Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

A banalidade do Mal do ocultismo nazi no filme “O Cremador”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Um operador de um crematório na antiga Tchecoslováquia, às vésperas da invasão nazista, é um respeitado e aparentemente equilibrado chefe de família que recita nos jantares teses do Livro Tibetano dos Mortos, é obcecado em budismo e reencarnação. E também acredita na missão messiânica da sua profissão: acelerar o trabalho de Deus de fazer o homem retornar ao pó. Essa mistura de cristianismo e budismo na sua cabeça vai encontrar o esoterismo nazi que começa a se espalhar pelo país – a pureza da raça ariana cujas origens milenares estariam no Tibete e a sabedoria guardada pelos lamas. O filme “O Cremador” (Spalovac Mrtvol, 1969) do diretor tcheco Juraj Herz é um mergulho no psiquismo da chamada “banalizadade do Mal”, motor psicológico do nazi-fascismo: como um homem aparentemente equilibrado e sem precedentes violentos mistura cristianismo, budismo e ocultismo nazi para se auto-investir com um propósito sinistro: eliminar a dor e a impureza desse mundo através das fornalhas do seu crematório.

Antes da II Guerra Mundial, ocultistas alemães acreditavam que a Terra era oca, e dentro dela habitava uma super raça com poderes telecinéticos, o “vril”. Sociedades ocultistas como Thule e a Vril na Alemanha contataria esses seres para que os nazistas utilizassem esses super poderes. Antes da guerra iniciar, a SS promoveu expedições oficiais entre 1931 e 1936 para visitar os lamas no Tibete em busca de poderes ocultos e uma suposta origem da raça ariana na Ásia. Em Berlim, os nazis permitiam o ensino do budismo por mestres tibetanos. E a suástica, símbolo indiano e tibetano da boa sorte imutável, tornou-se o símbolo do Partido Nazista.

Na Europa a febre de interesse por ocultismo começou na segunda metade do século XIX, prolongando-se no século XX adentro. O modismo dominava salões e círculos intelectuais – e na Alemanha o Ocultismo encontrou um terreno fértil para se desenvolver em seus aspectos mais sombrios. Pessoas aparentemente sérias e equilibradas passaram a acreditar que poderiam criar uma nova ordem global a partir de ideias e práticas ocultistas.

O filme eslovaco O Cremador é um verdadeiro estudo do caráter psicológico oculto por trás dos aspectos mais conhecidos da ascensão do nazi-fascismo. Mas com uma forte carga de alegoria.

O diretor Juraj Herz ficou conhecido pelo seu interesse nos aspectos góticos, grotescos, surreais e decadentes por meio de uma estilização gótico-barroca. O seu protagonista, com um rosto redondo que sugere um Adolph Hitler por meio de referências ao ator Peter Lorre, domina a tela: é o operador de um crematório na Tchecoslováquia no final dos anos 1930 às vésperas da invasão nazista ao país.

A narrativa mostra como um típico chefe de família de classe média, aparentemente equilibrado e respeitado, aos poucos vai adaptando suas convicções sincréticas cristãs e budistas à ideologia nazista da pureza racial que progressivamente invade o país.

“Ao pó retornarás…”

Obcecado por budismo e a crença na reencarnação, Kopfrkingl (Rudolf Hrusinsky) também crê no papel sagrado e cristão da sua profissão: “O Senhor disse: ‘Lembre-se, tu és pó e ao pó retornarás’. Um crematório, queridos amigos, é claramente um instrumento que agrada a Deus, porque O ajuda a acelerar a transformação das pessoas em pó”, diz o protagonista em uma linha de diálogo.

Certamente, o leitor já deverá estar imaginando como essa convicção cristã  facilmente vai se amalgamar com o ocultismo tibetano e a ideologia nazi da pureza da raça. 

O Cremador vai aos poucos mostrando o mecanismo psicológico da conversão de Kopfrkingl, como ele absorve toda ideia que atravessa a sua mente: a eficiência da cremação, budismo, reencarnação, a noção nazista da pureza do sangue, ocultismo nazi, tudo se fundindo na fornalha da sua mente para reforçar um íntimo complexo messiânico. 

O Filme

Kopfrkingl é um respeitado chefe de família de classe média em Praga, e o operador do crematório à espera da sua promoção a diretor do complexo – o chamado “templo da morte”. 

Seu livro inseparável é Tibete: Magia e Mistério da escritora espiritualista Alexandra David-Néel (budista e exploradora na década de 1920, com grandes estadias no Tibete adquirindo conhecimentos esotéricos dos lamas) que cita e recita nos jantares em família, com sua esposa e um casal de filhos adolescentes. 

Kopfrkingl crê numa função transcendental do seu trabalho: libertar as almas do corpo para que alcancem o éter e voltem a se reencarnar. A morte é sempre bem-vinda e presta um serviço inestimável para o mundo. 

“O sofrimento é um grande mal e temos que fazer de tudo para aliviá-lo”, diz insinuando a eutanásia. Também se apresenta como abstêmio, não fuma e nem bebe, e aparenta um caráter convicto. Porém, apenas esconde dois vícios profundos: o desejo por prostitutas e bordeis; e a ambição em subir socialmente.

A narrativa basicamente consiste em grande monólogos interiores do protagonista, acompanhado de uma trilha composta por um coro fantasmagórico e planos de câmera inusitados como deformações em grande angular e cenas a partir do ponto de vista de objetos em movimento.

Kopfrkingl parece seguro de si, mas aos poucos é influenciado pelas ideias sobre a pureza do sangue divulgadas pelo partido nazista que aos poucos se infiltra na vida política, enquanto as tropas alemãs aproximam-se das fronteiras do país.

Budismo funde-se com nazismo

O homem que tem como profissão transformar pessoas em cinzas e um apego esotérico bizarro pela arte da cremação, começa a justificar a invasão pelos alemães. Afinal, para ele são tão civilizados quanto os checos – a Alemanha também tem leis de cremação desde os tempos antigos.

Obcecado por budismo e reencarnação, integrando com crenças cristãs que fala em seus sermões funerários, Kopfrkingl começa a conciliar budismo com nazismo. Ele conclui maravilhado que os campos de extermínio, com seus crematórios, irão limpar o mundo do sofrimento.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Deveria existir uma “Netflix

    Deveria existir uma “Netflix alternativa” onde se poderia encontrar esses fiolmes de arte. O blog “toca dos cinéfilos” é péssimo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador