Educação não pode ser vista como panaceia para acabar com a desigualdade

Educadores avaliam que é preciso defender a educação como direito, mas que não se pode reproduzir a falácia de que só a educação muda um país

Educação precisa passar por revolução: “Não temos uma educação emancipatória. Ela ainda reproduz os mesmos conceitos essenciais para a manutenção das estruturas de poder existentes”

da Rede Brasil Atual

Educação não pode ser vista como panaceia para acabar com a desigualdade

São Paulo – “A gente não vai conseguir defender a educação dizendo que ela vai acabar com a desigualdade. Ou que vai desenvolver o país. A educação não pode ser vista como panaceia de solução de problemas”, ponderou o professor Jones Manoel, no debate Educação contra a Barbárie, do seminário Democracia em Colapso?, realizado no Sesc Pinheiros, em São Paulo. “A gente não pode trabalhar com isso, porque a própria população, nesse momento, está sentindo que a educação sozinha não resolve as coisas”, completou.

Jones ressaltou que, apesar das políticas de inclusão nas universidades nos governos petistas, a crise econômica e a implementação de políticas ultraneoliberais estão ampliando o desemprego e jogando milhões na miséria absoluta. Além disso, mesmo com a expansão de universidades e crescimento do número de estudantes universitários, a desigualdade não caiu no período. “A gente tem que defender a educação, primeiro como um valor democrático e como um direito, mas colocando ela dentro de um conjunto de medidas urgentes para tirar o país da crise econômica, como anulação dos leilões do pré-sal, reforma tributária radical, taxação de grandes fortunas”, afirmou.

O professor vê o governo de Jair Bolsonaro como uma ameaça extrema à educação, mas considera que os ataques e propostas de privatização e militarização do ensino respondem a interesses além dele, inclusive de muitos governos estaduais. “O Brasil vive hoje uma fase do capitalismo em que não existe mais necessidade de mão de obra especializada. A economia está concentrada no agronegócio para exportação, na especulação financeira e em um imenso contingente de pessoas trabalhando em serviços sem especialização. Não e à toa que Uber e Ifood são os maiores contratadores atualmente”, explicou.

Para Jones, a educação está sob ataque porque não serve mais ao interesse da burguesia. Mas também pelos fascistas que não aceitam o pensamento plural e a reflexão e também pelos empresários que querem se apossar desse nicho de mercado. Ele defende, inclusive, que é preciso defender a educação como direito, mas ter consciência que a atual estrutura “machista, racista, homofóbica e colonialista” precisa ser revolucionada. “Não temos uma educação emancipatória. Ela ainda reproduz os mesmos conceitos essenciais para a manutenção das estruturas de poder existentes”, completou.

Disputa de verbas

Também participou do debate o doutor em educação e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Ele avaliou que existe hoje no país uma aliança entre o ultraconservadorismo e o ultraneoliberalismo. E na educação, seu objetivo é desconstruir a política pública e absorver o financiamento da educação nas instituições privadas. “O escola sem partido liquida a atuação do professor. A educação domiciliar apresenta a escola como um lugar de perdição, de perda da moral. E a militarização impõe a disciplina como algo mais importante que a pedagogia”, pontuou.

Ele lembrou que a luta em defesa da educação pública e pela valorização dos professores vem desde Anísio Teixeira e Florestan Fernandes. “O tempo passou e seguimos na mesma luta. O Brasil todo ano aparece nos últimos lugares nos rankings de valorização dos professores. Mas mesmo com toda a escassez de recursos, as melhores escolas brasileiras são públicas. O Brasil sabe fazer educação de qualidade. Isso não é feito porque não se tem prioridade na educação e os recursos estão sendo disputados pelas escolas privadas”, explicou.

Cara apontou, como exemplo, os estudos feitos para definição do custo aluno qualidade (CAQi), elaborados pela Campanha e, atualmente, excluído das diretrizes do Ministério da Educação. “Ter as escolas com boas salas, número adequado de alunos, alimentação de qualidade, transporte para quem precise, biblioteca, laboratório, custaria algo em torno de R$ 50 bilhões a mais no orçamento da educação. Parece muito, mas o orçamento nacional é de R$ 3 trilhões. É plenamente possível, se houver prioridade”, afirmou.

Ouvir os estudantes

A estudante Aniely Silva destacou a urgência de ouvir os estudantes para definir os rumos da educação pública. E que esse é justamente o maior medo das elites. “A ocupação das escolas trouxe o que as elites mais temem: os estudantes discutindo, debatendo a escola, a educação, os problemas, propondo coisas, construindo a escola. Esse é o ambiente em que a gente se constrói, mas ainda é muito excludente e muito reafirmador de preconceitos”, disse ela. “Enquanto não ouvir os estudantes, lá na ponta nas periferias, e só chegar com solução pronta, a escola não vai evoluir”, complementou Aniely.

Para a estudante, uma das formas de combater a barbárie, por exemplo, é garantir a discussão sobre gênero nas escolas. “Não existe ideologia de gênero. A discussão sobre gênero explicita os papéis impostos a homens e mulheres. É uma forma de combater as construções opressoras da sociedade, a ideia que a mulher é inferior, que não pode fazer determinadas coisas. Que o homem é agressivo, que pode tudo. Minha irmã de seis anos outro dia estava preocupada se iam ver a barriga dela e chamar ela de barriguda. Isso não é coisa que uma criança precisa se preocupar. Precisamos mudar isso”, afirmou.

Redação

1 Comentário

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  1. Deixa ver se entendi: um pessoal que estudou muito, mestrado, doutorado, tem até cargos executivos em Conselhos fazem a crítica à educação. Que tal a gente começar a discussão pela posição de cada um no debate?
    Realmente, a crise institucional, jurídica e econômica está enorme. E qual o formato escolhido para a discussão? O “quem pode falar” e “quem não pode”, com ingresso pago, plateia, e todo aquele ranço acadêmico-autoritário que tanto criticam.
    Só pra terminar – complementando com um exemplo -: há alguns meses, em um debate no vão livre da História, um professor da USP disse que os estudantes deveriam ir às bases. Convenhamos: qual é a base dessa gente? A comunidade eclesiástica de base, o sindicato, a associação de bairro? Não!
    O problema não é saber se a educação é panaceia ou não. É saber se quem faz a crítica está “dentro” ou “fora” do campo que critica, ou mais ainda, se ele se inclui como problema.
    Sim, recusei-me a pagar um ingresso pra ver essa gente e servir de plateia.

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