Gestão da educação pela ótica da qualidade: uma contribuição

Por Sergio Saraiva
 
Comentário ao post “A educação e seus cabeças de planilha
 
Resolvi aceitar a solicitação do Nassif a respeito da discussão de um modelo de gestão para a educação.
 
Do pouco que aprendi no curso de pedagogia, sei que esse é um assunto para o qual já existem inúmeros e profundos trabalhos publicados. Inúmeros, profundos e inúteis, se considerarmos alguns resultados da nossa educação publicados na imprensa.
 
Ainda assim, segue minha pequena contribuição em relação aos três tópicos propostos: foco no cliente; a conquista de corações e mentes; e gestão colaborativa – baseada em noções de gestão da qualidade.
 
Foco no cliente
 
Aqui a questão é muito mais complexa do que a simples expressão “foco no cliente” pode parecer.
 
Começa-se por definir quem é o “cliente” dos processos de educação.
 
O cliente é o aluno? O cliente é a família do aluno? O cliente é a sociedade? Ou cliente são os três?
 
Por que isso é importante? Por que é a partir da identificação do cliente que se passa à etapa seguinte, ou seja, quais as necessidades e expectativas desse cliente que se pretende atender com o sistema de educação. Os três são clienets e cada um desses clientes tem necessidades e expectativas diferentes ainda que complementares.
 
Para tornar a situação mais complexa, dificilmente poderemos perguntar para os dois primeiros – aluno e sua família – quais são seus requisitos. Como faríamos? Através de uma pesquisa de clientes, como as empresas fazem antes de desenvolverem um produto para o mercado?
 
Logo, como os interesses desses dois partícipes do processo necessariamente devem ser levados em consideração na formulação de um modelo educacional, mas não há como serem questionados diretamente, então, serão necessárias fontes indiretas de informação. Quais seriam? Quem poderia criar um conjunto aceitável das necessidades e expectativas dos alunos e das suas famílias?
 
Cientistas sociais, pedagogos, psicólogos sociais, ONGs voltadas para esse público e assunto, seriam algumas dessas fontes.
 
E quanto à sociedade? Quem estabelecer esses requisitos estará estabelecendo o tipo de cidadão que este país estará formando.
 
Aqui não veja outra saída que uma decisão política. Mas será o governo de plantão que tomará essa decisão? Se não este, mas também este, quem seria os outros a estabelecer os requisitos educacionais em nome da sociedade?
 
Que tipo de cidadão queremos?
 
A educação básica – fundamental e médio – forma o cidadão.
 
Em relação ao ensino fundamental, considerando o nível de informação contido na internet e o quanto as crianças tem contato com ela desde antes da escola, é necessário passar conteúdo ou competências necessárias para que o aluno aprenda a aprender?
 
No ensino médio, muito se fala na necessidade de formarmos para o trabalho, a educação de segundo grau deveria ser eminentemente técnica. Se adotarmos essa visão, estaremos formando cidadão para serem empregados. E se optarmos por formarmos cidadãos empreendedores, que tipo de conhecimento, habilidades e atitudes que deveríamos desenvolver nos alunos.
 
Por que não ensinamos matemática financeira básica no ensino médio?
 
Entender como se formam os juros que pagamos em qualquer financiamento e quais são e como são calculados os impostos e suas alíquotas formaria que tipo de cidadão-consumidor?
 
Por que não temos uma cadeira de ensino chamada “direitos da cidadania” que englobasse história, geografia, ética e legislação – código de defesa do consumidor e direitos constitucionais, por exemplo?
 
Por que não temos uma cadeira de ensino chamada “saúde e meio”? Tal cadeira poderia tratar conceitos das atuais ciências, mas também meio-ambiente e seu impacto na saúde pública. Química, mas também sobre aditivos e conservantes alimentícios, higiene pessoal e algo de cosmetologia (afinal, meu cabelo estará mais “alimentado” com o xampu de jojoba, de mel ou de mamão, já que cabelo não tem boca?) e também sobre dependência química. Corpo humano, mas também reprodução, meios contraceptivos e DST. Física, mas também o que ocorre com os passageiros de um carro quando este bate a 80 km/h em um poste; algum de nós aprendeu a calcular isso nas aulas de física quando estudamos as fórmulas de trabalho em cinemática?
 
Imaginado como seria um jovem chegando à maioridade com esses conceitos, imaginamos o cidadão que teremos e suas reivindicações em relação a saneamento básico e transparência das indústrias em relação ao sua comunicação com os consumidores.
 
E por ai vamos, mas definir tais requisitos é o primeiro e mais importante passo para se estabelecer uma política de educação.
 
A conquista de corações e mentes
 
Vejo muito das escolas públicas como um depósito de crianças e jovens. Aliás, reflexo disso e “progressão continuada” aqui em São Paulo que, apesar do embasamento conceitual pedagógico quando da sua adoção, tornou-se muito uma forma de isentar o corpo docente da responsabilidade em relação aos resultados obtidos pelo corpo discente.
 
Para o resgate da escola como agende da socialização e formadora da cidadania será necessário estabelecermos o papel, os direitos e responsabilidades de cada um dos envolvidos no processo ensino e aprendizagem.
 
Eu particularmente entendo que todo o esforço educacional é um investimento que a geração atual faz na geração futura para que essa construa um mundo melhor e que possa cuidar de si mesma, da geração que criará e da geração atual quando esta não tiver mais forças para se manter.
 
Sendo assim, cada partícipe: aluno, família do aluno, corpo docente, sociedade e governo têm papeis e responsabilidades e deverão ser cobrados pelo uso eficiente dos recursos escassos colocados nesse investimento. Já que esses recursos, por escassos, farão falta à outra área que deles não se beneficiaram.
 
Definido os papeis e responsabilidades de cada partícipe, todos os meios de comunicação social devem ser mobilizados no sentido da conscientização da sociedade em relação a eles. A partir daí, é a pressão social que cobrará o cumprimento deles.
 
A sociedade deve entender que tem o direito e o dever de cobrar da família de uma criança a presença dessa criança na sala de aula. Criança na rua é um desperdício dos recursos e da prontidão a disposição dela nas escolas.
 
A sociedade deve cobrar de um aluno o comportamento, assiduidade e dedicação adequadas à aprendizagem. O quanto aprenderá não lhe pode ser cobrado, já que depende de vários outros fatores além de seu controle. Muito pouco pode ser cobrado de uma criança de 6 anos, aqui o papel principal é da família, porém, isso muda com a idade e um aluno de 18 anos sem dúvida pode e deve ser cobrado enquanto beneficiário do esforço e dos recursos da sociedade como um todo.
 
A sociedade deve cobrar o corpo docente pela gestão da escola e, dentro dele, o professor pelo desenvolvimento dos conteúdos. O magistério exige, no mínimo, mesmo profissionalismo cobrado de qualquer outro segmento da economia.
 
A sociedade deve cobrar dos governos a disponibilização das diretrizes e dos recursos necessários, bem como da avaliação e publicação do desempenho do sistema educacional.
 
A sociedade deve cobrar a si própria quando não fizer todas as cobranças anteriores.
 
Defini papeis e responsabilidades, direitos e autoridades é fundamental para a gestão, mas nada disso é o suficiente sem a devida responsabilização.
 
Em uma sociedade onde executivos falam ao celular enquanto dirigem seus SUVs importados ou onde nada dizemos ou fazemos quando alguém jovem e saudável estacionam seus carros em vagas de idosos ou deficientes, a responsabilização é um aspecto que ainda precisa ser muito melhorado. Neste caso, a escola é reflexo da sociedade.
 
Gestão colaborativa
 
A legislação já define suficientemente as obrigações de cada ente federativo – governos federais, estaduais e municipais. O problema é a compartimentação. Onde cada um faz a sua parte sem uma ideia do todo, a soma das partes é menor do que o todo.
 
Estabelecido os dois princípios anteriores – Foco no Cliente e A conquista de corações e mentes – será necessário definirmos os fóruns oficiais de planejamento e monitoramento integrados do sistema educacional.
 
Sinergia e gestão de interfaces são a chave para evitar a duplicação de esforços para um mesmo resultado.
 
Já temos vários indicadores – SARESP – Prova Brasil – ENEM – Pisa. Mas em que fóruns esses resultados são analisados em que alimentam uma política única de desenvolvimento dos talentos nacionais. Desenvolvimento de talentos não é um dos sinônimos de educação.
 
O problema aqui são a falta de experiência em trabalhos integrados entre as três esferas do executivo e, principalmente os interesses partidários.
 
São Paulo já perdeu muito devido ao PSDB na governança do Estado não aderir às ações iniciadas pelo PT no governo federal e ter um programa próprio como em um governo paralelo. 
 
O conceito “glocal” – objetivo global com ação local – já é bem conhecido no campo da administração de empresas. Mas mesmo nelas, pouco praticado.
 
Temos maturidade política suficiente para um planejamento estratégico integrado?
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador