionamento cada vez mais intenso não significa que não continue hegemônico, conforme se vê no caminho adotado pelas economias centrais, na fraqueza de sua lideranças políticas e na crescente influência do FMI na arquitetura financeira global que perturba a estabilidade.

Esse predomínio é observado ainda na presença de representantes da corrente ortodoxa e na definição de políticas de ajuste fiscal nos EUA e na Europa, ou na estratégia de procurar influenciar as expectativas sociais e empresariais nos países que denominam pejorativamente de populistas. Esta atividade militante se vê nesses dias num momento de esplendor no mercado regional, com economistas do establishment em permanente aparição no rádio, na televisão e nos jornais de grande circulação, numa espécie de cadeia nacional privada a disposição da produção do show de medo .

A diferença substancial para com os países que agora sofrem e aprofundam a crise com medidas do receituário neoliberal é que aqui já se conhecem os seus resultados dramáticos e quem foram os autores materias e intelectuais dos desastres. Essa vantagem relativa é que permite um outro tipo de economia na contramão dos prognósticos negativos e, ao mesmo tempo, desenvolver uma batalha de idéias um pouco menos desigual. Oferecem-se espaços de discussão para disputar o sentido econômico comum, deixando para trás a desqualificação que a ortodoxia atribuía nos anos noventa aos chamados economistas não profissionais.

Com a força dos resultados e honestidade intelectual, legitimidade que consultores da citynão podem exibir após o fracasso das políticas que aconselharam, economistas reunidos na Faculdade de Ciências Economicas, um lugar de resistência ao neoliberalismo durante a conversabilidade da moeda, apresentaram por iniciativa de Abraham Gak, o Plano Fênix para a América do Sul – uma contribuiçã ao debate econômico com pensamento crítico.

O documento chamado “Declaração de Buenos Aires”, com a coordenação geral de Aldo Ferrer, discutido na quinta-feira por um grupo de economistas [nota 1], sugere a constituição de um fórum de discussão interdisciplinar e inter-regional para contribuir junto a opinião pública, da necessidade de se desenvolver ações voltadas para a integração regional como um meio essencial para sustentar um processo integral de desenvolvimento econômico com eqüidade social.

O documento expressa que a região pode enfrentar com sucesso as pressões de poderosos setores nacionais e transnacionais. Afirmam que “apresentamos esta contribuição sob a invocação da ave mitológica, porque estamos convencidos de que a América do Sul pode ressurgir da agonia a que foi submetida por  idéias e políticas incompatíveis com os seus interesses fundamentais”. Acrescentam que “esta tarefa é permanente, crítica e urgente no atual ambiente, marcado pela crise da civilizatória, na emergência de novos protagonistas e no cenário mundial de riscos de que os nossos países possam novamente ser enredados como fornecedores periféricos de produtos primários”.

Após esta declaração de princípios e para resolver o problema histórico da concentração da riqueza e suas inaceitáveis consequências de pobreza e exclusão, aconselham fortalecer a governabilidade das economias da região, avançar na transformação produtiva e incorporar ciência e tecnologia como elementos de transformação da realidade. “Enfrentamos, pois, o desafio de recuperar a plena capacidade de decidir nosso próprio destino na ordem mundial contemporânea, coordenando ações conjuntas e respondendo as significativas assimetrias que nossos países apresentam”.

Num oportuno resgate do pensamento de Raúl Prebisch, lembram que no final dos anos 40, este economista sugeriu que o regime das relações internacionais e as ideias que lhe sustentam, que mais tarde se chamou “globalização” eram inequitativas e incompatíves com o desenvolvimento da gestão da política econômica dos países periféricos.

Prebisch definiu a ortodoxia neoclássica como “pensamento cêntrico”. Ela sustenta que as economias nacionais são segmentos do mercado global, o qual determina a alocação de recursos, a distribuição de renda e a posição de cada uma delas na divisão internacional do trabalho, nos fluxos financeiros, nas cadeias transnacionais de valor e na criação e gestão do progresso técnico. Daí deriva a política econômica imposta, fundada na abertura incondicional ao mercado mundial, na redução do Estado em sua mínima expressão e no abandono de qualquer tentativa de construir projetos nacionais de desenvolvilmento.

Com este respaldo analítico, o Fênix latino-americano define que “o primeiro requisito para promover o desenvolvimento é rejeitar o corpo de idéias desenvolvidas nos países dominantes, a partir da teoria clássica do comércio internacional até as expectativas racionais e o Consenso de Washington“.

Como se estivessem referindo-se à crise os EUA e da Europa – embora na realidade fosse um alerta para as sociedades latino-americanas que estão e continuam sendo  bombardeados por idéias neoliberais – explicam que “a entronização do mercado como instituição central, fundante  e imposta com particular força a partir de final dos anos 70, provou, mais de uma vez, ser uma opção inviável”.

Indicam que a prevalência do sistema financeiro sobre o sistema de produção, também chamado de “financeirização” não apenas contribui para desorganizar os mercados de capitais, mas também  atacam os diversos flancos da economia real e do emprego, induzindo espirais acumulativas que terminam desestabilizando a atividade econômica, corroendo os laços sociais e, finalmente, prejudicando os proprios Estados-Nação.  “O sistema financeiro atual instala também o desperdício, a polarização na distribuição de riqueza e da renda, e a desvalorização do trabalho em detrimento da especulação e da ‘economia casino’ e, finalmente, a anomia moral”, afirmam.

O Plano Fênix para a América do Sul toma como referência a crise global do final de 2007, e afirma que a mesma está enfraquecendo a influência do paradigma neoliberal como ” cânone organizador da ordem mundial” e que, diante desse vazio teórico, “retornam as idéias inspiradas por Prebisch e Furtado e outros mestres do estruturalismo latino-americano”. Na busca de respostas proprias aos desafios e oportunidades, se retoma um conceito orientador de Aldo Ferrer que diz que cada país tem a globalização que merece em virtude da qualidade de suas políticas nacionais. Assim, está dado o cenário apropriado para organizar respostas diferentes às neoliberais.

E aqui aparecem propostas de linhas de ação: fortalecer a estratégia de inserção internacional a partir do espaço regional e através da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Para concluir que “devemos instalar o debate sobre as políticas regionais necessárias não apenas para  enfrentar as consequências da crise dos países centrais, mas, principalmente, para corrigir as assimetrias que se constituiem num obstáculo intransponível para o progresso comum de todo o nosso povo, gerando a possibilidade de um desenvolvimento sustentado por uma distribuição eqüitativa da renda que nos permita uma vida em comum, que será digna se chegar a todos”.

Nota 1: José Miguel Amiune, Ricardo Aronskind, Marta Bekerman, Carlos Bresser Pereira, José Briceño Ruiz, Alberto Couriel, Renato Dagnino, Jorge Elustondo, Aldo Ferrer, Jorge Gaggero, Abraham Leonardo Gak, Cecilia Gómez, Martín Hopenhayn, Matías Kulfas, Alberto Muller, Oscar Oszlak, Sara Rietti, Julio Sevares, Hugo Varsky, Mariana Vázquez, Guillermo Wierzba, Alejandro Vanoli, Alfredo Zaiat.

Luis Nassif

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