Objetivo central da Base Nacional é fortalecer a equidade, diz Cleuza Repulho

Ex-presidente da Undime avalia que versão final do documento precisa de uma visão mais integral dos estudantes e menos fragmentação entre as disciplinas e objetivos de aprendizagem.

Por Caio Zinet, do Centro de Referências em Educação Integral

Na imprensa, a discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem se focado nos conteúdos das disciplinas, o que é importante, mas não pode tirar o foco de outras questões muito mais relevantes para a educação brasileira. Essa é a avaliação da professora e ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho.

“A discussão sobre História é importante, mas ela não pode direcionar e ocupar todos os holofotes do debate. O essencial é garantir equidade e que as crianças aprendam”, afirmou ela em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.

Para ela, o objetivo central da Base é garantir que todas as crianças e jovens do país tenham direito a uma educação de qualidade, independente de raça, gênero, classe social, ou de onde more. “[O objetivo da Base] é diminuir a desigualdade que existe no Brasil, garantindo a equidade de oportunidades para todas as crianças. Independente de onde nascem, precisam ter acesso aos mesmos conteúdos, mas sem deixar de lado as questões locais”, afirmou a docente.

Segundo Cleuza, um dos problemas principais do documento inicial é a fragmentação das áreas de ensino e uma falta de uma visão integral de currículo. Ela critica ainda o fato dos textos das áreas não terem uma estrutura comum, mas opina que a segunda versão deve reparar esses problemas. “Acredito que esse segundo texto vem muito nesse sentido de integração e de trabalho conjunto. Esperamos ver a educação integral e a questão da inclusão incluídas”, disse Cleuza.

Saiba + O que deve garantir a Base Nacional Comum da Educação Básica?

Ela destacou o grande número de contribuições enviadas ao texto inicial. Ao todo 12 milhões de propostas foram escritas numa discussão que envolveu ao menos 35 mil escolas e 200 mil professores.

A Base, segundo Cleuza, mesmo depois de aprovada, continuará sendo discutida. “Todos os países que fizeram uma base curricular em um ou dois anos realizaram revisões posteriores, uma vez que é somente após colocar em prática que percebemos os ajustes necessários”.

Clique aqui e leia a entrevista na íntegra

Redação

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  1. ANDES-SN divulga crítica à BNCC

    ANDES-SN divulga crítica à BNCC e cartilha sobre Projeto do Capital para a Educação

    O ANDES-SN divulgou, na tarde desta sexta-feira (11), por meio da Circular 45/2016, uma nota política contrária à Base Nacional Comum Curricular. A manifestação do Sindicato Nacional sobre a BNCC através da nota foi deliberada no 35º Congresso do Sindicato Nacional, realizado no final de janeiro em Curitiba. No documento, a entidade faz uma análise do que representa a proposta do Ministério da Educação (MEC) para a Educação Básica e “se posiciona contra a BNCC por considera-la um instrumento centralizador, autoritário, reducionista e de controle dos conteúdos a serem ministrados por professores/as”.

    Também nesta sexta-feira, o Sindicato Nacional divulgou a cartilha produzida pelo Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) “Projeto do Capital para a Educação: análise e ações para a luta”, na qual analisa criticamente projetos como o da Escola Sem Partido e BNCC. O material também foi uma resolução do 35º Congresso do ANDES-SN e teve a contribuição de 22 seções sindicais em sua elaboração.

    Olgaíses Maués, 2ª vice-presidente da Regional Norte II e uma das coordenadoras do GTPE do ANDES-SN, ressalta a importância das seções sindicais darem divulgação ao material. “Às vezes parece um chavão quando afirmamos que a educação pública está sendo atacada, mas ao ter acesso a materiais como esse, podemos perceber a seriedade dos ataques que estão colocados nesses projetos”, afirma.

    A coordenadora do GTPE afirma que os projetos analisados na cartilha foram escolhidos a partir de sua importância e de sua urgência. “A BNCC foi selecionada para análise porque está aberta uma consulta plebiscitária no site do MEC até 15 de março, e queríamos explicitar por quais razões o ANDES-SN não tem acordo com o projeto”, diz.

    Já a PEC 10/2014, apesar de estar parada desde março de 2015 no Congresso, é um assunto muito preocupante ao qual os movimentos que defendem a educação pública devem estar atentos, de acordo com Olgaíses. “A criação de um Sistema Único de Educação Superior é um aceno para a possibilidade de desmembrar a educação superior do Ministério da Educação (MEC) e jogá-la para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI)”, completa.

    A diretora ressalta também o PL 867/2015, que trata da Escola Sem Partido. Para ela, os termos do projeto apresentam uma censura muito pior do que a realizada nas escolas durante a ditadura empresarial-militar. “O PL chega ao absurdo de querer proibir a utilização da palavra gênero. Mesmo ele estando parado no Congresso Nacional, alguns estados, como foi o caso de Alagoas, já estão aprovando leis com o mesmo conteúdo”, critica a 2ª vice-presidente da Regional Norte II do ANDES-SN.

    Confira aqui a cartilha em pdf

    Confira aqui a nota contrária à BNCC

     

  2. Nota do ANDES-SN sobre a BNCC

    NOTA POLÍTICA DO ANDES-SN SOBRE A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)

    O Ministério da Educação (MEC) disponibilizou no site da instituição, no segundo semestre de 2015, uma nova versão de uma proposta de Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica (BNCC). Ao mesmo tempo, o MEC intensifica uma propaganda, via diferentes meios de comunicação, estimulando as pessoas a participarem de uma consulta pública de caráter plebiscitário, de concordância ou não, com cada ponto da proposta. A BNCC está sendo apresentada, em versão preliminar, em um contexto marcado pelo neoliberalismo e neoconservadorismo, ideologias voltadas para o mercado, que valorizam os princípios da racionalidade técnico-burocrática e do resgate dos “valores” do passado. O ANDES-SN tem discordância da possibilidade de estabelecer qualquer Base Nacional Comum Curricular que pretenda ir além de uma orientação estruturadora dos currículos para as redes estaduais e municipais de educação. O ANDES-SN tem como princípio a defesa da educação pública, laica, plural, da gestão democrática, e do respeito à diferença. Nessa perspectiva, a existência de uma Base Nacional Comum fere profundamente esses princípios, na medida em que, na concepção do Sindicato, esse tipo de documento pode estabelecer uma hegemonia do pensamento, tolhendo qualquer possibilidade do contraditório e do diferente, ferindo assim multiplicidades culturais que perpassam o país. O ANDES-SN é contrário à BNCC por entender que a ela está vinculada uma proposta de centralização da seleção de conteúdos e sua uniformização, baseada no argumento de autoridade dos especialistas das disciplinas. Isto desconsidera as diferenças de significado que se podem atribuir a conteúdos em variados contextos (sociais, econômicos e culturais) cuja expressão possui espaço garantido nos projetos político-pedagógicos das escolas, conforme estabelecido na LDB. O significado dessa Base é a instituição de um conhecimento dito oficial e de um único saber que será considerado o legítimo, ou seja, aquele que consta dos componentes curriculares desse instrumento, além de justificar a existência do sistema de avaliações externas. Algumas das consequências da implantação da BNCC serão a obtenção da hegemonia neoliberal e neoconservadora, o controle e a mercantilização do conhecimento, bem como a regulamentação sobre os discursos pedagógicos. A BNCC proposta reforça as tendências internacionais de centralização curricular verificadas nos países centrais do capitalismo com o objetivo de controle político-ideológico do conhecimento, viabilizando a avaliação em larga escala, externa às unidades escolares, e, em consequência, responsabilizando os professores e os gestores pelos resultados da aprendizagem, desconsiderando as condições efetivas da realização das atividades educacionais, como a infraestrutura disponível nas escolas e as condições de trabalho docente. Por essas razões, o ANDES-SN se posiciona contra a BNCC por considera-la um instrumento centralizador, autoritário, reducionista e de controle dos conteúdos a serem ministrados por professores/as da Educação Básica, e reafirma a moção de repúdio aprovada no seu 35º Congresso, contrária à aprovação dessa Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 11 de março de 2016

  3. MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DA ANPUH SOBRE A BASE NACIONAL COMUM CURRIC
    Nascida como Associação de Professores de História, em 1961, a ANPUH ampliou consideravelmente o número de seus integrantes ao longo das últimas décadas, incorporando profissionais atuantes em todos os níveis do ensino, o que reitera sua compreensão acerca da relação intrínseca entre ensino e pesquisa na atividade profissional do historiador. A ANPUH tem sido fiel a este princípio, cumprindo, aliás, disposições estatutárias, entre as quais a que visa garantir “a proteção, o aperfeiçoamento, o fomento, o estímulo e o desenvolvimento do ensino de História em seus diversos níveis”, além da permanente “defesa do livre exercício dos profissionais de História”.

    Por ser coerente e fiel a esses princípios, a ANPUH liderou, a partir dos anos 1970, a luta contra os Estudos Sociais e, na primeira metade dos anos 1980, foi protagonista do projeto “Diagnóstico e Avaliação dos Cursos de História”, instituído pelo Ministério da Educação (MEC). Em sua trajetória, a Associação sempre debateu os rumos da educação brasileira, dedicando especial atenção ao lugar reservado à História nos currículos escolares. As definições de parâmetros e diretrizes curriculares foram acompanhadas de perto pela entidade, especialmente nos novos debates sobre reformas da educação básica.

    Em agosto de 2015, a ANPUH foi convidada pelo MEC, junto com outras associações científicas, a participar de reunião em Belo Horizonte na qual foi apresentada a ideia central da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O evento contou com a presença do Secretário de Educação Básica, Manoel Palácios, e de assessores envolvidos na elaboração da mencionada proposta. O texto da BNCC ainda não estava concluído e nenhum conteúdo foi apresentado para discussão. Na sequência, na data prevista pelo MEC, foi apresentada, oficialmente, a primeira versão da BNCC. As diferentes áreas de conhecimento foram contemplas, exceto a da História, pois foi considerada problemática pelo próprio Ministério. Dias depois, o conteúdo de História foi divulgado, suscitando criticas e reações na academia e nos mais diversos meios de comunicação.

    Nesses debates, multiplicaram-se as referências às fragilidades da proposta curricular da História. As seções regionais da ANPUH passaram então a promover discussões sobre o componente curricular da área de História que, a despeito de eventuais elogios, recebeu, sobretudo, críticas relacionadas aos fundamentos que embasaram a concepção de História na Proposta da BNCC. Em dezembro de 2015, a direção nacional da ANPUH decidiu, em reunião de seu Conselho Consultivo encaminhar à Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC as seguintes reivindicações: 1) alteração do calendário proposto com ampliação do prazo final para envio de sugestões relativas à revisão da primeira versão do documento; 2) ampliação da equipe de História, com a inclusão de especialistas da área que se dispunham a colaborar na revisão da Proposta.

    Dois encaminhamentos foram feitos pela ANPUH:

    1) a Vice-Presidente da Associação, Profa. Lucilia Neves Delgado, prontificou-se a protocolar, junto ao MEC, pedido de audiência com o Secretário Nacional de Educação Básica, para: a) propor a colaboração de representantes da ANPUH, junto à comissão nomeada pelo MEC; b) solicitar a ampliação do prazo para a finalização do documento de modo a garantir uma discussão sobre seu conteúdo;

    2) a ANPUH, com o envolvimento de suas Seções nos Estados, programou e estimulou o amplo debate em torno da Proposta do MEC, tendo agendado Seminário, a ser realizado na sua sede, nos dias 29/2 e 1/3 de 2016, com o objetivo de elaborar um documento que expressasse sua posição. Texto a ser divulgado no seu site e encaminhado à SEB/MEC.

    Em 6 de janeiro de 2016, o Secretário de Educação Básica recebeu em audiência a Presidente e a Vice-Presidente da Associação Nacional de História, as quais se fizeram acompanhar de outros membros da Diretoria. Na reunião, foram apresentadas as demandas sistematizadas pela entidade. Desse encontrou, resultou o seguinte encaminhamento: indicação de quatro representantes da ANPUH para atuarem como mediadores em reuniões com a Comissão do MEC.

    Nessa mesma audiência, os representantes da ANPUH foram informados de que não havia qualquer possibilidade de ampliação do prazo para envio de sugestões à SEB. Dessa forma, continuou, prevalecendo o prazo previamente estabelecido, considerado pela Associação como insuficiente para a discussão da proposta.

