Este ano vai exigir muita paciência, avisa Janine

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – O novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, concedeu entrevista à Folha e avisou que o ano pede muita paciência. A indicação do professor de ética e filosofia da USP foi uma unanimidade não só na academia quanto fora dela. Janine pretende cumprir a promessa da presidente Dilma e construir 6 mil creches pelo país, mas assim que a economia voltar a crescer. O ministro avaliou o Enade e o Enem, bem como se posicionou com relação ao ensino superior e médio. Leia a matéria da Folha.

da Folha

ENTREVISTA RENATO JANINE RIBEIRO, 65

Universidade federal deve atuar mais no ensino básico

Para novo ministro da Educação, tanto a instituição quanto seus alunos devem estar engajados nessa tarefa

MARCELO LEITE – DE SÃO PAULO

O professor de ética e filosofia política da USP Renato Janine Ribeiro chega ao Ministério da Educação com forte apoio na academia e fora dela, mas sob enorme restrição orçamentária. “Este ano vai exigir muita paciência”, diz.

Apesar disso, ele pretende cumprir a promessa da presidente Dilma de construir 6.000 creches no país nos próximos quatro anos, assim que a economia voltar a crescer. “Precisamos pegar essas crianças e colocar no mundo da escola, não o mundo da rua.”

Repetindo, como diz, todos os seus antecessores nos últimos 20 anos, Janine diz que a maior prioridade é a educação básica (ensinos fundamental e médio). Para dar o salto de qualidade que lhe falta, seu plano é engajar mais as universidades federais e seus alunos na tarefa, inclusive com recurso ao ensino à distância.

“Um dos principais instrumentos do MEC são as universidades federais”, diz. “A educação pode ter os seus 18% [de receitas de impostos da União] garantidos pela Constituição, mas uma parcela enorme disso vai para as federais.”

O novo ministro, que toma posse nesta segunda (6), elogia o peso crescente, desde o governo FHC, dos sistemas de avaliação que dão transparência à sociedade dos avanços e retrocessos no ensino.

Valoriza as provas padronizadas como Enade (ensino superior) e Enem (ensino médio), mas acha prematuro incluir a nota do primeiro nos diplomas e realizar mais edições do segundo em cada ano, como cogitaram antecessores.

Janine considera que já foram “consertados” os erros no Fies (financiamento estudantil) e no Pronatec (cursos técnicos custeados pela União) e destaca o segundo como uma mudança nas políticas sociais dos governos do PT.

“Lula, num primeiro momento, constituiu o Bolsa Família, que deu grandes resultados, mas é claro que está pagando pessoas que não trabalham”, concede, para completar: “Num segundo momento, houve a valorização real do salário mínimo, em que a pessoa recebe mais pelo trabalho dela. Agora, estamos enfrentando a questão da produtividade do trabalhador.”

Leia trechos da entrevista concedida no sábado (4).

Folha – Como o sr. pretende realizar na educação o que chama de quarta agenda democrática, a de melhoria de serviços públicos, em meio a tanta restrição orçamentária?

Renato Janine Ribeiro – Há uma terceira que resta completar, a inclusão social.

A quarta tem de ser iniciada.

Já existe, mas cada agenda demorou a ser reconhecida. A inclusão social foi aceita, razoavelmente, apesar de haver oposição, inclusive nas ruas.

A da qualidade dos serviços ainda não foi identificada como agenda. Está muito pulverizada. A revolta da classe média tem muito a ver com isso. Em vez de ver politicamente como uma reivindicação global para melhorar, veem como uma coisa imediatista, e atribuem tudo à corrupção. Não chega a ser uma agenda política, ainda.

Mas como o sr. pretende atacar isso, na educação, com tanta restrição orçamentária?

Vai ser difícil, a gente não sabe ainda o tamanho da restrição. A primeira coisa é tentar fazer render o máximo dentro do valor que exista. Podemos ter ganhos de eficácia juntando mais esforços. Por exemplo, eu pedi à Secretaria de Ensino Superior para que faça as universidades federais colaborarem mais entre si para evitar duplicações desnecessárias.

Também está no nosso horizonte valorizar o ensino à distância, porque ele tem uma parte do custo que independe do número de alunos.

Um dos principais instrumentos do MEC, em educação básica sobretudo, são as universidades federais. A educação pode ter os seus 18% [das receitas de impostos da União] garantidos pela Constituição, mas uma parcela enorme disso vai para as federais.

A educação básica é a prioridade política há anos. Há pelo menos 20 anos todos os ministros da Educação dizem isso, mas a gente ainda não conseguiu dar um salto de qualidade decisivo nessa área.

Isso inclui sua proposta de prestação de serviços por alunos de universidades públicas?

É uma questão da responsabilidade social, no sentido exato de que não há hoje uma formação dos universitários, de que eles são responsáveis pela educação como um todo, pela chance de estudar e chegar lá, custeados pela sociedade, que inclui os mais pobres.

Não é obrigatório. A minha ideia é, durante o curso, fazer um estágio social –lecionar em escolas, o estudante de medicina atender em regiões mais carentes etc. Isso não está em discussão agora, não é uma proposta, são reflexões de seis, sete anos atrás.

Quando será cumprida a promessa de fazer 6.000 creches?

O que aconteceu no caso das creches foi uma licitação em escala nacional que acabou tornando difícil a entrega dos produtos. É uma das prioridades que a gente quer resolver o mais rápido possível.

Nos próximos quatro anos?

Acredito que sim. Nosso problema hoje é a situação orçamentária deste ano. Uma vez a economia recuperando o seu ritmo de expansão, o Estado continuará capaz de gerar recursos que permitam cumprir nos outros três anos.

E com relação a melhorar a formação de professores?

Hoje nós dispomos de um instrumental muito vasto. Uma coisa fascinante é o número de sites e portais e blogs com conteúdo educacional. Isso tudo está indicando uma revolução educacional.

Antigamente o professor era o dono do conhecimento, e o aluno era o recipiente passivo. Hoje, graças à internet, entre outras novidades, qualquer aluno pode entrar em contato com conhecimentos que nem seu professor tem.

Tem de ser feito com cuidado porque nem tudo na internet é verdadeiro. O professor deixa de ser aquele que sabe mais para ser o que é capaz, inclusive, de verificar se essa informação é válida.

O Enade às vezes é posto sob suspeição porque sofre burlas, e muitos alunos não o prestam a sério. Informar a nota no diploma ou no histórico escolar seria aceitável?

Isso tem de ser discutido. Eu não poderia tomar essa decisão antes de ouvir os argumentos contra essa inclusão, que me parece razoável. Em que pesem as burlas, ele dá um mapa bom do sistema como um todo. A minha experiência de avaliação diz que é um instrumento fabuloso, mas não pode ser a única questão.

A vantagem desses testes todos é que eles permitem ao aluno, na graduação, e aos pais, no caso da educação básica, um controle sobre o que está sendo oferecido.

Este será um dos tópicos de meu discurso [de posse]: na saúde, você sabe se está doente e precisa de ajuda; na educação, você não sabe se é ignorante e precisa de conhecimento –estou falando sem sentido pejorativo. Na saúde, você pode dizer quanto falta para chegar a um percentual razoável na sociedade. Na educação, isso nunca para.

O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) não faz essa função?

Não, porque não há 100% em educação. Não há limite. Se você tem uma educação excelente, pode melhorar.

No ensino básico, adotar um currículo básico nacional não daria clareza aos pais do mínimo que tem de ser oferecido?

Eu acredito que isso já está decidido. Cabe à gente implantar isso, fazendo uma exigência de patamar mínimo de conhecimento nas mais diversas áreas.

Havia a proposta de fazer o Enem mais de uma vez ao ano.

Isso terá de ser discutido, mas, numa situação de restrição orçamentária, não considero grande prioridade. Há aspectos positivos, pode atender mais demanda, mas o ganho em relação à situação de hoje não é tão grande.

O Pronatec e o Fies passaram por um crescimento acentuado, até descontrolado, “erro” que a presidente se dispõe a corrigir, em meio a um arrocho orçamentário e depois do ano eleitoral. Teria sido um correlato, no campo do ensino, da prioridade atribuída ao consumo nos governos do PT?

Não vejo um paralelo, porque justamente a crítica principal à inclusão social pelo consumo é que ela não seria sustentável por faltar a base da educação. Eu acho injusta, porque a expansão foi de bens de primeira necessidade, represado, não um consumo de produtos suntuários. Você não pode ter pessoas que não têm produtos da linha branca em casa.

O fato é que o Pronatec representa uma mudança de patamar importante. A gente pode dizer que o governo Lula, num primeiro momento, constituiu o Bolsa Família, um programa premiado internacionalmente e que deu grandes resultados, mas está claro que está pagando pessoas que não trabalham.

