Uma ponte de safena para a indústria, por David Kupfer

Jornal GGNDavid Kupfer, professor do Instituto de Economia da UFRJ, analisa o “quadro de enfermidades” da indústria brasileira, que acumula uma queda de quase 20% em seu crescimento nos últimos dois anos. Kupfer afirma que, para compreender o que esperar a longo prazo, é preciso decifrar o enigma do “aprisionamento da indústria brasileira em uma trajetória de especialização regressiva que já dura mais de 30 anos”. Para ele, tanto o regime competitivo orientado para dentro falhou, assim como o  “orientado para fora também fracassou a seu tempo”. Leia mais abaixo:

Do Valor

Uma ponte de safena

David Kupfer

É sabido por todos que a indústria brasileira está enfrentando um quadro de enfermidades de gravidade poucas vezes vista em sua história. Os números da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, divulgados há um par de dias, embora mostrem um crescimento de 1,4% de março sobre fevereiro na série livre dos efeitos sazonais, apontam para um tombo de 11,7% em relação a igual mês do ano passado, acumulando um recuo de 9,7% nos últimos doze meses e de quase 20% nos últimos dois anos. Mesmo diante do fato de que a produção no segmento de bens de capital tenha aumentado pelo terceiro mês consecutivo, sugerindo que a indústria possa ter, enfim, tocado o fundo do poço, não resta qualquer dúvida de que o poço é fundo. O quantum hoje produzido pela indústria simplesmente retrocedeu a valores semelhantes aos do início da década passada.

Mas o que esperar em prazo maior? A resposta não é fácil porque requer decifrar um intrincado enigma: quais as razões que explicam o aprisionamento da indústria brasileira em uma trajetória de especialização regressiva que já dura mais de 30 anos, independentemente dos diferentes regimes competitivos adotados pelo país no período. Quer dizer, a especialização regressiva, que já era a tônica do movimento da indústria na fase de estagnação dos anos 1980, prosseguiu tanto no regime competitivo “orientado para fora” dos anos 1990 quanto no “orientado para dentro” dos anos 2000.

Especialização regressiva é a trajetória industrial na qual os setores intensivos em recursos naturais evoluem positivamente, em detrimento dos setores baseados em estratégias competitivas mais complexas, que envolvem maiores níveis de investimento fora do chão de fábrica, em atividades de esforço de venda, diferenciação de produtos e inovação. Por serem os primeiros menos dinâmicos na geração de renda e emprego e mais sujeitos aos ciclos de preços e quantidades do comércio internacional, são menos indutores de dinamismo econômico, constituindo uma das principais razões estruturais para o baixo crescimento de longo prazo da economia brasileira.

Para avançar na compreensão da questão, é importante ter claro que regimes competitivos não operam sozinhos. Seu alcance depende de condições iniciais e do contexto macro-institucional em que são adotados, sendo, portanto, inúmeros os fatores intervenientes. Ficam registradas aqui quatro deles em meio a outros tantos que podem ser adicionados à análise no caso brasileiro. Primeiro, a macroeconomia da estabilização adotada pelo país em todo o período, baseada no trinômio juros altos-­câmbio baixo­-aperto fiscal, manteve-­se sempre hostil ao desenvolvimento industrial.

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Redação

6 Comentários

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  1. Ponte de safena…

    Seria como um dinheiro-duto entre Miami e Brasil, trazendo pelo menos parte das riquezas que maus brasileiros (e agora chorões) tem levado fora historicamente. Mais de 500 bilhões de dólares, pelas últimas contas.

    A indústria brasileira é uma ilha o compartimento, incomunicada verticalmente pela própria base industrial. Brasil é um corpo incompleto, com a base que exporta matérias primas e uma industrialização de montagem para “consumo”, com materiais importados, para vender aqui bugigangas estrangeiras.

    1. Correto. Com algumas honrosas

      Correto. Com algumas honrosas exceções como a Embraer a sua indústria é basicamente o modelo de exportação de matéria-prima tipicamente encontrado em colônias, e que a sua “elite” procura manter com unhas e dentes até hoje.

