A igualdade de gêneros na educação

Do NaEscola

Educação de gênero: por um ensino sem “coisa de menino” e “coisa de menina”

Por Marcela Lorenzoni

“A escola tem que acreditar que pode ser parceira da família. Você não vence o preconceito de uma hora pra outra”.

(Eleutéria Amora da Silva – Casa da Mulher Trabalhadora para o portal Terra)

Ouvir que “meninas são melhores nisso” e “meninos são melhores naquilo” é um desestímulo para as crianças, fazendo com que elas percam o interesse por determinadas matérias (foto: Google)

A proposição de que ainda existe sexismo atualmente é rechaçada pela maioria das pessoas – e, no entanto, quem já não ouviu que “meninos são mais agitados”, “meninas são organizadas e caprichosas” ou que determinadas brincadeiras são mais apropriadas para determinado gênero? Falas como essa contêm um preconceito velado que costuma ser repassado sem que os adultos tenham consciência do que estão propagando.

Pesquisas já mostraram que o sistema educacional é um fator relevante no estabelecimento de uma ordem social – que pode, inclusive, já estar obsoleta. Por isso, é preciso cuidado na hora de dar instruções aparentemente inofensivas às crianças.

“Nós fazemos perguntas simples, como por que separar meninos de meninas em algumas atividades, e ninguém sabe responder. As meninas precisam ser protegidas? Os meninos são incontroláveis? São coisas simples, mas os profissionais de sala de aula não se dão conta” contou Eleutéria Amora da Silva ao portal de notícias Terra (veja notícia completa abaixo). Eleutéria é professora de história e coordenadora geral da Casa da Mulher Trabalhadora, uma instituição que defende a educação não sexista. Declarar alguns esportes como “masculinos” – o futebol, por exemplo, sempre muito ligado à virilidade dos alunos – é uma forma silenciosa de julgar as meninas incapazes nas atividades motoras. O caminho inverso também ocorre: o carinho, o cuidado e a linguagem são tidos como áreas tipicamente femininas.

Isso se reflete nos resultados das crianças e em seu desenvolvimento adulto. Em 2014, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) constatou que as meninas apresentam um desempenho inferior em matemática quando comparadas aos garotos da mesma série – e que isso se deve principalmente à falta de confiança que elas possuem em si mesmas em relação aos números. Em geral, eles ficaram na frente por uma diferença de 11 pontos, o equivalente a três meses de aula. Enquanto isso, as garotas se destacaram na leitura, com 38 pontos a mais (quase um ano escolar inteiro) do que os colegas.

Fica claro que as crianças crescem para se tornar aquilo que se espera delas, e agarram-se a esses rótulos como um modelo a ser seguido. Marília Pinto de Carvalho, professora e membro do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual da USP, disse à revista Educar para Crescer: “os meninos são socializados para serem mais desobedientes e agitados, é o perfil de gênero que se espera deles”. Se o discurso não fosse repetido insistentemente, talvez o comportamento fosse outro.

Mesmo em áreas com predominância feminina, como saúde e educação, a remuneração das mulheres ainda é inferior a dos homens (foto: Google)

Da escola para a vida adulta

Justamente por causa do tratamento diferenciado e suas consequências durante a idade escolar, há nichos profissionais totalmente dominados por um ou outro sexo. Segundo a Associação Brasileira de Enfermagem, a vasta maioria dos trabalhadores da área, por exemplo, é composta por mulheres – dos 2 milhões totais de enfermeiros contabilizados em 2011, 1.4 milhão (ou 87%) eram mulheres. O efeito é reverso nos cursos ligados à engenharia: em 2012, apenas 23% dos formados eram do sexo feminino, de acordo com a Associação Brasileira de Educação em Engenharia.

Elas também são minoria em cargos de chefia e sofrem com a disparidade de salários. Exercendo funções iguais, uma mulher recebe cerca de 70% do pagamento que um homem receberia por hora – e a desigualdade salarial cresce proporcionalmente ao nível da posição ocupada; ou seja, a diferença de rendimento entre gerentes é maior que entre funcionários.

Além disso, as tarefas domésticas continuam sendo majoritariamente femininas. O IBGE confirmou que as mulheres dedicam 20.8 horas ao serviço de casa por semana. Para os homens, no entanto, esse total não passa de 10.

Brincadeiras com bonecas e casinhas são indicadas para todos, por representar a vida familiar harmoniosa que a criança pode ter quando crescer, além de ensinar responsabilidade e divisão de tarefas (foto: Google)

Uma nova abordagem

Para evitar que tais atitudes se perpetuem e garantir uma criação mais livre, é preciso reformular alguns hábitos já intrincados à nossa sociedade. “Para a construção de uma sociedade baseada na igualdade precisamos que esse princípio seja inserido na educação, tanto na escola quanto em casa. A educação tem o poder de ajudar a mudar os valores de uma sociedade”, afirmou a ministra-chefe da Secretaria de políticas para as Mulheres, para a revista Educar para Crescer. E isso vai desde o ensino no ambiente escolar até a educação em casa – por isso, é essencial que a instituição mantenha diálogo com as famílias sobre a importância da igualdade de gênero e da abordagem não sexista.

A princípio, é preciso oferecer um leque amplo de opções para os alunos quanto aos seus interesses e brincadeiras. Não é obrigatório que um menino brinque de boneca se ele não mostrar vontade de fazê-lo, mas, caso ele tenha a iniciativa, isso deve ser estimulado. Afinal, ele também pode optar por ser pai, no futuro, e está apenas imitando a realidade. Brincar de casinha é uma ótima prática para se iniciar uma discussão sobre o trabalho doméstico – se ambos convivem juntos, por que uma pessoa cuida mais do que a outra? Como todos podem ajudar?

Educadores devem lembrar que, durante a infância e a adolescência, as crianças ainda estão em processo de formação – e isso inclui sua sexualidade. Catalogar objetos, cores, roupas como “para meninos” e “para meninas” acaba por gerar uma distorção na compreensão da realidade dos pequenos. Mesmo maquiagens e vestidos não precisam ser banidos entre os garotos: é comum usar da fantasia e dos personagens para superar situações reais, assim como usar batom ou esmalte pode ser uma expressão artística. Isso não irá “transformar” a criança em hétero ou homossexual – essa será uma descoberta que ela fará no futuro, sem qualquer relação com os brinquedos que utilizou quando menor. O saudável é permitir que ela explore suas alternativas sem julgamento. “Os pais devem saber entender e estimular as escolhas dos filhos”, diz Quezia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Imagem que se popularizou nas redes sociais, explicando de forma bem humorada que a criança deve ser livre para escolher os brinquedos que quiser, sem julgamento (foto: Google)

A mudança não passa somente pelo âmbito da ficção: com a família, as crianças devem dividir responsabilidades desde cedo, independentemente do sexo. “Não é para o menino ir jogar futebol enquanto a menina ajuda a mãe na cozinha”, explica a ministra, “ambos devem ajudar na cozinha e ambos podem jogar futebol”.

Outro cuidado a ser tomado é quanto à linguagem empregada pelos adultos. As crianças aprendem pelo exemplo e replicam atitudes que observam nos pais e professores. Portanto, expressões como “gay”, “de mulherzinha” ou “como uma menina” não devem ser utilizadas com sentido pejorativo ou como xingamento. Caso ouça alguma delas entre os alunos, o professor pode organizar uma conversa em grupo para esclarecer o porquê de isso ser um preconceito – mulheres e homossexuais são pessoas como qualquer outra, não um motivo de vergonha, e devem ser respeitados.

Redação

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