Foto jornal O Povo
Carnaval, sambas-enredo: a tensão entre a escravidão e a liberdade
por Claudio Santana Pimentel
O desfile oficial das escolas de samba do Rio de Janeiro retomou este ano o tema da escravidão. Tema que ao longo da história dos desfiles, e de diversas maneiras, esteve presente nos sambas-enredo de muitas escolas. Este ano a grande novidade, pode-se dizer, foi transportar a discussão sobre a escravidão para o presente, Paraíso do Tuiuti, que convidou o público a pensar a permanência da escravidão presente no controle midiático e na caça aos direitos dos trabalhadores.
Permanência da escravidão nos hábitos e nas relações de poder em nossos dias discutida, por exemplo, por Jessé Souza em seu livro A elite do atraso.
Este texto é um convite, certamente muito mais modesto, ao leitor a perceber, em sambas-enredos de diferentes épocas, a crítica popular à escravidão. Talvez a festividade e a utopia dos desfiles, assim como os próprios sambas, sejam reveladores da dimensão crítica presente no imaginário popular, ainda que seja problemático pensar como se pode levar daí à efetividade da transformação social.
Navio Negreiro – Acadêmicos do Salgueiro (1957)
Em 1957, Salgueiro levava para a avenida este samba-enredo composto por Armando Régis e Djalma Sabiá, inspirado no poema célebre de Castro Alves:
https://www.youtube.com/watch?v=rvnDizAVkew align:center]
Leilão de escravos – Unidos da Tijuca (1961)
Anos depois, a Unidos da Tijuca apresentava “Leilão de escravos”, composto por Ceci, Mauro Affonso e Gurgel de Castro. Impossível deixar de destacar os versos: “E na senzala, o contraste se fazia / Enquanto o negro apanhava, a mãe negra embalava o filho branco do senhor que adormecia”
https://www.youtube.com/watch?v=p9fdcTnKBE4 align:center]
Tebas, o escravo – Paulistano da Glória (1974)
Em São Paulo, a escola de samba Paulistano da Glória cantou o samba-enredo sobre Tebas, escravo arquiteto, cuja história foi redescoberta nos versos de Geraldo Filme.
https://www.youtube.com/watch?v=r0oSLzncRew align:center]
Em 1988, o centenário da Lei Áurea marcou os desfiles da Sapucaí. Destaco três sambas-enredo daquele ano:
Cem anos de Liberdade, realidade ou ilusão? – Mangueira (1988)
Composição de Alvinho e Jurandir, regravada entre outros, por Beth Carvalho. “Será que a Lei Áurea tão sonhada, a tanto tempo assinada, não foi o fim da escravidão?” “Moço, não se esqueça que o negro também construiu as riquezas do nosso Brasil”
https://www.youtube.com/watch?v=hzChHMbgcnA align:center]
Kizomba, a festa da raça – Vila Isabel (1988)
Samba-enredo composto por Jonas, Luís Carlos da Vila e Rodholfo, “Valeu Zumbi!”
[video:https://www.youtube.com/watch?v=b86qYK3ExIE align:center
Sou negro, do Egito à liberdade – Beija-flor (1988)
Samba-enredo composto por Aloísio Santos, Claudio Inspiração, Ivancuí e marcelo Guimarães.
[video:https://www.youtube.com/watch?v=YAVTkedAquc align:center
Águdas, os que levaram a África no coração e trouxeram para o coração da África o Brasil – Unidos da Tijuca (2003)
Samba-enredo que conta a história dos agudás, os “brasileiros da África”, que, tendo sido escravizados no Brasil, criaram comunidades afro-brasileiras no seu “retorno” à África. Rono Maia, Jorge Melodia e Alexandre Alegria são os compositores.
[video:https://www.youtube.com/watch?v=fy3L4kx4SK8 align:center
Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? – Paraíso do Tuiuti (2018)
[video:https://www.youtube.com/watch?v=kUvTWBd8Ad8 align:center
Composição de Claudio Russo, Anibal, Jurandir, Moacyr Luz e Zezé. Samba-enredo que trouxe a discussão da atualidade da escravidão; “Liberte o cativeiro social”.
Evidentemente, esta relação é incompleta. Acréscimos e sugestões são aceitos de bom grado. Quanto à indicação dos compositores, embora tenha me esforçado para identificá-los, o texto está aberto para possíveis correções.
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Essa vida assim não, Zambi!
Beleza de enredos e da evidência das dificuldades do povo negro em especial, e dos pobres de todos matizes, de se libertarem da eterna escravagem do homem pelo homem.