      Vocês têm potencial para fazer melhor: Basta ver a Embraer, Petrobrás (vocês perfuram em águas profundas enquanto os outros países ainda engatinham nessa área), Eletronuclear, entre outras. Mas a sua “elite” ainda está socialmente, culturalmente e mentalmente no tempo do Brasil colônia (com uma boa ajuda dos países interessados em que continue assim é claro), vocês exportam minério de ferro bruto quando deveriam exportar no mínimo chapas e barras de aço. Vocês exportam soja in natura quando deveriam exportar produtos derivados como óleo de soja e produtos alimentícios industrializados.

      O seu empresariado vê com desprezo o seu mercado interno por considerar que escravo (lembre que a mentalidade deles parou no tempo) não é consumidor, se contentando em produzir uma pequena quantidade de itens de luxo para uma “aristocracia” local ao invés de produtos de boa qualidade e preço razoável que possam competir de igual para igual no mercado externo. Dá de ver isso claramente na forma como vocês exportam todas as frutas boas e vendem no mercado interno apenas o que é recusado no exterior.

      Ou ainda pior, tentam bancar os “espertos” importando o que é considerado refugo no exterior para vender no mercado interno como se fosse “item de luxo”, ignorando que na era da Internet qualquer um pode comparar preços e produtos globalmente (o que também é uma mostra de desprezo pelo consumidor interno). Não me admira que a sua indústria esteja sempre “em crise”.

      E mais bizarro ainda, o seu empresariado, por meio da FIESP, quer um governo que corte gastos e seja “mínimo” mas os atos destes mesmos empresários mostram que eles querem é cada vez mais ajuda (a fundo perdido) do governo e mais proteção contra a concorrência exterior para que não tenham que se aperfeiçoar e se modernizar. Um colega meu até brinca que vocês querem (tradução aproximada) “capitalismo para os pobres e socialismo para os ricos”.

      Está mais do que na hora da sua classe empresarial deixar de ser medieval e entrar no século 21, caso contrário a concorrência vai esmagá-los sem piedade e nenhum governo será capaz de salvá-los.

  2. uma ponte de safena…

    Indústria? Que indústria? Nós nunca acreditamos nisto. Enquanto o Estado Brasileiro for a maior fonte de dinheiro à elite nacional, de direita ou esquerda, situação ou oposição, nunca pensaremos em indústria de forma séria. É como o ouro brasileiro, que os portuguesese e a já existente elite brasileira,  pensavam deixá-los inalcançáveis, enquanto fazia o financiamento da Revolução Industrial da Inglaterra. Os dois ficaram escravos dos britânicos.. Mas querer que o Brasil aprenda com a História? As 500 maiores filiais das maiores empresas do mundo estão no Brasil, parasitando, aproveitando, impondo preços extorsivos, qualidade péssima, controle de mercado, transferindo bilhões e bilhões de dólares para as matrizes. E o que exigimos em troca pelo acesso de um mercado tão grandioso? E tem quem acha que temos um mercado fechado. Fechado para o lucro de multinacionais. E isto governo algum alterou. Se quisesse faria como os caças da FAB. Querem vender seu produto? Queremos o que há de melhor. Transferência de fabricação em território naional, mas não para produtos sucateados como feito pelas multinacionais instaladas no país. Queremos a total transferência de tecnologia, que será usada pela indústria genuinamente brasileira no futuro. Anos de estudos e tecnologia adquiridos de forma competemte e rápida. É muito fácil, o Brasil já sabe como fazer, pratica com a Petrobrás. Não faz no restante da economia nacional porque o Estado continua sendo uma “teta maravilhosa”. 

  3. Lei Kandir?
    Prezado Nassif,
    A Lei Kandir não é o maior catalizador da especialização regressiva?
    Qual o inventivo que o empresário tem em fazer pesquisa e desenvolvimento de produtos se ele pode exportar in natura? Sem nenhum tipo de beneficiamento?

  4. O Brasil perdeu a chance de ter uma indústria. . .

    O Brasil perdeu a chance de ter uma indústria de autos genuinamente nacional. Houve uma tentativa com a Gurgel que não recebeu  o apoio necessário do governo. Poderíamos ter uma fábrica de carros populares de baixa cilindrada, com sede no nordeste e com incentivos governamentais. Agora o timming já passou e isso não é mais possível.

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