A invasão da UFSC: eles têm medo do que não entendem, por Nilson Lage

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Reprodução TV

no blog do Marcelo Auler

A invasão da UFSC: eles têm medo do que não entendem

por Nilson Lage

Universidades são lugares não só de transmissão, mas, principalmente, de criação do conhecimento, Nelas se conversa, e tudo se decide em palestras, seminários, colegiados, conselhos, bancas, encontros, cenáculos, conferências e debates onde se confrontam apocalípticos, integrados, descontentes e gente tão estranha, às vezes, quanto a mulher barbada ou o engolidor de espadas. A polícia é desarmada e tenta conversar com drogados, amantes incontidos, farristas e autores de pequenos furtos: se um traficante se deixa apanhar, leva à delegacia.

Há rituais protegendo isso: as pessoas se tratam por professor, doutor, colega –  quando se odeiam, o fazem com ritual cordialidade – e obedecem à regra de ouro: quando um burro fala, o outro abaixa a orelha. Administrar comunidades assim torna-se algo próximo da competência dos diplomatas e da agilidade dos contorcionistas.

Esse tipo de inversão da ordem social pela democracia dialética ocorre em toda parte, de modo que a universidade inglesa, a despeito de se ter iniciado ali a revolução industrial, abriga alguns dos maiores teóricos do marxismo e o MIT – Instituto Tecnológico de Massachussets – é a muralha que protege dos marcartismos o mais notório crítico conhecido do imperialismo americano, o linguista Noham Chomsky.

As primeiras universidades na América Latina, destinadas a confrontar as avançadas culturas ameríndias – os impérios Inca, Maia e Asteca – datam do século XVI. No Brasil, porém, onde as populações nativas não se haviam organizado em estrutura similar ao que a Europa entendia por nações-estados, elas só foram efetivamente criadas na década de 1930 – no Rio de Janeiro, pelo governo de Getúlio Vargas, e em São Paulo, pela oligarquia local, para combatê-lo no plano das ideias.

No Brasil há atualmente 103 universidades públicas, a maioria federais, mais de vinte delas criadas neste começo de século; três ou quatro universidades confessionais; e algumas instituições de natureza universitária importantes, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, a Escola Militar de Engenharia, a Fundação Oswaldo Cruz ou o Instituto de Matemática Pura e Aplicada. Por liberalidade típica do país, a denominação universidade foi estendida a grande número de escolas de terceiro grau, onde se processa mera reprodução de discursos.

Ora, imaginem o impacto que causou a invasão de um ambiente desses, o campus da Universidade Federal de Santa Catarina, por mais de cem sujeitos com o rosto coberto por balaclavas imitando ninjas e portando armas automáticas de cano longo.  A comitiva marciana, despachada pela falta de senso da  autoridade policial, ia buscar sete professores, um deles o reitor, acusados de nada, mas, segundo denúncia, envolvidos em conspiração talvez existente para ocultar desvios de verbas públicas  de montante desconhecido que teriam ocorrido desde há mais de uma década, em administrações anteriores, em um dos programas da instituição.

O choque foi tão grande que o reitor, difamado e submetido a tratamento que se dava a escravos em navios negreiros, suicidou-se.

Até agora, a autoridade coatora, que o sistema protege, busca encontrar algo que o incrimine.

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Excelente e didatico artigo do professor Nilson Lage

    Esse trecho do artido da bem a dimensão da confusão que armaram com a UFSC. E não dever ser diferente com a UFMG.

    “Desarmada e, pela própria natureza de sua estrutura ideológica plural, de reação demorada, a universidade, institucionalmente agredida, teve enorme dificuldade em defender-se; conseguiu fazê-lo sob pressão dos fatos, com retardo, e se mantém cautelosa, na defensiva. Em parte, porque depende do sistema que a oprime; em parte, porque a vida acadêmica segue o ciclo do ano letivo, que estava para terminar quando ocorreu o assalto; em parte, porque as informações são nebulosas e só liberadas, com parcialidade e a canais seletos, quando convém à autoridade coatora.

    Não há como defender os professores acusados – se não acusados, ao menos punidos como se fossem com a proibição de trabalhar – porque não se tem clareza sobre de que os acusam e não se pode afirmar levianamente que algum desvio não ocorreu.”

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