Discutindo ensino no sertão, por Walnice Nogueira Galvão

Por Walnice Nogueira Galvão

Realizou-se recentemente o I Encontro Sobre Livro, Leitura e Inclusão Social do Território Nordeste II, promovido pela Biblioteca Comunitária de São José do Paiaiá. Para ter uma noção da relevância desse congresso, é bom lembrar que São José do Paiaiá é um arruado de mil habitantes, no sertão da Bahia. A educação para a cidadania, em suas várias veredas e rumos, pairou como uma preocupação fundamental, privilegiando o Ensino Contextualizado como algo da maior importância fora dos centros hegemônicos e junto às comunidades. A valorização dos viventes do sertão é a consequência que se depreende. O evento atraiu gente que acorreu de muitos quadrantes e despertou o interesse das multidões que ocuparam o vilarejo durante uma semana.

O Encontro abriu um leque de possibilidades de investigação, cobrindo amplo espectro. Tratou das técnicas de aprendizagem de leitura; da contribuição das bibliotecas; dos efeitos benéficos para os alunos da confluência de saberes; da pedagogia do olhar e do potencial do audiovisual, com ênfase na contribuição das tecnologias digitais num universo virtual. E mais, afora a leitura, os aportes possíveis das artes visuais como o cinema e a fotografia, no primeiro caso trazendo a debate a aplicação da nova lei de 2014 que torna obrigatória a exibição de ao menos um filme nacional por mês nas escolas de ensino médio.

As oficinas examinaram as virtualidades da  criação literária; a contação de estórias; os gibis e histórias em quadrinhos abrindo passagem para a divulgação científica; o uso que se pode fazer de almanaques e fanzines, exemplificado com o “Zine Violento”; a  construção de brinquedos e confecção de bonecos, com a decorrente revalorização da cultura infantil. A leitura cinematográfica é dissecada, detendo-se nos componentes de um filme, tais como os recursos técnicos e estéticos da luz e da iluminação, movimentos da câmera, enquadramento, montagem, etc., com análise e interpretação dos códigos inerentes. Privilegiou-se a vida e a obra de um cineasta do sertão, Olney São Paulo, com discussão de um documentário sertanejo e um filme de ficção, ambos de sua autoria.

O congresso devotou-se ainda a analisar as “Diretrizes Curriculares” que comandam a introdução no ensino nacional das matérias ligadas às relações étnico-raciais e ao estudo da cultura afro-brasileira, notável medida anti-racista que atende a nossa vasta diversidade étnica. Apresentaram-se as experiências de educação artística com jovens das periferias de Salvador. Dedicam-se também à análise dos nexos que se estabelecem entre narrativas orais e literatura escrita, com discussão do predomínio da Voz na contemporaneidade e um debate sobre a oralidade. Bem a propósito, seguiu-se a apresentação da vida e da obra de Ariano Suassuna.

Vários espetáculos ilustrativos dos temas em debate foram realizados, com encenação de peças de teatro, inclusive um cordel desse autor, um pastoril, uma exibição de capoeira, filmes, shows musicais, bate-papos com um diretor de cinema e um escritor local. Seguiram-se eventos de lançamento de livros.

O ciclo de palestras foi encerrado com chave de ouro pelo veterano romancista  baiano Antonio Torres, membro ilustre da Academia Brasileira de Letras, que fez uma explanação sobre as representações da experiência de ser aluno conforme conceituados autores da literatura brasileira, particularmente Ledo Ivo, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Carlos Heitor Cony. Ressaltou o papel e função primordiais, na formação de crianças e jovens escolares, da declamação de poemas, entoação de hinos e leitura em voz alta.

Num balanço, levando-se em conta tamanha opulência das ofertas, confirma-se a vocação da Biblioteca do Paiaiá como foco irradiador de enriquecimento cultural, de pensamento progressista, de desenvolvimento humano, de consciência cidadã e de preocupação com o saber e sua transmissão, seja nas ciências, seja nas artes.

Walnice Nogueira Galvão

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