Uma decisão trágica

Coluna Econômica – 19/05/2007

Futuramente, o dia 24 de janeiro de 2007 será reconhecido como o dia da irresponsabilidade monetária, o início efetivo da segunda onda de destruição da indústria e do emprego industrial brasileiros.

Naquele dia, reunido em Brasília, o COPOM (Comitê de Política Monetária) decidiu reduzir o ritmo de queda da taxa Selic para 0,25 ponto percentual. Eram sete os membros do Copom: Afonso Sant’Anna Bevilaqua, Alexandre Antonio Tombini, Antonio Gustavo Matos do Vale, Mário Magalhães Carvalho Mesquita, Paulo Sérgio Cavalheiro, Paulo Vieira da Cunha e Rodrigo Telles da Rocha Azevedo, além do presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Anotem o nome. Quatro desses sete diretores votaram pela redução da queda dos juros, de 0,5 para apenas 0,25 ponto por reunião.

Não foi apenas o fato do anúncio ter sido feito poucos dias depois do lançamento do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), nem o fato de todos os indicadores de inflação apontarem uma situação de plena normalidade.

Era o fato de, tecnicamente, ter-se uma situação internacional de amplíssima liquidez, a perspectiva de melhoria do “rating” do Brasil (o que ampliaria o fluxo de dólares para o país). E o mercado estar com o dedo no gatilho, esperando um sinal do BC para avaliar se aumentaria as apostas na desvalorização do dólar.

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Há muito tempo as aplicações de renda fixa no Brasil tinham se tornado a menina dos olhos do mercado internacional. Têm-se dois tipos de ganho: taxas de juros extraordinariamente elevadas e desvalorização do dólar. Se o investidor aplica com o dólar a R$ 2,20 e resgata como dólar a R$ 2,00, o diferencial é ganho dele.

O mercado tinha fixado dois pisos psicológicos para reduzir as aplicações em dólares no Brasil: ou o dólar abaixo de R$ 1,90 ou a taxa Selic perto dos 10%. Com meio percentual de queda, se chegaria mais rápido a esses 10%. Quando o BC reduziu o ritmo de queda para 0,25 indicou claramente para o mercado de que o prazo para chegar aos 10% seria esticado. Com essa folga, começou o ataque apache.

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Os efeitos se fizeram sentir imediatamente, quando o dólar começou a deslizar para baixo, e não mais parou. Depois, foi apenas esperneio, com o BC comprando dólares para impedir a aceleração da queda, ou montando operações onerosos para o Tesouro. Essa agonia perdurou até esta semana, quando o BC jogou a toalha, o dólar caiu abaixo dos R$ 2,00 e parece caminhar inexoravelmente para R$ 1,80 ou menos.

Os impactos sobre a economia serão sentido por anos. No último ano, real caro e invasão chinesa já haviam provocado mudanças substanciais em muitos setores da economia. Sem condições de competir, muitas empresas descobriram o caminho da China, e passaram a adquirir insumos, depois componentes mais elaborados e, finalmente, produtos completos da China, Vietnã, da Ásia em geral. Conseguiram sobreviver ao câmbio apreciado, mas praticamente abdicando de sua condição de indústria, despedindo trabalhadores, abrindo mão de investimentos, de pesquisa, de design.

Todo esforço agora, será apenas para impedir um aprofundamento ainda maior do estrago. Depois que o câmbio despenca, não tem caminho fácil de volta.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

20 Comentários

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  1. O sentido histórico é
    O sentido histórico é importante. Em todos os ciclos da história há os que não tem nenhuma sensibilidade para a dinâmica dos ciclos e se aferram a certezas em busca de sgurança psicologica. A mudança é dolorida, a inércia é confortável. Albert Souboul, o grande historiador da Revolução Francesa mostra não apenas a indiferença da nobreza ao sofrimento do povo mas sim a certeza absoluta de que tudo estava bem e no melhor dos mundos, dias antes da eclosão do 14 de julho. Alan Moorehead na sua História da Revolução Russa mostra como em 1916 os negócios iam bem em São Petersburgo, ganhava-se muito dinheiro com a guerra, festas e luxos faziam rodopiar a cabeça dos ricos. Um ano depois caia o regime, o Império, a aristocracia e o capitalismo, poucos percebiam as correntes profundas, nem Lenine acreditava no sucesso da Revolução em 1916.
    Quinze dias antes da crise de 29 de outubro de 1929, o maior economista monetarista dos EUA, Irving Fisher, mais importante à época do que Milton Friedman nos nossos tempos, fez uma declaração pública de que o ciclo de expansão iria continuar, que as condições da economia estavam ótimas e que o futuro da América era róseo. Quinze dias depois implodiu a Bolsa de Nova York e iniciou-se a Grande Depressão que só iria terminar dez anos depois, com a Segunda Guerra.
    Vemos nete blog a expressiva quantidade de leitores que veem a economia como ótima, todos os indicadores excelentes, fecham deliberadamente os olhos para os macro problemas politicos, de administração do Estado, sociais, de infra estrutura e de falta de um rumo claro para o País, para não usar a expressão projeto nacional.
    Basta um único, não mais que um indicador para dar calafrios : três milhões de jovens tentam entrar a cada ano no mercado de trabalho e poucos conseguem trabalho. Nestes incluem-se jovens diplomados, com razoável preparo, que vão estatìsticamente esperar anos para encontrar alguma coisa para fazer em uma economia estagnada.
    Professores de medicina da USP dizem que os recem formados perguntam a eles a todo instante como fazer para mudar e trabalhar nos EUA.
    Esse é o País real, não o país do “investment grade” e do 51.000 pontos da BOVESPA.
    Os que tem o seu nicho protegido fazem questão de não ver o seu entorno, os economistas-chefes de bancos ai estão para assegurar o futuro róseo do Brasil.

  2. E tem mais naquela data um
    E tem mais naquela data um corte 0,5% nominais nos juros da Selic parecia muito, agora me parece muito, muito pouco, para o tamanho desastre que aquela decisção provocou.

  3. Há males que vem para o
    Há males que vem para o bem.

    Pelos praticamente liquidou com os argumentos de os juros não interferiam e nem interferia sobre a taxa de cambio.

    E mais que cambio é parte importante e as vezes determinante na formação dos preços da economia, e que se o Banco Central não tem meta para o cambio precisa tê-lo com referência importante na deterninação da taxa de juros da Selic, sobe o risco de perder o controle da própria meta de infflação.

  4. Creio ser este o ponto o
    Creio ser este o ponto o COPOM continua praticando uma taxa de juros pagando um premio de risco e falta de liquidez que já não existe mais.

    Nem o Governo do Presidente Lula apresenta ser um risco de renegociação da dívida pública e nem há falta de liquidez para os títulos publicos tanto no mercado interno como no externo.

    É necessário entender que a função dos juros altos da Selic. já completou seu papel e precisamos colocar os juros nos mesmos ou ser o caso abaixo dos niveis dos juros internacionais, o própripo risco Brasil já esta abaixo da média do risco dos países emergentes.

  5. Ressentimentos com o
    Ressentimentos com o empresariado nacional, visto por muitos como egoísta. Crença, açodada por um nacionalismo simplório, de que a desvalorização da moeda americana é uma vitória econômica. Euforia pelo aumento do poder de compra de bens de consumo, num mundo em que se propagandeia o binômio comprar e ser feliz. Dificuldades em entender, por mais que alguns tentem explicar, incluindo você, as relações entre variáveis financeiras, num país em que o português e a matemática não são devidamente compreendidos, incluído esse espaço. Visão holística precária, acentuada pelas análises estreitas e simplificadoras difundidas pelos meios de comunicação. Despreparo mesmo, sem má fé, de muitos que atuam na grande mídia.
    Estão aí alguns dos ingredientes que fazem de sua cruzada um trabalho de Hércules.
    Sugestões: calma, paciência pedagógica, ironia e humor. Não se desespere, já que querem rotulá-lo como merecedor de uma camisa de força. De qualquer, uma certa dose de agressividade sofisticada é sempre bem vinda. O mundo não respeita os humildes. Um abraço.

  6. Luis escreveu:
    “Acho que o
    Luis escreveu:
    “Acho que o Meirelles é voto de Minerva.”

    De fato, deve ser. Entao os 3 que votaram por 50 bp sao, na minha opiniao, o Mario Mesquita, o Paulo Vieira da Cunha e o Alexandre Tombini — os tres cujos curriculos tem alguma experiencia fora do mercado financeiro brasileiro. (Eh soh um palpite, posso estar redondamente errado).

  7. Ola queria apenas fazer um
    Ola queria apenas fazer um humilde comentario ja que graduacao para contrapor essa opiniao nao tenho apenas gostaria de dizer ou de saber quando vamos parar de maquiar aquilo que realmente e necessario neste pais parar de reclamar ou filosofar e exigir que nosso governo deixe de ser um elefante branco e dezonere o setor produtivo assim podendo provar para o mundo inteiro de que este pais e capaz, isso e claro todos vcs graduados sabem, o existe em algum outro lugar deste planeta uma regiao tao rica e abecoada como esta que esta em nossas maos, duvido e pelo que parece nossa populacao vem acordando e muito em breve teremos cultura para mostrar ao mundo a que viemos ou fomos descobertos. NOSSA FALENCIA NUNCA FOI ECONOMICA SRS, E SIM CULTURAL!!!!! ATE

  8. Nassif, amigos, boa
    Nassif, amigos, boa noite.

    Dois ou tres pingos de prosa:

    – Li e reli a lista dos copômicos, vejam: “Eram sete os membros do Copom: Afonso Sant’Anna Bevilaqua, Alexandre Antonio Tombini, Antonio Gustavo Matos do Vale, Mário Magalhães Carvalho Mesquita, Paulo Sérgio Cavalheiro, Paulo Vieira da Cunha e Rodrigo Telles da Rocha Azevedo, além do presidente do Banco Central Henrique Meirelles.” Senti alguma coisa meio estranha… Quando caiu a ficha, vi que na nominata havia apenas um “estrangeiro”, o Tombini, todos os demais soavam e soam como trombetas de majestade.

    – Não posso deixar de confessar que gostei mais da intervenção do André Araujo. Parabéns. Espero que sua previsão nã se realize.

    – Aquela do Presidente reconhecer estar próximo da perfeição me arrepiou da ponta do dedão ao último dio de cabelo. Ai, Ai, Ai.

    – Se são sete, fora o Henrique Meirelles e se tem falado em quatro a tres, o Meirelles raramente vota; ficam apenas casos de ausência ou abstenção.

    Abraços

  9. Nassif,

    Realmente percebe-se
    Nassif,

    Realmente percebe-se que não havia nenhuma necessidade de reduzir o percentual de queda dos juros. Por outro lado, li no blog do jovem João Villaverde – e até sugeri que ele mandasse a você o post publicado acima – uma coisa extraordinária, que geralmente não é comentada em público: se a taxa Selic cair para níveis internacionais os bancos teriam de reformular toda sua atuação, revendo localização de agências, número de funcionários e certamente teriam maior dificuldade para produzir lucros. Percebe-se então o que esses bancos não devem estar fazendo por baixo dos panos para convencer o Banco Central da inconveniência de baixar muito os juros.

  10. Pedro, proporei o Nobel para
    Pedro, proporei o Nobel para o Meirelles. Não conheço história de país que tenha apreciado sua moeda dessa maneira, sem dispor de pleno emprego nem de produtos competitivos, e tenha conseguido assegurar o crescimento. Sugiro consultar os dados sobre a redução geral no valor agregado da produção industrial. O buraco vai além das costureirinhas do Vale dos Sinos.

  11. Nassif,
    Bom trivial de
    Nassif,
    Bom trivial de domingo e siga o que o J. Hamilton propôs.
    Enquanto isso, meu amigo Paulo da Metaltec, que produz máquinas de recauchutagem de pneus, passará a revender similar chinês. Acredito que, desta vez, ele dará o bilhete azul aos seus mais de 50 “companheiros”, colaboradores da Metaltec.
    A Sigrist, idem ibidem.
    Ah! Esse pessoal todo é cria do Senai. Estão jogando o chapéu.
    Saudações

  12. Nassif, as empresas que estão
    Nassif, as empresas que estão chantagiando o governo, através do seu lado emocional, alegando que é melhor produzir em países asiáticos, sabem que essa não é a solução. A solução é interna e , na sua maioria, passa pela competencia. Já foi a época em que o governo, a qualquer sinalização, alimentava a incompetencia de determinados seguimentos empresariais. Com esse paternalismo, de socializar ganhos, atrazou muito a competividade da indústria nacional na economia globalizada. Se o governo Lula tivesse atendido a todas as presssões, estariamos hoje, sem nenhuma dúvida, convivendo sem uma economia e uma inflação estáveis. É o que muitos empresários querem, a desorganização interna de prêços e inflação, principalmente o sistema financeiro. E por falar em sistema financeiro, você acha correto , com uma inflação de 4% ao ano, os bancos cobrarem taxas de juros entre 40 e 50% ao ano, além das taxas de serviços que cobrem todos os custos fixos dos bancos ? Ou só a selic de 12,5% está elevada ? Ou cobrarem participação entre 3 e 5% para administrar fundos de investimentos ? Estamos cuidadando de algumas partículas , mas estamos esquecendo de cuidar do – todo – Analise a inflação acumulada desde o ínicio do real e veja se o dólar está defasado ou não. Acho que ele está atualizado com a inflação.Basta verificar.


  13. – Li e reli a lista dos

    – Li e reli a lista dos copômicos, vejam: \”Eram sete os membros do Copom: Afonso Sant’Anna Bevilaqua, Alexandre Antonio Tombini, Antonio Gustavo Matos do Vale, Mário Magalhães Carvalho Mesquita, Paulo Sérgio Cavalheiro, Paulo Vieira da Cunha e Rodrigo Telles da Rocha Azevedo, além do presidente do Banco Central Henrique Meirelles.\” Senti alguma coisa meio estranha… Quando caiu a ficha, vi que na nominata havia apenas um \”estrangeiro\”, o Tombini, todos os demais soavam e soam como trombetas de majestade.”

    Mario Mesquita e ex-FMI e Paulo Vieira da Cunha e ex-Wall Street. Nao sou mosca na parede, mas desconfio que ambos tenham votado por uma reducao mais agressiva.

  14. Luís,

    Como o André Araújo
    Luís,

    Como o André Araújo escreveu..” … três milhões de jovens tentam entrar a cada ano no mercado de trabalho e poucos conseguem trabalho…”
    Por que não pesquisar mais a fundo o que vem acontecendo com esses jovens? Aqui na Inglaterra trabalho em duas áreas ( interprete e atendimento a cartão pre-pago) e estou diariamente em contato com jovens brasileiros que estão no exterior, e o êxodo desses jovens é impressionante e assustador…Chega a ser, as vezes uma realidade bastante triste ver aonde esses jovens, que tem, na sua grande maioria curso superior, trabalham . Uma dura e injusta consequência do que vem acontecendo no pais.

  15. Caro Nacif, se tivéssemos um
    Caro Nacif, se tivéssemos um congresso que fosse realmente um CONGRESSO, faria uma CPI para investigar esta farra dos juros. A sangria apontada pela recente Operação Navalha é “café pequeno” nesta forma de lesa pátria que estamos assistindo. Bilhões de dólares estão entrando na forma especulativa, atrás destes juros fantásticos e, quando sairem, deixaram um estrago irreparável na nossa economia. Estes Senhores (não só nesta administração) que mantém esta política de juros altos ou são incompetentes, ou … Será que não percebem que as nossas indústrias, por falta de opção, estão preferindo comprar na China ao invés de produzir aqui. Todo pais se protege, principalmente os setores mais frágeis, vide EUA e Comunidade Européia no caso da agricultura, a resposta não é sobre taxar o produto chines e sim impedir que o dolar se desvalorize por mera especulação financeira que tem data para acabar.

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