    Nos dias 17 e 18/2 foi realizada reunião entre representantes da ANPUH e a Comissão da SEB/MEC, em Brasília. Dela resultou uma carta de intenções na qual foram registrados alguns dos fundamentos básicos que deveriam ser observados na elaboração da segunda versão do documento. Na oportunidade, os representantes da ANPUH propuseram que a reunião da Comissão da SEB programada para os dias 22 e 24/2, em Belo Horizonte, para finalizar a revisão da primeira versão da proposta, fosse adiada para data posterior ao Seminário da Associação, agendado para 29/2 e 1/3 com objetivo de sistematizar as propostas da ANPUH para a revisão da BNCC. Lamentavelmente, porém, o pedido não foi acolhido pela Comissão do MEC.

    Nos dias 29/2 e 1/3, o seminário para avaliação do conteúdo de História da BNCC foi realizado em São Paulo. Precedido de reuniões em diferentes regionais da ANPUH teve como resultado o presente documento que analisa o conteúdo de História da BNCC.

    É importante destacar que a ANPUH apoia a construção de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que não seja prescritiva e subordinada a metas relacionadas ao fluxo escolar, ao controle vertical do trabalho docente e à obtenção de resultados em testes como o Exame Nacional do Ensino Médio.

    Quanto a área de História, o exame atento da proposta suscita dúvidas quanto à forma de implementação do currículo que se seguirá à aprovação da BNCC e, também, com relação aos seus desdobramentos quanto à formação de professores. Partindo do pressuposto de que os responsáveis pela definição dos currículos escolares parecem não considerar as diferentes condições de sua aplicabilidade e os interesses mercadológicos em jogo na política que os define, cabe a seguinte indagação: uma vez implementada a proposta, estará garantida a autonomia dos docentes na escolha de conteúdos que compõem o currículo de forma a evitar o seu atrelamento aos exames censitários padronizados? Mais: percebe-se que a proposta da BNCC desconsiderou as inúmeras experiências desenvolvidas no país no âmbito do Programa de Iniciação à Docência, as quais revelam a riqueza dos currículos construídos no diálogo entre docentes, estudantes e pesquisadores, a envolver escolas e universidades.

    OBJETIVOS

    Uma crítica constante nos pareceres apresentados pelas Seções Regionais da ANPUH é a de que os objetivos do documento apresentam formulação genérica, válida para qualquer componente das Ciências Humanas (p.237 e 239). Considerando que uma disciplina específica só se justifica pela importância de seus objetivos de formação, de domínio de conceitos fundamentais e de métodos de produção do conhecimento sobre o lugar do indivíduo na sociedade contemporânea, os objetivos elencados para a área na BNCC mostram-se insuficientes e muitas vezes se confundem com conteúdos.

    Registre-se que a BNCC indica um amplo conjunto de objetivos, organizados por ano da escolarização. No entanto, eles são numerosos, repetitivos, pouco precisos e, às vezes, com redação confusa, o que indica a necessidade de cuidadosa revisão do texto. Verifica-se, ainda, que, atrelam-se aos objetivos a definição de conteúdos de ensino e conceitos, fatos e sujeitos históricos, sem que sejam explicitados os critérios de seleção e de organização que presidiram tais escolhas. Além disso, surgiram dúvidas quanto à exequibilidade dos objetivos de aprendizagem em relação ao ano escolar a que se destinam. Tal problema pode resultar no comprometimento da proposta de progressão da aprendizagem.

    CIDADANIA

    Outra questão que suscita críticas vincula-se a um dos objetivos principais explicitados na BNCC, qual seja, a relação do ensino de História com a formação política da cidadania. Mesmo considerando a relevância do objetivo, cabe lembrar que a formação para o exercício da cidadania não se confunde com a formação cívica, baseada no conhecimento e no respeito aos símbolos nacionais ou mesmo aos poderes instituídos. A compreensão de deveres e direitos do cidadão resulta da formação mais ampla, que inclui o respeito pelo outro, que engloba as diferenças sociais, políticas, ideológicas, culturais, religiosas, além das diferenças regionais, nacionais, étnicas, raciais, de gênero e das opções relacionadas à sexualidade.

    A formação política da cidadania também está relacionada à questão da identidade nacional. Neste caso, espera-se que o ensino de História ultrapasse os limites do nacional, considerando que uma perspectiva crítica sobre identidades contribui para a integração de formas diversas de convivência. No que se refere ao tema da formação da cidadania a partir do ensino de História, foram relegadas questões fundamentais, como respeito às minorias étnicas, diversidade de gênero, diferenças culturais, políticas, ideológicas, sociais, regionais. Também nesse aspecto, determinados conceitos carecem de historicidade. No quarto ano do Ensino Fundamental, por exemplo, antes mesmo de serem apresentadas quaisquer noções sobre direitos sociais, as crianças aprenderão que “as relações de consumo são regulamentadas pela legislação, por meio de estudo de documentos como o Código de Defesa do Consumidor, identificando mudanças e permanências nessas relações ao longo do tempo” (CHHI4FOA044). Como, em momento algum, o tema do consumo aparece relacionado à História do Capitalismo, o estudante não dispõe de elementos para compreender o significado de uma sociedade que se baseia no consumo de mercadorias e tampouco conseguirá desenvolver uma perspectiva crítica em relação aos elementos que produzem o consumismo.

    A questão da cidadania, tal como aparece formulada no documento, corre o risco de ser compreendida como algo natural e particularizada através de um personagem: “o cidadão brasileiro”. O documento acaba por apresentar uma proposta prescritiva, e não política, em relação à cidadania. Na formulação desse objetivo caberia propor a reflexão sobre o significado amplo de cidadania relacionado à política, à formação de identidades (não apenas a nacional), à alteridade, a parâmetros éticos historicamente construídos, ou seja, questões que vão muito além do respeito às leis, regras e valores. Ainda no que se refere à formação do cidadão como uma das metas do ensino de História, registre-se que a discussão sobre a questão de “gênero”, muito importante, mas ausente nos objetivos da Proposta, contribuiria para um debate frutífero sobre a cidadania no mundo contemporâneo.

    ENSINO DE HISTÓRIA

    Uma das lacunas centrais da Proposta refere-se à ausência da discussão apropriada sobre o papel do ensino de História na formação intelectual do aluno, a qual resulta de um conhecimento histórico produzido por pesquisas realizadas por historiadores e pesquisadores de áreas afins. Ora, ter acesso ao conhecimento do resultado dessas investigações científicas é fundamental para a formação crítica dos alunos, tanto em relação à história ensinada nas escolas quanto às suas histórias de vida. Os dois tipos de aprendizado, ainda que específicos, se interligam. É por meio desse aprendizado mais amplo que o estudante pode apreender as categorias de tempo histórico em suas diferentes temporalidades, ritmos e durações, além de também desenvolver capacidade analítica sobre diferentes formas de construção dos discursos e das representações sobre o passado.

    CONCEITOS

    Todavia, o aspecto considerado mais problemático do documento é o que concerne à fundamentação da interpretação dos acontecimentos a partir de conceitos históricos, sabidamente ponto central da aprendizagem no ensino de História. Conceitos ou noções como “mundos”, “comunidades”, “representações”, entre muitos outros, são mencionados sem levar em conta a necessidade de historicizá-los. A forma de apresentação e de apropriação de conceitos históricos pode indicar, ainda, certa fragilidade de sintonia da BNCC com os debates historiográficos contemporâneos, os quais, em âmbito nacional e internacional, resultaram em revisão crítica de inúmeros conceitos.

    Estão presentes no texto da BNCC várias noções de história que, expressando versões tradicionais ou canônicas da historiografia, já foram amplamente questionadas pelas revisões historiográficas produzidas nas últimas décadas. Alguns exemplos podem ser mencionados: “Ciclos econômicos”, “Formação de Estados Oligárquicos na América Latina” (“porfirismo”, “coronelismo”, “caudilhismo”), “República Velha”, “Golpe de 1930”, “Revolução Constitucionalista de 1932”. Na mesma direção, também pode ser verificada a naturalização de categorias como progresso, desenvolvimento, terceiro mundo, dependência, entre outras.

    TEMPORALIDADE

    No que se refere à temporalidade, há referências (no 6ª. ano) ao estudo dos tempos e processos históricos, os quais, contudo, não estão relacionados a acontecimentos. Além disso, verifica-se a supressão de noções correlatas ao conceito de tempo histórico, a exemplo de “diacronia”, “sincronia”, “processo”, “permanências”, “mudanças”, “rupturas”, além de certa despreocupação com a cronologia. Atribuir pouca importância à temporalidade numa Proposta de Ensino de História soa incompreensível, pois o tempo é categoria que confere identidade ao conhecimento histórico, indissociável do “oficio do historiador”. De igual modo, a Proposta passa ao largo da narrativa histórica, outro elemento essencial ao trabalho do historiador.

    EUROCENTRISMO

    Relativamente aos conteúdos, a Proposta enfatiza a crítica à perspectiva eurocêntrica. Eis uma critica bastante oportuna, chancelada pela produção do conhecimento histórico das últimas décadas, em larga medida voltada para o distanciamento em relação aos centros hegemônicos de poder. A base teórica dessa perspectiva está ancorada em estudos que privilegiam a diversidade, a pluralidade e a diferença cultural. Nesse sentido, a preocupação com o estudo das populações africanas, afrodescendentes e indígenas, presente na BNCC, é salutar por contribuir para a desconstrução de estereótipos e classificações arbitrárias de natureza diversa e por permitir o deslocamento do olhar da História para novos aspectos que contribuem para a crítica ao eurocêntrico, a partir de uma perspectiva que privilegia o polissêmico e o policêntrico.

    No entanto, embora a BNCC tenha o mérito de questionar a concepção eurocêntrica da História, a formulação da proposta ressente-se de solidez argumentativa. Ao olvidar conteúdos históricos fundamentais para a compreensão da diversidade das sociedades, dos povos, das nações e de culturas, a critica ao eurocentrismo é prejudicada pela escassez de bases históricas. A fragilidade argumentativa também se evidencia nas referências à História do Brasil e à História da África. Nos dois casos, toma-se como marco inicial dessas histórias a chegada dos portugueses, que promoveram a “Conquista” e a “Colonização” desses territórios. O uso do termo “Conquista” revela, por certo, uma narrativa eurocêntrica que a BNCC se propôs a superar.

    HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

    A ausência de referências à História Antiga e à História Medieval foi considerada lacuna inaceitável da Proposta e, não por outra razão, mereceu inúmeras criticas. Não há justificativa plausível para a omissão da História de povos da Antiguidade de diferentes partes do mundo que legaram um patrimônio material e imaterial reverenciado até os dias atuais. O mesmo deve ser dito em relação à História Medieval, tão imprescindível para se compreender modos de vida, ideias e valores que lhe são próprios e para refletir sobre processos de mudanças que ocorreram entre a Antiguidade e a Modernidade. Ao acompanhar e analisar o significado dessas transformações históricas, muitos aspectos, inclusive, poderiam ser explorados para a fundamentação da critica ao eurocentrismo.

    A referência a sociedades que ficaram à margem da proposta da BNCC contribuiria para a reflexão sobre deslocamentos populacionais entre continentes e também sobre a circulação de mercadorias, ideias e culturas. Em suma, culturas produzidas nas Américas, na África, na Ásia, na Europa e na Oceania em diferentes épocas, a partir de uma perspectiva conectada, permitiria ao estudante a refletir sobre o significado das identidades e das alteridades. A reduzida representação das sociedades que se desenvolveram em outros tempos e espaços limita o contato do estudante com experiências bem distintas das que vive ou tem conhecimento nos tempos atuais. Dessa forma, restringe-se a possibilidade de contribuir para a ampliação das visões de mundo e para a percepção de processos múltiplos de transformação da História marcados por mudanças e permanências que ocorreram em temporalidades distintas, ou seja, de longa, média e curta duração.

    Cabe ainda chamar a atenção para outro problema: ao privilegiar o período histórico que deu início à colonização, o século XVI, o documento, reforça uma perspectiva que naturaliza a sociedade moderna capitalista. Ao atribuir à colonização e ao colonizador europeu o marco inicial, tanto da História do Brasil como a da África, o texto opera exclusões injustificáveis que impedem a compreensão das realidades históricas muito anteriores à chegada do colonizador e, neste caso, mantêm a Europa em lugar central nesse processo, fragilizando a crítica ao eurocentrismo.

    HISTÓRIA INDIGENA E HISTÓRIA DA ÁFRICA

    Não se pode deixar de reconhecer o mérito da BNCC ao introduzir a História indígena e a História da África no currículo dos ensinos fundamental e médio. O documento contempla, de forma geral, as temáticas relativas às culturas afro-brasileiras e indígena, em conformidade à legislação (Leis 10.639/03 e 11.645/08). Todavia, é preocupante a ausência de qualquer referência aos povos indígenas, afro-brasileiros e africanos nos objetivos dos anos iniciais. Além disso, a inserção dos estudos sobre esses povos ocorre basicamente na perspectiva de suas contribuições para a formação do povo brasileiro, ainda que envolvida em processos de conflitos, disputas e negociações dentro da lógica da escravidão. A identificação dos povos indígenas e africanos como brasileiros é problemática porque não leva em conta o fato de que tais povos vinham construindo suas histórias muito antes da configuração de uma História do Brasil como nação. Não há dúvida quanto a importância do estudo dessas histórias, pois permite ao aluno compreender as alteridades presentes na formação da sociedade brasileira. O reconhecimento do “outro” (no caso, o indígena e o africano) é fundamental porque dele depende a desconstrução da imagem de uma nação europeia e colonizadora nos trópicos.

    Embora haja menção a objetivos relacionados à temática indígena, eles reduzem a compreensão dos fenômenos históricos a episódios específicos e isolados no tempo e no espaço. Dessa forma, resta ao professor limitar-se à abordagem das relações entre europeus e os diferentes povos indígenas, tal como aparece, por exemplo, no objetivo de aprendizagem CHHI8FOA108, que propõe: Compreender as relações entre europeus e povos indígenas no Brasil como construções do tempo, permeadas por conflitos, disputas e negociações, por meio do estudo da Pacificação do Rio de Janeiro.”

    No caso de História da África, os historiadores especialistas na área chamam atenção para o fato de que os estudos já realizados sobre esse Continente contribuem para desfazer estereótipos e classificações arbitrárias comuns quando se associa a África unicamente à escravidão, por exemplo. Como a proposta da BNCC, não faz qualquer menção às sociedades africanas anteriores ao século XVI, as histórias africanas continuam sendo percebidas como mero apêndice da História europeia.

    No que se refere especificamente à História da escravidão no Brasil, o documento não leva em conta os estudos que renovaram a compreensão desse fenômeno a partir de novas abordagens e introdução de novas temáticas. Esses estudos, mostram, por exemplo, formas de resistência muito mais abrangentes do que as revoltas dos quilombos e também pesquisam as importantes contribuições da cultura africana à cultura brasileira.

    CONTEMPORANEIDADE

    As referências temporais e espaciais que organizam o ensino da história não contribuem para a ruptura com uma visão da história acrítica. Para que o estudante possa entender as relações sociais vigentes até os dias de hoje, é imprescindível que ele compreenda o processo histórico através do qual as sociedades contemporâneas se constituíram, como foram se organizando suas características básicas e as contradições que se explicitaram ao longo do tempo. Para tanto, caberia à Proposta contemplar os elementos conformadores da contemporaneidade vinculados ao desenvolvimento do capitalismo e, neste caso, o estudo da Revolução Industrial torna-se imprescindível, bem como o das Revoluções Inglesa e Francesa.

    A rigor, em seus duzentos componentes não há uma só referência às características econômicas e sociais vigentes nos últimos três séculos. Os termos capitalismo, capital e burguesia estão inteiramente ausentes da proposta, abolindo do estudo de História conceitos fundamentais para a compreensão da contemporaneidade. O conhecimento de teorias criticas e movimentos de contestação às relações econômicas e sociais produzidas pelo capitalismo, permitiria que o estudante refletisse sobre as contradições inerentes ao processo histórico que, por sua vez, explicam o advento das Revoluções Comunistas do século XX. Ainda assim, paradoxalmente, os componentes de História encontram espaço para mencionar o stalinismo, em referência generalizante a “processos históricos tais como o fascismo, o nazismo e o stalinismo” (CHHI3MOA052), e ainda à Glasnost e à Perestroika (CHHI3MOA050) – fenômenos inteiramente incompreensíveis sem referência à Revolução Russa. O mesmo se pode dizer com relação à proposta de estudo da Revolução Cultural na China sem que tenha sido mencionada, anteriormente, a Revolução Chinesa.

    A História Contemporânea é pensada a partir da subordinação aos seus “nexos” e “vínculos” com a História brasileira, o que produz graves distorções, inviabilizando a compreensão da dinâmica própria de seus processos Por exemplo, a Revolução Francesa – cuja importância para a conformação do mundo contemporâneo é indiscutível – é estudada exclusivamente para identificar “os nexos entre os processos de Independência [na América] e as transformações ocorridas na Europa” (CHHI8FOA111) e para reconhecer “as incorporações do pensamento liberal no Brasil” (CHHI8FOA114). Para o 9º ano, propõe-se “Compreender o século XX como um momento de reordenação e reformulação das relações de trabalho, em função das transformações na economia mundial” (CHHI9FOA130). Na ausência de referências às mudanças ocorridas no sistema capitalista ao longo dos dois últimos séculos, que resultaram na globalização, as “transformações na economia mundial” aparecem como sujeitos de si mesmas, sem articulação com uma totalidade capaz de permitir uma compreensão mais ampla da contemporaneidade.

    HISTÓRIA DO BRASIL e HISTÓRIA DA AMÉRICA

    No que se refere à História do Brasil como eixo central da BNCC, a justificativa dessa escolha carece de argumentos mais sólidos, de modo a se evitar que seja interpretada como proposta meramente nacionalista. Seria oportuno ter esclarecido que o próprio nome História do Brasil tem uma história que começa bem antes da chegada do colonizador, sendo anterior mesmo à formação de uma nacionalidade, algo que se consolida a partir da construção do Estado/nação.

    A Proposta de História apresentada na BNCC não privilegia a interconexão entre diferentes histórias. Por exemplo: a interconexão entre a História da América e dos ameríndios, da África e dos afro-americanos seria muito oportuna porque permitiria explorar as múltiplas conexões entre esses processos históricos e, ao mesmo tempo demonstrar que, tanto a História do Brasil, como a de outros países da América e os da África, não são apêndices da História da Europa.

    Com relação à importância das histórias conectadas, cabe lembrar que a historiografia atual passou a se preocupar com as conexões e com os processos de circulação entre pessoas, ideias, culturas numa perspectiva transnacional, a partir da configuração de um mundo globalizado e interconectado no qual se inserem nossos estudantes.

    SUGESTÕES

    Após leitura atenta e muita discussão em torno do documento, representantes da ANPUH que participaram dos debates, sugerem que, no processo de revisão da BNCC sejam levadas em conta as seguintes observações:

    a) a redação do documento não prima pela clareza, tanto no que se refere à exposição dos objetivos, como na argumentação sobre as escolhas de conteúdos correspondentes a eles; cabe, portanto, uma revisão do texto;

    b) detectamos problemas na formulação e utilização de conceitos. Sugerimos que eles sejam revistos levando em conta as revisões historiográficas das últimas décadas;

    c) avaliamos que existem problemas de concatenação dos objetivos de aprendizagem ao longo dos anos escolares;

    d) consideramos que a ausência de problematização e reflexão crítica em relação ao conhecimento histórico fragiliza a proposta na sua totalidade. Tal questão deveria ser levada em conta pelos revisores do texto porque essas ausências sugerem uma concepção de história bastante questionável;

    e) cabe observar que a falta de transparência com relação aos critérios de escolha dos membros da equipe encarregada da produção do documento e a ausência de diálogo com representantes das associações, grupos de trabalho (GTs), coordenadores de projetos relacionados a temas de história abordados no documento explicam, em parte, os problemas detectados em relação à primeira versão do documento. Há, portanto, uma expectativa de que sejam abertos canais de comunicação entre representantes da equipe e a comunidade dos historiadores.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Reafirmamos que os problemas apontados neste documento visam, unicamente, colaborar para o aprimoramento da Proposta. Temos consciência da dificuldade a ser enfrentada na elaboração de uma base de ensino que se destina a todas as unidades da federação e a escolas de perfil heterogêneo. Temos também clareza de que a implementação da BNCC será inócua se não vier acompanhada de uma política educacional mais ampla, voltada para a formação e atuação dos profissionais da área, e da adoção de medidas concretas para a melhoria das condições da educação pública no país.

    AGRADECIMENTOS

    A Diretoria da ANPUH Nacional agradece, imensamente, a colaboração de inúmeros colegas, de representantes das Seções Regionais, de coordenadores de GTs de História. Todos os que nos enviaram pareceres e os que participaram da reunião na qual foi discutida a Proposta contribuíram, efetivamente, para a elaboração deste documento. Um agradecimento especial cabe aos colegas que se dispuseram a participar da reunião no MEC, dedicando dois dias de trabalho intenso, unicamente com o objetivo de colaborar para o aprimoramento do Ensino de História destinado aos estudantes dos ciclos Fundamental e Médio.

    São Paulo, 10 de março de 2016

    DIRETORIA NACIONAL DA ANPUH    

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