O governo ameaça um dos principais sistemas de ensino superior do mundo

Nas últimas posições em investimento em ensino superior, Brasil vinha reagindo ao atraso. Governo quer destruir avanços e sentido inclusivo

Imagem: PIXABAY

da Rede Brasil Atual 

O governo ameaça um dos principais sistemas de ensino superior do mundo

por Marcio Pochmann

O Brasil possui um dos principais sistemas de formação no ensino superior do mundo. Embora o país represente 2,8% da população mundial, a sua participação relativa no total de estudantes universitários no planeta saltou de 2,7%, em 2000, para 4,4%, em 2014, segundo a Unesco.

O sistema universitário nacional compreende o funcionamento de 2.448 Instituições de Ensino Superior que anualmente absorvem cerca de 3,2 milhões de novos ingressantes e formam ao redor de 1,1 milhão de profissionais oriundos de 35,4 mil cursos de graduação (MEC-Inep). Além de grandioso e complexo, o sistema universitário detém uma das principais plataformas de ensino e pesquisa na pós-graduação mundial que forma anualmente mais de 50 mil mestres e quase 17 mil doutores.

As universidades brasileiras, especialmente as públicas, que respondem por 95% da pesquisa do país e 24,7% do total dos alunos matriculados, também respondem pelas atividades de extensão. Somente no ano passado, por exemplo, as universidades públicas federais realizaram 17,4 milhões de exames e 6,8 milhões de consultas médicas acompanhadas por 339 mil internações de pacientes e a realização de 232 mil cirurgias e 1.398 transplantes em todo o país.

Apesar disso, o país ainda está longe de atingir o potencial que o ensino superior alcança em outras nações. Em relação ao conjunto de 26 países selecionados pela OCDE, Brasil encontra-se na retaguarda em termos do acesso a diplomas universitários na população de 25 a 64 anos de idade.

Enquanto cerca de 18% dos brasileiros registram deter graduação no segmento etário de 25 a 64 anos, a média no conjunto dos 36 países chega a 28% de idêntica faixa populacional. Na Rússia, por exemplo, 54% das pessoas de 25 a 64 anos possuem título universitário e no Chile chega a 24% para o mesmo segmento etário.

O Brasil poderia avançar ainda mais também em relação à pós-graduação. Apesar de deter atualmente mais de 230 mil doutores e 650 mil mestres diplomados, o país possui menos de oito doutores por 100 mil brasileiros. O Reino Unido registra 41 doutores por 100 mil habitantes, os Estados Unidos, 20 por 100, o Japão, 13 por 100 mil.

O caminho para avançar parece viável, pois o país compromete quantia ainda relativamente baixa na formação dos universitários. Segundo levantamento da OCDE realizado com 39 países, o Brasil encontra-se nas últimas posições em termos de investimentos por aluno no ensino superior, abaixo do comprometido com estudantes universitários na Indonésia, Argentina, Colômbia e México. Em 2015, por exemplo, o dispêndio médio com matriculados no ensino superior brasileiro era equivalente a menos de 13% do realizado nos Estados Unidos, a 15% no Reino Unido, a 44% no Chile e a 58% na Colômbia.

Ademais do salto quantitativo transcorrido no ensino universitário nos anos 2000, bem mais significativo do que registrado no mundo, constata-se o movimento da descentralização territorial das oportunidades e da democratização do acesso por nível de renda e raça. Com isso, o avanço na graduação e pós-graduação permitiu reduzir desigualdades que historicamente marcam a educação brasileira a partir da expansão das universidades relativamente mais para as regiões distantes do centro nacional e para o interior do país.

A descentralização da educação no território nacional foi significativa nos últimos anos, permitindo diminuir, por exemplo, a concentração de mestres e doutores formados no centro mais rico do país. No ano de 2014, por exemplo, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro respondiam juntos por 36,6% dos mestres e 49,5% dos doutores formados no país, ao passo que em 1996 detinham 58,8% da formação de mestres e 83,4% de doutores da nação.

Também no que diz respeito ao acesso às universidades constata-se intensa ascensão de estudantes pertencentes à base da pirâmide social brasileira, cuja presença relativa dos universitários com renda mensal de até 2 salários mínimos saltou de 27,1%, em 2001, para 67,5%, em 2015. No mesmo sentido, nota-se que a participação dos estudantes não brancos no total das matriculas no ensino superior passou de 23,3%, em 2001, para 44,4%, em 2015, enquanto a participação conjunta das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste no total dos estudantes universitários brasileiros saltou de 31,8%, em 2001, para 41,3%, em 2015.

Essa trajetória tem sido frontalmente atacada desde a chegada do governo Temer e, agora, de Bolsonaro. O desmanche das políticas educacionais, especialmente nas universidades públicas, decorre tanto da desqualificação dos dirigentes governamentais como do propósito de inviabilizar o ensino superior através da imposição da asfixia orçamentária.

De uma tacada só, o MEC anunciou o corte de 47% dos recursos destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), enquanto as reduções orçamentárias impostas às universidades públicas tendem a comprometer, inclusive, o cumprimento do ano letivo. Perde-se assim, o sentido inclusivo das universidades, bem como se desestrutura um dos principais sistemas de ensino superior do mundo.

Redação

3 Comentários

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  1. Ainda tenho a opinião que os governos Lula-Dilma mexeram nas estruturas do valor simbólico, como a educação. Claro, a gente não pode esquecer daquelas cenas grosseiras, como da pessoa que foi ao Face reclamar que tinha gente de chinelo (“pobre”) esperando avião…
    Essa “elite de araque” tem dúvidas sobre seu real valor. Odeia competição (livre mercado com certeza de que a fatia que lhe cabe é de caráter hereditário). Provou-se que com pouco, muito pouco, a estratificação e o status caem como mitos que se dissolvem.
    Bolsonaro não é um governo ruim em si. Ele está realizando radicalmente aquilo que esta elite de araque quer. Um capitalismo depressivo e recessivo, sem massa. Do celular mequetrefe como símbolo de poder. Da educação ruim e particular como diferenciação social. Não se trata de um governo imobilizado.
    Não se trata apenas de um governo “de bárbaros”. Ele expressa claramente o que se quis dele.

  2. E de que adianta defender o que esta Universidade Pública, como instituição, representa se a mídia faz ouvidos moucos ao que ela produz. Quem faz divulgação científica no Brasil? Esta é uma falha imperdoável da chamada mídia progressista independente.
    Procurando material recente sobre o professor Paulo Artaxo e as mudanças climáticas, encontrei 3 vídeos (1 da TV Cultura, de 2013, que serve como aula para quem quer entender o básico sobre a mudança climática; outro como matéria paga do jorneoliberal O Estado de SP, via rede social (não consegui identificar a data; um terceiro do USPTalks de dezembro de 2016; e uma reportagem de 22/04/2019 (trechos relevantes abaixo) que valem a atenção.
    A ONU divulgou um alerta de extinção de espécies que é alarmante (vídeo do trecho no item 4) e que deveria receber da imprensa, senão mais, o mesmo destaque que as pataquadas do imbecil do Trump ou do peidão brasileiro, mas a mesma mídia que se escandaliza ou que tira casquinha das baixarias não faz a única coisa que serviria de contraponto aos escândalos – e ao fazer essa escolha, apenas dá a eles o que pretendem, espaço para abafar o que de fato importa: divulgar, noticiar, esclarecer, debater assuntos relevantes e dar espaço a pessoas que merecem ser ouvidas sobre eles, como a sobrevivência da vida no planeta. Ou estão todos surdos (um cara chamado Chico Ciência já cantou sobre isso) ou são acionistas da desgraça. Escolham seu lado, e apenas repercutir a tragédia ou fazer discursos vazios de defesa dos valores blah, blah, blah, é hipocrisia e farisaísmo se, no seu fazer jornalístico ou cidadão, não o demonstram pelas escolhas que fazem e que de fato podem interferir na realidade para além do bate-boca. Parar de reagir e começar a agir é o que precisamos e no entanto, QUEM OUSA?

    1 – JC Debate com Paulo Artaxo – Metrópolis 08/10/2013 (27 minutos e 20 segundos)
    https://www.youtube.com/watch?v=_TW8ImAcPDo

    2 – https://pt-br.facebook.com/estadao/videos/2121918551156529/ – 22 minutos e 02 segundos (olha o que a inoperância da mídia independente me faz fazer: dar destaque simultâneo a dois veículos que desprezo, a rede social e o jorneoliberal urubus)

    3 – USPTalks #8: Mudanças Climáticas | Paulo Artaxo (15 minutos e 38 segundos)
    https://www.youtube.com/watch?v=k-Y5MEgwB74

    4 – Top U S & World Headlines May 6 2019 – Massive Extinction of species, ONU report [Democracy Now!]
    https://youtu.be/wC5bugs5R3o (01 minuto e 06 segundos)

    5 – reportagem http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/preocupacao-com-a-ciencia-deve-ser-levada-para-as-ruas-diz-paulo-artaxo/

    DA SBPC
    “23/04/2019

    Preocupação com a ciência deve ser levada para as ruas, diz Paulo Artaxo
    Físico criticou cortes orçamentários e disse que o setor de CT&I carece de reconhecimento da sua importância para o desenvolvimento do País como um todo
    A discussão sobre o futuro da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) brasileira tem que ser levada para as ruas, afirma o físico Paulo Artaxo, considerado um dos pesquisadores brasileiros mais influentes no mundo. “As preocupações sobre que Brasil queremos precisam ser discutidas com toda a sociedade, com todos que quiserem participar e estiverem preocupados com o futuro desse país”, defendeu Artaxo, em entrevista ao Jornal da Ciência. Ele apresentou nesta segunda-feira (22/4) a Aula Magna “O Papel da Ciência e da Universidade no Desenvolvimento Brasileiro”, promovida pela Associação de Pós-Graduandos (APG), no campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP).

    Professor titular do Instituto de Física da USP, integrante permanente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), Artaxo garantiu sua presença na mobilização #cienciaocupabrasilia, no próximo dia 8 de maio. Articulado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com uma rede nacional de entidades científicas e acadêmicas, o movimento reunirá instituições de pesquisa, universidades, cientistas, professores, pesquisadores e estudantes de todo o Brasil para chamar a atenção do governo e toda a sociedade para a grave situação do setor e as sérias consequências para o desenvolvimento social e econômico do País.

    Durante sua apresentação, Artaxo apontou dados sobre os avanços e os desafios para o financiamento da pesquisa no País. Diante da queda do orçamento para investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), de quase R$ 4,6 bilhões no ano passado, para algo em torno de R$ 2,9 bilhões este ano, com o contingenciamento de 42% anunciado no fim de março, a situação se agrava ainda mais. “Com esse contingenciamento, ficamos abaixo da situação de penúria”, afirmou. Para ele, a falta de dinheiro é o sintoma mais crítico de uma carência imensa do setor: “o reconhecimento da sua importância para o desenvolvimento do País como um todo”.

    Artaxo disse que a gestão do ministro Marcos Pontes à frente do MCTIC não pode ser vista isoladamente, mas no contexto da falta de planos para a gestão Bolsonaro em geral, seja nos transportes, ciência, tecnologia ou na educação. Para o físico, o governo está “totalmente perdido, sem direção, sem estratégia”. “Cada um dá tiros em uma direção e em outra, e o Brasil vai perdendo com isso”.

    Ele afirmou ainda que a comunidade científica deve apostar na popularização da ciência e seguir investindo em estudos e iniciativas, como os que já estão sendo feitos por entidades como a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) para embasar debates com a sociedade e com o governo.

    Janes Rocha – Jornal da Ciência”

    TODOS ESTÃO SURDOS! CHICO SCIENCE!!!
    https://www.youtube.com/watch?v=sfJ_nk6bLtw

    Sampa/SP, 06/05/2019 – 20:36

  3. Favor encaminhar ao Sr. Weintraub o texto veiculado. Quem sabe ele pode atualizar-se sobre essa questão de tamanha importância. Um país só é soberano quando há uma reserva de inteligência nativa capaz de gerenciar as suas necessidades. Tecnologia importada nem sempre se adecua ao padrão da causa.

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