Num segundo momento, houve a valorização real do salário mínimo, em que a pessoa recebe mais pelo trabalho dela. Agora estamos enfrentando a questão da produtividade do trabalhador e da competitividade das empresas. Trata-se de tornar sustentável todo esse avanço social.

Houve erros na concepção e na implementação do Pronatec, mas pelo que vi eles já foram consertados. Os do Fies também. Num momento de crise, fica-se mais atento ao que pode estar errado, ao que pode ser complacente demais.

A ideia de avaliação vem já de ao menos 20 anos no Brasil, e foi se aprimorando. Ela, que praticamente se inicia com o governo do PSDB, cresceu muito nos governos do PT. Ela é muito importante porque permite ver se os recursos públicos estão sendo aplicados direito. No que diz respeito ao aluno, permite que ele cobre.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Trabalho da mulher não é “trabalho”

    “mas está claro que está pagando pessoas que não trabalham.”

    Os beneficios do bolsa-família, em sua esmagadora maioria, tem como titulares mulheres com filhos.

    Está claro o papel transformador desses benefícios, quem duvidar basta checar obras como a já clássica “Vozes do Bolsa-Família”.

    Essas mulheres podem não ter emprego, mas elas trabalham – e como trabalham – muitas vezes de Domingo a Domingo. Mas a declaração do Ministro, infelizmente, é o retrato perfeito e acabado do machismo em nossa sociedade: trabalho doméstico não é “trabalho”.

    1. Exato, Allan. Estou aqui

      Exato, Allan. Estou aqui espantado de ouvir tamanha bobagem (que é sempre usada pela direita) vinda do nosso Ministro da Educação. E vou além, veja esta notícia:

      Bolsa Família: 75,4% dos beneficiários estão trabalhando

      http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/05/bolsa-familia-75-4-dos-beneficiarios-estao-trabalhando

      Como é que o Janine não sabe disso? Como é que ele reforça publicamente, em entrevista, um grande mito que a direita vende (“quem recebe bolsa família não trabalha”) e que estamos tentando esclarecer há tantos anos?

      Triste demais.

    2. Essa observacao me parece

      Essa observacao me parece muito pertinente. Iria até um pouco além. Há o caso das mulheres que “não trabalham”. Na sociedade não existe apenas o trabalho contabilizado, oras! Além desses “invisíveis” não contabilizados, qualquer sociedade tem que levar em conta “aqueles que não trabalham”, aqueles que já trabalharam e nao trabalham, aqueles que nao podem ou conseguem trabalhar, aqueles que ainda não trabalham. Pensar nisso como um detalhe não é apenas um tremendo problema ético-político, é um descaso para com a estabilidade social e política, sem falar na preparação do futuro econômico (aqueles que “ainda não trabalham”…). 

    3. …a crítica principal à

      …a crítica principal à inclusão social pelo consumo é que ela não seria sustentável por faltar a base da educação. Eu acho injusta, porque a expansão foi de bens de primeira necessidade, represado, não um consumo de produtos suntuários.

      Obviamente o Janine não é contra o bolsa família como atesta o trecho acima. Acredito que foi mais um truncamento na argumentação, porque pelo contexto dá para entender que seu objetivo era dizer que melhor do que o bolsa família é haver uma evolução qualitativa, e quantitativa, do processo de transferência de renda pela valorização do trabalho.

      1. Cesar, não vi ninguém acusar

        Cesar, não vi ninguém acusar o ministro de ser contra o Bolsa Família. O problema é ele repetir e reforçar um dos mais injustos e absurdos MITOS relacionados ao programa, o de que “está claro que está pagando pessoas que não trabalham” – o que simplesmente NÃO é verdade.

        Isso é muito, muito sério.

  2. Caiu na armadilha clássica de

    Caiu na armadilha clássica de uma entrevista à FSP, para dizer asneiras e tê-las, ainda, editorializadas. É um uspiano típico, elitista, mostra que nada sabe do sistema federal de ensino, mostra que não leu a CF-88, que aponta as competências de cada ente federativo e delega aos estados e aos municípios a responsabilidade pela educação fundamental. Devia ter-se calado a respeito do Bolsa-Família, que mostra simplesmente não entender. Ao fim e ao cabo, mostra o que é esse governo Dilma, seu paulistério e sua distância e ausência do Brasil real, que não quer saber de ajuste fiscal nas suas costas, mas de crescimento econômico.

  3. A Paciência e a Lavoura Arcaica…

    Raduan Nassar

    LAVOURA ARCAICA – Excerto

     

         […] a paciência há de ser a primeira lei desta casa, a viga austera que faz o suporte das nossas adversidades e o suporte das nossas esperas, por isso é que digo que não há lugar para a blasfêmia em nossa casa, nem pelo dia feliz que custa a vir, nem pelo dia funesto que súbito se precipita, nem pelas chuvas que tardam mas sempre vêm, nem pelas secas bravas que incendeiam nossas colheitas; não haverá blasfêmia por ocasião de outros reveses, se as crias não vingam, se a rês definha, se os ovos goram, se os frutos mirram, se a terra lerda, se a semente não germina, se as espigas não embucham, se o cacho tomba, se o milho não grana, se os grãos caruncham, se a lavoura pragueja, se se fazem pecas as plantações, se desabam sobre os campos as nuvens vorazes dos gafanhotos, se raiva a tempestade devastadora sobre o trabalho da família; e quando acontece um dia de um sopro pestilento, vazando nossos limites tão bem vedados, chegar até as cercanias da moradia, insinuando-se sorrateiramente pelas frestas das nossas portas e janelas, alcançando um membro desprevenido da família, mão alguma em nossa casa há de fechar-se em punho contra o irmão acometido: os olhos de cada um, mais doces do que alguma vez já foram, serão para o irmão exasperado, e a mão benigna de cada um será para este irmão que necessita dela, e o olfato de cada um será para respirar, deste irmão, seu cheiro virulento, e a brandura do coração de cada um, para ungir sua ferida, e os lábios para beijar ternamente seus cabelos transtornados, que o amor na família é a suprema forma da paciência; o pai e a mãe, os pais e os filhos, o irmão e a irmã: na união da família está o acabamento dos nossos princípios; e, circunstancialmente, entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco, plantar bem um dos pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo do braço no joelho, e, depois, na altura do queixo, apoiar a cabeça no dorso da mão, e com olhos amenos assistir ao movimento do sol e das chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos assistir à manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo habilmente emprega em suas transformações, não questionando jamais sobre seus desígnios insondáveis, sinuosos, como não se questionam nos puros planos das planícies as trilhas tortuosas, debaixo dos cascos, traçadas nos pastos pelos rebanhos: que o gado sempre vai ao cocho, o gado sempre vai ao poço; hão de ser esses, no seu fundamento, os modos da família: baldrames bem travados, paredes bem amarradas, um teto bem suportado; a paciência é a virtude das virtudes, não é sábio quem se desespera, é insensato quem não se submete”. E o pai à cabeceira fez a pausa de costume, curta, densa, para que medíssemos em silêncio a majestade rústica da sua postura: o peito de madeira debaixo de um algodão grosso e limpo, o pescoço sólido sustentando uma cabeça grave, e as mãos de dorso largo prendendo firmes a quina da mesa como se prendessem a barra de um púlpito; e aproximando depois o bico de luz que deitava um lastro de cobre mais intenso em sua testa, e abrindo com os dedos maciços a velha brochura, onde ele, numa caligrafia grande, angulosa, dura, trazia textos compilados, o pai, ao ler, não perdia nunca a solenidade: “Era uma vez um faminto”. [In Lavoura Arcaica, 3ª. ed. revista pelo autor, São Paulo, Companhia das Letras, 2012, pp. 58-61]   

     

  4. Paciência é?

    Engraçado: o novo ministro já assume falando sobre as federais custando muito dos 18% da arrecadação. Jé se esqueceu dos cortes deste ano?

    O Decreto Federal 8.389/2015, que cortou em 39% a execução do orçamento em todas as universidades federais, não está nem perto de ter seus efeitos (cortes) revogados com a aprovação da LOA. Paciência!

    Com o semestre já pela metade, o bandejão da UNIFESP em Sampa (Vila Clementino) não dá nenhum sinal que voltará a funcionar este ano. Alegam “problemas de licitação”. Como “quem nada faz, nada gasta” e, dado o parágrafo anterior, a reitoria fica quietinha a respeito. E lá vai a estudantada se virar com PF a 20 contos nas redondezas… Paciência!

    A peleguíssima UNE, como nos últimos 15 anos, não reage. sinal que a verba deles continua fluindo normalmente. Paciência!

    Dito antigo: paciência tem limite!

  5. padrão USP nas Universidades Federais?

    Será que o professor da USP vai levar as Universidades Federais a mesma situação de penúria que a USP se encontra hoje? Vamos ter o ‘padrão USP” em todo o sistema federal? Sem verbas públicas e com professores transformados em ‘mercadores de projetos’?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador