As universidades brasileiras na era neoliberal, por Roberto Kraenkel

Ilustração – Caros Amigos

As universidades brasileiras na era neoliberal

por Roberto Kraenkel

Ao redor de 75% dos estudantes do ensino superior brasileiro fazem seus cursos em universidades privadas.  Estas universidades, e aqui já menciono as exceções de sempre – PUCs, faculdades isoladas que atendem um público específico,  são empresas do que veio a ser chamado de “mercado do ensino superior”. Como o próprio nome diz, são empresas de mercado. Qual mercado?  Não se trata bem do mercado educacional, estritamente falando. Não vendem realmente educação, e sim treinamento que possibilite ao estudante  concorrer a empregos melhores. E, claro, emitem diplomas, de forma mais ou menos séria, dependendo da estratégia de como a  universidade se coloca neste mercado.  Em suma, a maioria das universidades privadas está no mercado de treinamento e diplomas.

De forma condizente com a situação acima, estas universidades se  utilizam de instrumentos de gestão visando maximizar o seu lucro.  O professorado, por exemplo, que seria um corpo essencial em universidades de pesquisa, passa a ser visto apenas como servidores que nada tem a decidir sobre os destinos da universidade: não decidem quais cursos abrir ou fechar, o número de vagas, a  distribuição de aulas.  É um mundo pleno de auditorias e avaliações – mas não de qualidade e sim de metas que foram estabelecidas visando estratégias de lucro. 

É através de um  mundo de metas, auditorias e avaliações definidas de cima para baixo em função do mercado que se manifesta o neoliberalismo no dia-a-dia de uma universidade.  A gestão da universidade se profissionaliza e impõe estratégias empresariais que conflitam, por exemplo, com o espírito de liberdade acadêmica. Onde tudo é contabilidade, perde-se o espírito de audácia, e a produção de conhecimento, além da educação de maneira mais ampla, fenecem.

Existe supervisão externa sobre estas universidades, com notas dadas pelo MEC para elas, e há um desempenho mínimo exigido. Mas basta olhar o panorama e ver que esta avaliação não está funcionando ou não está  gerando efeitos positivos.

 

As universidades públicas

O espírito da gestão neoliberal bate às portas das universidades públicas, a título de as tornarem mais eficientes. Eficiência esta sempre mal definida, como convém a um termo carregado de ideologia, e que parece querer implicar a existência da “eficiência-em-si”, não de uma eficiência com vistas a algum objetivo, como é sempre o caso.

No entanto, há de se constatar uma certa resiliência das universidades públicas  que não se moldam facilmente aos ditames neoliberais.  Os pontos basilares desta resistência são professores, estudantes e servidores administrativos.  É evidente que esta resistência é vista como corporativismo, e às vezes, o é de fato.  Não obstante, as universidades públicas são dirigidas por acadêmicos e não gestores profissionais, oferecem ensino gratuito, dão liberdade acadêmica ao professorado (através da estabilidade no emprego),  tem sistemas de quotas, oferecem cursos que seriam normalmente deficitários numa universidade privada.  Tudo isso deve ser valorizado e aperfeiçoado.

É verdade também que os mecanismos de controle tem aumentado: relatórios, prestações de contas, mais relatórios, índices de performance, planilhas,  tudo isso está por aí. Tudo moldado em “programas de gestão “ e metas. Neoliberalismo.  Mas aqui devemos ser cautelosos: é natural que uma universidade queira ter um retrato da sua qualidade, se boa ou má. Isso é totalmente legítimo, e não é, por si só, uma exigência neoliberal.  Nesta ótica, a resistência a qualquer tipo de  avaliação, seja da universidade como um todo, seja dos departamentos e cursos , seja dos professores e formandos, não é defensável.

O que se impõe à universidade no mundo atual é definir processos de gestão e avaliação que não sejam imitações dos procedimentos adotados por universidade privadas, daqui ou do exterior,  que estão ideologicamente atreladas à gestão por lucros ou indicadores (que se transformarão também em lucros posteriormente).  Afinal, no Brasil, isto corresponde a imitar as universidades que tem pior avaliação pelo MEC. E, sobretudo, a universidade pública não pode se assumir como “universidade operacional”, nos dizeres de Marilena Chauí,  ou o que poderíamos chamar mais sarcasticamente , um “centro de treinamento”.   De certa forma, é manter para a universidde um espaço “sagrado”, não mercantilizável.

A ideia de resumir a atividade de um professor ou servidor em uma tabela excel é das mais desalentadoras, e se assemelha a uma mentalidade “cabeças de planilha”  sempre comentada pelo Luis Nassif.  Se queremos evita-la (ou retira-la de onde já existe), a tal planilha tem que ser substituída por algo que forneça um retrato da qualidade da universidade.  Esse parece-me ser um desafio real para a universidade pública de hoje e uma frente de batalha democrática.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Não é só nas universidades

    Basicamente, agora é no Serviço Público como um todo. Está acontecendo em todos os locais. Reuniões e mais reuniões estão sendo feitas, medidas serão adotadas, rotinas modificadas, e tudo visando isso que o Roberto Kraenkel falou: a “eficiência em si”, aquela que deve ser adotada a qualquer custo, para redução de gastos e “otimização” do trabalho, ainda que pora se conseguir isso a gente precise engessar ou paralisar a própria finalidade do órgão público em si, ou reduzir grandemente sua atividade e seus resultados.

    Dentre essas medidas, além do PDV e da redução de horários, estão em gestação medidas como a autorização para o trabalho à distância, estabelecimento de metas e avaliação de resultados para determinar a quantidade de servidores necessária em cada local, redução de postos físicos de trabalho para poder diminuir o espaço físico ocupado (o que dará, diz-se, numa diminuição de gastos com aluguel), além do já anunciado novo teto da remuneração dos servidores e do virtual fim dos concursos públicos.

    Entretanto, medidas que realmente gerariam economia para o Governo, como o fim dos auxílios-moradia, paletó e a retribuição de ofício do MP, dos Tribunais de Contas e do Judiciário; o fim da contratação de não-concursados para cargos de chefia (cada não-concursado custa 40% a mais do que um servidor efetivo); a adoção plena do processo eletrônico em todos os Poderes e a redução da carga horária semanala dos servidores, nada disso está em discussão.

     

  2. Como diz o Pres.(ops) Luciano Huck, amigao do Aecio e Ronaldinho

    Como diz o eterno presidenciavel Luciano Huck, em sua propaganda para cursos de graduacao em universidade privadas: “COMPLEMENTE SUA RENDA, FAÇA UMA GRADUACAO E SEJA PROFESSOR!”

    Esse é o mais perfeito retrato atual (e futuro) do Brasil.

    Viva a classe media(na) mais atrasada do mundo!

  3. MBAs, pós-graduções e especializações

    Fui professor e coordenador de cursos de pós-gradução (lato sensu) e MBAs em São Paulo por mais de 13 anos, em instituições particulares de ensino.

    Era desalentador perceber a qualidade intelectual do corpo discente dessas instituições de maneira geral. 

    Foco apenas (quando existia), no conteúdo técnico ou naquilo que poderia dar efeito mais rápido e direto na atuação profissional. Nada de errado nisso, o errado é ficar apenas nisso e haver toda uma estrutura de motivação e direcionamento onde apenas isso tenha valor e sentido.

    Não havia matéria-prima para discussões sobre tendências, sobre evolução do trabalho, das empresas e dos negócios (temas totalmente pertinentes pois eram cursos de pós-gradução voltado para o mercado de traalho), nem como os conteúdos aplicados teriamo com desdobramentos mais adiantes nas relações profissional-empresa-mercado.

    Eram (e são), como diz o artigo, centros de treinamentos e produzidores de diplomas.

    Não elevam o nível intelectual para promoção de um debate mais consequente, como sociedade e seus caminhos.

     

     

     

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